O ex-governador Ricardo Coutinho (PSB), que é cogitado como provável candidato da sigla a prefeito de João Pessoa nas eleições deste ano, poderá vir a ser o primeiro aspirante a um cargo eletivo a fazer campanha eleitoral usando tornozeleira eletrônica no país. O uso da tornozeleira foi imposto pela Justiça como alternativa à prisão preventiva de Ricardo, que é mencionado no processo da Operação Calvário, deflagrada pelo Ministério Público do Estado e Gaeco e incumbida de apurar denúncias de desvio de verbas na Saúde e na Educação no período em que ele foi governador (até dezembro de 2018). Ricardo cumpre medidas cautelares determinadas pelo Superior Tribunal de Justiça e reforçadas na Paraíba pelo desembargador Ricardo Vital, que no âmbito do Tribunal de Justiça conduz inquérito relativo à Operação Calvário, envolvendo também organizações sociais contratadas para gerir hospitais e instituições de ensino, já descredenciadas pelo governo João Azevêdo.
A candidatura de Ricardo a prefeito é admitida por aliados e adversários políticos mesmo com seu envolvimento na Operação Calvário sob a alegação de que não há impedimento legal pelo fato de que o líder socialista não sofreu concretamente qualquer condenação que o torne inelegível. Por outro lado, essas fontes afirmam que o processo referente à denominada Operação Calvário ainda está tramitando na Justiça sem qualquer definição sobre prazo para conclusão e, muito menos, sem prognóstico sobre o desfecho que terá na trajetória política de Coutinho. O próprio ex-governador, em transmissões pela internet de que tem participado, manifesta confiança absoluta de que será declarado inocente ao final das investigações, qualificando como inverossímeis as acusações feitas em depoimentos e delações premiadas que o apontam como suposto chefe de uma organização criminosa que teria dilapidado os cofres públicos, causando-lhes enormes prejuízos.
Ricardo se considera vítima de uma “trama” maquiavélica por parte de figuras que, segundo ele, teriam tido interesses contrariados nas duas gestões que empalmou à frente do Executivo estadual a partir de 2011 quando foi investido em decorrência da vitória ao governo no pleito de 2010, em que o principal adversário foi José Maranhão, atual senador pelo MDB. Coutinho contesta, igualmente, a autenticidade de vídeos e áudios que circulam em redes sociais, com trechos de prováveis diálogos entre ele e operadores de organizações sociais como a Cruz Vermelha, que gerenciava hospitais da rede pública na Paraíba. Os áudios e vídeos vazados tratam, aparentemente, de acertos sobre repasse de dinheiro público, inclusive, a título de propina, supostamente favorecendo-o e a secretários de seu governo e outras pessoas que, então, eram da sua confiança. O entendimento de Coutinho é de que pode ter havido uma edição de conversas suas com o intuito de prejudicá-lo, adulterando-se o contexto de frases ditas por ele.
Garante, enfim, estar com a consciência tranquila. E se diz interessado, mais do que qualquer outra pessoa, em fazer um “verdadeiro debate” sobre investimentos e realizações que teria legado à população de João Pessoa quando prefeito e à população da Paraíba quando governador – obras que, a seu ver, são omitidas por antecessores, sucessores e por adversários políticos empenhados exclusivamente em tentar destruir a sua imagem construída na vida pública desde quando foi vereador e deputado estadual. Ao insistir na vontade de “querer debater”, Ricardo, segundo alguns analistas, deixa trair o desejo de se candidatar já nas eleições deste ano, a fim de recuperar espaços políticos para si e para o grupo que o acompanha, tido como remanescente dos girassóis, símbolos de campanhas memoráveis lideradas por ele. A perspectiva de uma candidatura com participação em debates gera incógnita porque, no caso dos debates promovidos por emissoras de televisão, eles ocorrem tarde da noite – e uma das medidas impostas pelo doutor Ricardo Vital prevê recolhimento domiciliar entre 20h e 5h da manhã, bem como o uso da tornozeleira. Não há previsão de revogação dessas medidas.
Os defensores de Coutinho apregoam que dificilmente ele será alcançado por medidas condenatórias que inviabilizem uma candidatura a prefeito de João Pessoa nas eleições teoricamente previstas para outubro e, por isso, defendem que ele se registre, apostando em que que Ricardo mantém forte liderança residual entre parcelas da população pessoense. O PSB examina outros nomes, entre os quais o da ex-secretária de Estado Amanda Rodrigues, atual esposa do ex-governador, mas, além de não ter trajetória política ela não empolga segmentos influentes do PSB ou de partidos de oposição que poderiam se compor com a liderança de Coutinho. O ex-governador também está sendo pressionado a ser candidato com outro argumento: o de que a sua candidatura causará grande impacto num cenário que, a dados de hoje, é considerado desinteressante para o eleitorado pela ausência de nomes com carisma capazes de movimentar o processo e motivar eleitores a tomar interesse por uma eleição que já se prenuncia atípica por causa das medidas de restrição social tomadas em virtude da pandemia do novo coronavírus. Da parte de Ricardo não parece haver dificuldade em participar da campanha mesmo tendo que usar tornozeleira. Só que, em casos de debates e de contatos noturnos com eleitores a céu aberto, ele estará sempre dependente de autorização judicial.
Admirador do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que trouxe ao cariri paraibano para o ato simbólico da chegada das águas da transposição do rio São Francisco, Ricardo tem em comum com Lula a narrativa da “perseguição política”, ambos colocando-se como vítimas desse método. A afinidade se estende a passagens pela polícia. Lula cumpriu 580 dias de prisão na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, estando em liberdade atualmente. Ricardo chegou a ficar preso um dia, em João Pessoa, e submeter-se a audiência de custódia no TJ, passando a conviver com a tornozeleira, que Lula se recusou a usar quando a sanção foi cogitada pelo ex-juiz Sergio Moro, da Operação Lava-Jato. “Não sou pombo”, reagiu Da Silva ao comentar a ameaça de tornozeleira.
Fonte: Os Guedes
Créditos: Os Guedes