Após pouco mais 100 dias de suspensão das aulas presenciais pelo país para conter a pandemia do coronavírus, um levantamento do G1 junto às secretarias estaduais de educação aponta que 15 dos 25 estados que implantaram atividades à distância monitoram a adesão dos estudantes ao ensino remoto. Os índices mostram também que as aulas on-line não são acompanhadas por todos os alunos.
Isso significa que, apesar dos esforços das redes, parte dos estudantes pode não ter acesso à educação na pandemia. As razões são várias – e incluem falta de estrutura em casa, de computadores ou de conexão. A alternativa para os alunos é recorrer às atividades impressas ou à transmissão por outras mídias, como TV aberta ou via rádio.
Nesses casos, também é difícil mensurar quantos estudantes estão efetivamente assistindo ao conteúdo.
Quase 4 meses após a suspensão das aulas presenciais, o balanço do G1 aponta que:
25 estados e o DF implantaram aulas remotas: AC; AL; AM; AP; CE; ES; GO; MA; MG; MS; MT; PA; PB; PE; PI; PR; RJ; RN; RO; RR; RS; SC; SE; SP; e TO.
Na BA, não há aulas on-line, mas, sim, roteiros de estudo.
No PI, apenas 9% dos alunos da rede estadual de ensino assistem às aulas pela internet – 91% estão fora das plataformas on-line de educação.
Em RR e SP, mais da metade dos alunos não tem acesso aos conteúdos pelas plataformas digitais.
Em 5 estados, o ensino on-line não chega de 20% a até 25% dos estudantes.
Em 7 estados, o ensino on-line não chega a até 15%.
“Um resumo que pode ser feito é que foram meses de incertezas e improvisos imensos”, afirma Priscila Vieira, professora em Goiás.
Os dados não apenas revelam um “apagão” do ensino público na pandemia – eles acendem o alerta quando se observa que a maioria dos estados vai adotar as aulas remotas como equivalentes às aulas presenciais.
Na prática, isso quer dizer que as “horas de tela” vão contar como tempo em sala de aula no ano letivo. A medida está autorizada pelo Ministério da Educação (MEC) desde o início de junho.
Por que é importante monitorar o ensino remoto?
“Monitorar o acesso às plataformas é muito importante. Quanto mais rápido você souber quem acessa as aulas e o que estão aprendendo, melhor será a adaptação do ensino”, afirma Ricardo Henriques, ex-secretário de Educação Continuada e Alfabetização do Ministério da Educação (MEC) e superintendente executivo do Instituto Unibanco.
Ainda assim, o monitoramento atual não descarta a necessidade de uma avaliação mais consistente quando for seguro voltar às aulas, afirma Henriques. Para ele, os dados mostram que a falta de acesso ao ensino remoto torna ainda mais visíveis as desigualdades na educação.
“Uma coisa é acessar a plataforma; outra é ter condições materiais de estudo – ter uma mesa, um espaço silencioso, bem iluminado, por exemplo”, explica.
“Como as diferenças entre alunos e escolas são estruturais, quanto mais longa for a exposição ao ensino remoto, maior será o aumento da desigualdade já existente, entre redes de ensino e dentro de uma mesma turma. É diferente ter acesso total em banda larga, em computador, ou um pedacinho do plano de dados do celular da mãe”, afirma Ricardo Henriques.
Aulas remotas equivalem às presenciais em 20 estados
O balanço do G1 aponta que 20 estados e o DF vão computar o ensino remoto como aula dada. Desses, pelo menos 8 não estão avaliando a aprendizagem:
20 estados, além do DF, afirmam que as atividades vão valer como hora/aula: AC; AM; AP; CE; DF; ES; GO; MA; MG; MS; PB; PI; PR; RJ; RN; RO; RS; SC; SE; SP; e TO.
Em 2 estados – AL e PE – elas vão valer parcialmente como hora/aula.
3 estados – BA, PA e MT – não vão contar as atividades remotas como hora/aula.
1 estado – RR – ainda não definiu.
A avaliação dos alunos está sendo feita em 16 estados: AC; AL; AM; AP; DF; ES; GO; MS; PA; PI; PR; RJ; RO; SC; SE; e SP.
11 estados não estão avaliando os estudantes: BA; CE; MA; MG; MT; PB; PE; RN; RR; RS; e TO.
Aulas remotas não chegam a todos
Ainda assim, mesmo nos estados que declaram ter aulas remotas, nem sempre elas são ofertadas a todos ou estão acessíveis desde o fechamento das escolas.
Em Sergipe, essa modalidade foi implementada em 15 de junho; no Tocantins, em 29 de junho, mas somente para os estudantes do terceiro ano do ensino médio. No Rio Grande do Sul, as escolas da rede estadual estavam adotando o ensino remoto cada uma ao seu modo e, agora, o governo pretende unificar as iniciativas.
No Maranhão, 24% das escolas não têm atividades remotas. Entre os alunos das escolas com esse tipo de ensino, 21% não tinham acesso ao conteúdo.
“Não consegui me adaptar ao ensino à distância, porque nem todos os professores estão passando atividades. Não estamos tendo aula on-line, e fica complicado na hora de responder os simulados por causas dos conteúdos. E, na maioria das vezes, eu não tenho os recursos necessários para responder o simulado”, conta Yasmine Schulz, aluna do Liceu Maranhense, em São Luís.
