O Brasil chegou a marcas impressionantes, e bastante preocupantes, na última semana em relação ao avanço da covid-19. Num único dia, bateu recordes negativos da doença, caminhando para números assustadores. Registrou 1.188 mortes na quinta-feira, dia 21, e ultrapassou os 20 mil óbitos desde que a primeira pessoa morreu por causa do novo coronavírus.
A curva da pandemia parece não existir. Até aqui, é uma reta a apontar para cima, apesar de alguns Estados tomarem decisões para afrouxar o isolamento social e recuperar parte de suas atividades econômicas. Na contagem diária dos órgãos competentes de saúde, o País, que continua sem ministro da Saúde após a demissão de Luiz Henrique Mandetta e do pedido para sair de Nelson Teich, passou a Rússia e já é o segundo com mais números de contaminados no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, cuja curva de mortalidade parece dar refresco e descer a ladeira – alguns estados norte-americanos retomam parte do que faziam antes da pandemia. Nas últimas 24 horas, o Brasil chegou a 363.211 casos.
O cenário é sério. Há 22.666 óbitos. Na semana seguinte em que a Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta a América do Sul (com o Brasil no comando) como epicentro da doença – eram os EUA –, o Estadão escolhe e faz um retrato dos cinco principais Estados brasileiros onde a covid-19 avança rapidamente, mas cujas administrações públicas se desdobram para evitar o colapso.
Na Grande São Paulo, por exemplo, onde há o maior número de mortes, a taxa de ocupação de UTIs chega a 91%, segunda maior desde o início da pandemia. O Rio espera pela entrega de hospitais de campanha. Pernambuco, Pará e Amazonas estão no limite.
A região metropolitana de São Paulo já tem 13 hospitais lotados e que não recebem mais pacientes. A taxa de ocupação dos leitos em UTIs está ao redor de 91%. Mas é o aumento de casos no interior do Estado o que mais preocupa as autoridades de saúde no momento: a covid-19 chegou na sexta a 500 município do Estado (que tem 645 cidades), e a taxa de crescimento no interior é quase quatro vezes maior do que na capital.
Na cidade de São Paulo, coração da doença, se em março a abertura de novos leitos foi feita às centenas, agora o conserto de 12 respiradores é comemorado, uma vez que dá sobrevida a um sistema perto do limite.
São Paulo briga para manter ao menos metade dos habitantes em casa e só conseguiu alcançar taxa de isolamento social acima de 50% durante a semana passada por causa do feriadão. A cidade não parou porque conseguiu ativar leitos próprios antes da crise, montou quatro hospitais de campanha, alugou espaço na rede privada e passou a gerenciar na ponta do lápis cada vaga disponível, de modo a saber o total de leitos livres em cada hospital para transferir pacientes. O modelo permitiu que ninguém morresse por falta de atendimento, segundo o governo, mas obriga parentes a fazerem deslocamentos cada vez maiores atrás de notícias de seus familiares.
Todos os dias, a cabeleireira Débora Ferreira, de 47 anos, percorre de carro 29 quilômetros entre o Jardim Santa Margarida, no Jardim Ângela, zona sul, e o Hospital Municipal Dr. Ignácio Proença de Gouvêa, na Mooca, zona leste, onde o marido, de 53 anos, está internado. “Ele foi para o (Hospital de Campanha do) Anhembi e depois veio para cá.” Foi transferido porque precisou ser entubado. “Falaram que foi onde conseguiram vaga”, diz Débora, que acompanhava à distância o oitavo dia de internação do marido.
Mesmo assim, pode haver demora para conseguir a vaga. O vendedor Wellington Rodrigues dos Santos, de 31 anos, levou seu pai no dia 10 para o PS da Mooca. Ele foi medicado e aconselhado a voltar para casa. Três dias depois, piorou e voltou ao centro médico. “Aí eles internaram”, conta o rapaz. O pai passou a receber oxigênio, e o filho foi informado que ele precisava ir para a UTI. “Foi transferido só dois dias depois.”
