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OPINIÃO: Se fossem donos do sol, viveríamos no escuro - por Raffael Simões

Num cenário de intencional descaso do Estado com os menos favorecidos financeiramente, que ficaram à própria sorte esse tempo todo, tendo apenas alguns um auxílio pífio e insuficiente, a pressão do empresariado foi mais forte. O comércio está sendo reaberto.

Em 03 de abril de 1962, no dia do sepultamento de João Pedro Teixeira, líder camponês paraibano covardemente assassinado por ordem de poderosos, o eterno tribuno e deputado Raymundo Asfora fez o célebre discurso em cujo trecho foi inspirado o título deste artigo: “São tão mesquinhos, no seu egoísmo, que, na expressão de um ironista, deixariam o universo às escuras, se fossem proprietários do sol”. A frase talhada nas tábuas da história por Asfora há 58 anos referia-se aos latifundiários, mantendo-se hoje intacta e atual para definir o comportamento dos donos do capital neste momento de pandemia e medo.

Não é nova a máxima de que, no capitalismo, se coloca o lucro num patamar acima da vida (dos outros). Entretanto, acredito que, nunca na história da humanidade nos deparamos com um cenário em que isso ficasse tão claro e latente. No final de fevereiro, confirmou-se o primeiro caso de coronavírus no país. No dia 16 de março, já havia transmissão comunitária em algumas regiões. Daí em diante, o vírus começou a se alastrar de maneira muito rápida, ao tempo que os gestores tentavam implementar medidas de limitação à circulação de pessoas e funcionamento do comércio para tentar diminuir o progresso da doença e um possível colapso do sistema de saúde.

Desde o primeiro dia de implementação das medidas, grande número de empresários se posicionou contra o fechamento de estabelecimentos e o controle no trânsito de pessoas, sob o argumento de que a economia não poderia parar, nem mesmo diante de uma pandemia letal e devastadora. Como se a causa do problema fosse o isolamento e não o vírus.

Nas semanas seguintes, além do rápido crescimento no número de doentes e mortos, acompanhamos a intensificação do movimento daqueles que acreditavam que o lucro não poderia diminuir sob hipótese alguma. As cenas de horror foram das mais diversas: pessoas nas ruas -dentro dos seus carros de luxo e usando máscaras- vociferavam contra as medidas do governo e exigiam a reabertura imediata do comércio para que seus empregados voltassem a trabalhar -esses de transporte público, sem acesso a plano de saúde e sem o poder de escolha entre proteger a si e a família ou ir trabalhar caso assim fosse ordenado-.

Impossível esquecer também das cenas distópicas que rodaram o mundo nas quais empregados que, convocados pelos patrões, ajoelharam-se em frente às lojas rogando aos céus e aos governantes pela reabertura do comércio e o retorno imediato do lucro dos seus empregadores.

Pois bem, a partir dessa semana, quando atingimos quase um milhão de casos confirmados, mais de 46 mil mortos e batendo recordes diários de óbitos, caminhando para sermos campeões do mundo, eles, enfim, venceram. Num cenário de intencional descaso do Estado com os menos favorecidos financeiramente, que ficaram à própria sorte esse tempo todo, tendo apenas alguns um auxílio pífio e insuficiente, a pressão do empresariado foi mais forte. O comércio está sendo reaberto. Sim, no pior momento da pandemia no Brasil, os shoppings reabrem, salões de beleza funcionam, campeonatos de futebol retornando, transportes públicos lotados, o vírus correndo solto e as pessoas expostas a tudo isso. Porque o lucro não pode parar.

Pois é, Asfora… eles venceram, a pressão do capital foi mais forte que a saúde do país, o lucro vale mais que a vida, tudo vai voltar ao normal: o dinheiro entrando, os pobres, simples força de trabalho, morrendo e sendo substituídos, afinal, o que não falta nesse Brasil é pobre. Não, eles não são donos do sol, pior, são donos do oxigênio. Oxigênio que vão negar a todos aqueles que morrerão sem conseguir respirar após essa irresponsável reabertura.

*Raffael Simões é advogado criminalista e professor de direito.

Fonte: Polêmica Paraíba
Créditos: Polêmica Paraíba