A professora Priscila Vieira, citada no início desta reportagem, afirma que também precisou se adaptar.
“Tive de passar meu celular privado para os alunos tirarem dúvidas, que era algo que eu não fazia. A educação também se dá por afeto. Então, nesse período, fica mais difícil. Estamos tendo de aprender diariamente como dar a aula à distância. A gente está se reinventando”, disse.
Avaliação dos alunos no ensino remoto
A avaliação do ensino está sendo feita, na maioria dos estados, por meio de participação em atividades remotas, entrega de atividades impressas e online, interações nas aulas transmitida ao vivo e nos grupos organizados pelas escolas.
O balanço do G1 aponta que:
15 estados, além do DF, afirmam estar avaliando os estudantes: AC; AL; AM; AP; DF; ES; GO; MS; PA; PI; PR; RJ; RO; SC; SE; e SP.
11 estados dizem que não estão avaliando a aprendizagem: RN, RR, RS, MG, TO, BA, PB, MA, PE, MT, CE)
Em Santa Catarina, haverá a revisão de conteúdos quando as aulas voltarem, especialmente com quem não conseguiu acessar os materiais disponíveis. Enquanto o retorno não ocorre, as atividades remotas valem hora-aula e devem contar para o ano letivo de 2020. Na rede estadual, os alunos são avaliados pelas atividades entregues e de acordo com o planejamento dos professores.
No Maranhão, os alunos ainda não são avaliados – isso deve acontecer apenas no retorno das aulas presenciais, segundo o governo.
“Não posso recusar as tarefas daquele aluno pelo fato de ele não ter condições de fazer dentro de um horário por não ter o acesso a tecnologias”, relatou Alanda Alves, professora do ensino médio em Goiás.
‘Escala’ para usar internet
Quando o foco sai da escola e vai para dentro das casas dos alunos, as realidades de cada família também interferem no acesso ao conteúdo remoto.
Em São Paulo, Raquel Chaves teve de estabelecer turnos de estudo para que seus quatro filhos consigam acompanhar as aulas on-line.
A mais velha, de 17 anos, está no último ano do ensino médio e passou a assistir às aulas durante as madrugadas, para que os irmãos menores pudessem dividir o celular e o computador da família durante o dia.
“Nesta semana, eu pensei duas vezes: ‘Vou na loja e vou comprar um computador’. Mas eu vou me endividar, não posso fazer dívida agora com essa situação que a gente está vivendo. A gente não tem certeza de nada”, desabafa Raquel, que está sem renda desde que o restaurante em que ela trabalhava fechou, há três meses, e não abriu para delivery.
Salas de aulas virtuais esvaziadas
Em SC, após três meses de ensino remoto, a Secretaria de Educação do Estado notou uma diminuição na frequência de atividades e, por isso, lançou uma campanha para incentivar os alunos, famílias e até os professores na continuidade das tarefas.
No RJ, uma professora de Macaé conta que há pouca procura dos alunos no ambiente virtual. “Eu fico on-line na plataforma, preparo os materiais, seleciono textos, artigos, vídeos, preparo e coloco, mas o aluno não dá retorno.”
Da turma de 45 estudantes, apenas “dois ou três” estão on-line na hora da aula. “As atividades são postadas, são colocadas, mas o aluno não tem acesso”, conta.
O mesmo ocorre em Mogi das Cruzes (SP). O professor Everaldo Andrade afirma que é baixa a adesão no horário da manhã, em que ele trabalha.
“Eu me sinto um inútil, porque não consigo avançar. Os alunos se logam tarde da noite e querem tirar dúvida, mas o horário das minhas aulas é das 7h às 12h35, quando muitas vezes não tem ninguém on-line”, diz o professor.
“Está todo mundo confuso. A gente esperava dificuldade com equipamentos e tecnologia de pelo menos metade dos alunos, mas a outra metade tampouco está frequentando. E, da metade que se logou, 80% não entregam as atividades propostas”, afirma.
Sabrina Luz, mãe de um vestibulando do Rio, conta que as escolas tentam engajar os alunos, mas o resultado pode ser ainda mais excludente.
“As escolas estão dando nota para ‘incentivar’ os alunos a assistirem as aulas, mas isso é extremamente excludente. Meu filho diz que a metade dos alunos da turma dele não estão acompanhando nada. Eles nem têm internet, olham uma informação ou outra pelo celular dos pais. Ele diz que é impossível aprender matérias como matemática, por exemplo”, relata.
Para o professor de história e filosofia de SP Álvaro Dias, à medida que o número de alunos que assistem às aulas cai, a escola deixa cada vez mais de cumprir seu papel, e o ensino a distância se mostra cada vez menos inclusivo.
“Desde o começo do isolamento social e com o ensino remoto, a experiência do ensino à distância não conseguiu alcançar os resultados esperados e percebe-se um esvaziamento no processo. Seja pela falta de estrutura, pela falta de planejamento e de investimentos adequados em inovação tecnológica ou pelo excesso de atividades e conteúdos propostos. Os alunos têm demonstrando há um bom tempo desânimo, desinteresse, reduzindo drasticamente a participação nas plataformas do ensino remoto”, afirma.
Fonte: G1
Créditos: G1