O secretário municipal de Saúde, Edson Aparecido, diz que a Prefeitura passou a estudar a necessidade de contratar leitos de média complexidade em hospitais da rede privada. Já há mais de 300 de UTI particulares usados por pacientes da rede pública. “Estamos avaliando a necessidade e os custos.”
Essa medida se soma à instalação de mais 20 respiradores vindos do governo Federal, a 12 respiradores próprios consertados e a equipamentos que ainda devem chegar do governo do Estado. São ações que fazem o governo avaliar que será possível chegar ao término da pandemia antes de entrar em colapso. “Esse aperto que tivemos neste mês e ainda estamos tendo, talvez a gente consiga superar”, disse ao Estadão. A cidade tem cerca de 600 leitos de UTI ativos, e cerca de mil respiradores ao todo, informa o secretário.
As transferências mais longas de pacientes, da Grande São Paulo para o interior, eram apontadas como uma saída para a eventual falta de vagas no Estado. Agora, o foco do Centro de Contingência do Coronavírus é justamente o interior.
Das cerca de 5.300 vagas de internação em UTI disponíveis no Estado, mais de 4.400 já estão ocupadas. “Todas as regiões do Estado têm aceleração maior do que a região metropolitana neste momento”, diz o secretário de Desenvolvimento Regional do Estado, Marco Vinholi. “O ritmo de crescimento de óbitos no Estado em seis regiões já é maior do que na região metropolitana.”
Ocorre que o total de leitos de internação no interior é menor. Na região de Presidente Prudente, por exemplo, entre 30 de abril e a segunda-feira passada, houve aumento de 395% no número de casos, de 61 para 302. A região tem 36 leitos públicos de UTI, com previsão de aumento de mais dez.
Vinholi ressalta que o isolamento adotado no início da pandemia foi o que segurou a explosão de casos no interior. Garante que não haverá colapso. “São Paulo fez a lição com isolamento no momento certo, o que possibilita que o sistema público de saúde não entre em colapso.”
Falta de cuidados da população está entre os fatores para o avanço da doença
MANAUS – Temor e incerteza permeiam o cotidiano dos moradores do Amazonas em meio a pandemia do coronavírus com o avanço dos casos da doença aliado ao risco de colapso na saúde estadual. A semana que começa vai ser ainda mais crítica. Um elemento a mais é a falta de cuidados da população para evitar a propagação da covid-19.
Ainda que o quadro assuste, o governo estadual aposta no otimismo e aponta avanços para responder à crescente demanda dos pacientes. Segundo dados da Secretaria de Estado de Saúde (Susam), o Amazonas aumentou o número de leitos e respiradores. Conta com 1.138 para covid-19 na rede estadual, sendo 816 leitos clínicos, 243 de Unidade de Terapia Intensiva e 79 de Sala Vermelha. A taxa de ocupação da UTI é de 87%.
O discurso otimista, porém, é contestado pelo professor aposentado do curso de Medicina da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Mena Barreto França, para quem as autoridades públicas de saúde demoraram a responder às demandas da pandemia. “A situação não está legal e o pico ainda não ‘estourou’, o que deve ocorrer no fim de maio e início de junho, quando os casos começam, novamente, a subir. Na minha avaliação, os órgãos de saúde estão fazendo ‘imediatismo’ sem planejamento. A saída é o isolamento, uso de máscara, tudo que está sendo recomendado. A nossa estrutura de saúde é precária.”
França defende maior integração do Sistema Único de Saúde em todas as suas esferas: atenção primária, secundária e terciária, além de um comando único no Amazonas. “Na atenção primária, o ideal era visitar pessoas suspeitas de covid-19 e fazer testagem, mas isto não acontece, então, essa pessoa, com sintomas da doença, sai de casa para ir a uma unidade de saúde e acaba contaminando outras três ou quatro, no mínimo. Vai ao Serviço de Pronto Atendimento (SPA) e não encontra solução. Por fim, chega em unidades de emergências ou urgências, numa situação mais grave e não tem respirador tampouco leito vago”, frisou.
A dona de casa Cleiciany Ribeiro do Nascimento, de 28 anos, moradora do bairro Cidade Nova, zona norte de Manaus, sentiu na prática as dificuldades em conseguir atendimento na capital amazonense. Na primeira semana de maio, ela conta que procurou diversas unidades de saúde porque a irmã dela, Lidiane, de 35 anos, grávida de cinco meses, apresentou sintomas da doença.
“Fomos a uma UBS, que nos encaminhou ao hospital Platão Araújo e lá nos disseram que não havia médicos. Procuramos o Serviço de Pronto Atendimento (SPA) e nos falaram que tínhamos de ir a uma maternidade. No entanto, as maternidades não quiseram nos receber porque ela estava com sintomas de covid-19”, disse ao Estadão. “A desculpa era não ter como fazer transferência por não haver leitos nos hospitais para pacientes com covid-19. Ficamos desesperadas. Tivemos de esperar em casa a disponibilidade de um leito. Conseguimos a transferência para o hospital Delphina Aziz, uma semana depois. Com o diagnóstico da doença confirmada, ela agora se recupera em casa”, narrou.
A falta de leitos aliada à imprudência dos moradores é um fator que pode agravar ainda mais o quadro da doença no Estado. O motorista de aplicativo José Carlos de Alencar, de 48 anos, atende passageiros em toda Manaus e diz ainda haver pessoas que insistem em entrar no veículo sem o uso de máscara. “Acho que ainda não se deram conta da gravidade. Eu me recuso a levar pessoas sem máscara. Não é só isto: na periferia, as pessoas não estão dando a mínima para tomar os devidos cuidados. O movimento nas ruas e comércio é normal. E raramente usam máscara”, diz.
A análise do motorista é corroborada pelo professor do Departamento de Matemática da Universidade Federal do Amazonas, Wilhelm Alexander Steinmetz. Ele fez parte da equipe de pesquisadores que coordenou o estudo “Curva de Contaminação covid-19 – Estado do Amazonas”, divulgado há uma semana. “Percebemos que a classe média aderiu mais tanto ao isolamento social quanto às medidas de prevenção como o uso das máscaras”, comentou.
Ainda segundo Steinmetz, 40% dos moradores do Amazonas fazem isolamento e que isso evitou números ainda piores no Estado. “Poderíamos ter cerca de 2,5 mil óbitos a mais no mês de abril”, admite.
Unidades de campanha não foram entregues e operação do Ministério Público Federal investiga irregularidades em processo de abertura dos centros médicos
RIO – Leandro Lima, 33 anos, morador de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, vive, em meio à pandemia de covid-19, um triplo luto. Em onze dias, entre abril e maio, perdeu o pai e dois irmãos. Como ele, outros tantos lamentam a perda de entes queridos no Rio. Nas últimas semanas, com o crescimento nos números de mortos e infectados, as unidades públicas de saúde aproximaram-se perigosamente do esgotamento.
Perplexo, Leandro – que, ironicamente, é agente de saúde – lembra que, a um quilômetro de sua casa, deveria funcionar um dos sete hospitais de campanha prometidos pelo Estado. “Acredito que, se os hospitais estivessem prontos, dentro do prazo, talvez (houvesse uma chance para que os três superassem a doença). O hospital de Nova Iguaçu ainda está em construção.”
Cinco unidades de campanha, prometidas pelo governador Wilson Witzel (PSC), também estão atrasadas – e algumas talvez nem sejam abertas. O Maracanã foi inaugurado e funciona com problemas.
Segundo números da Secretaria de Estado de Saúde, na quinta, no SUS, esperavam transferência para UTIs 340 pessoas, e para enfermarias outras 238. Os leitos estavam ocupados, a não ser no Hospital Zilda Arns, em Volta Redonda. Havia ainda leitos nos hospitais de campanha Lagoa-Barra e Parque dos Atletas, erguidos e operados pela Rede D’Or. No Zilda Arns, a ocupação era de 89% na enfermaria e 86% na UTI. No Estado, os mesmos indicadores estavam em 79% e 86%, respectivamente.
Na capital fluminense, epicentro da doença, a situação era igual. Não havia, na rede municipal, uma única vaga para pacientes da covid-19. Aguardavam transferência para UTIs (85% ocupadas) 254 pacientes, e 182 para enfermarias (74% com doentes). No Estado e na capital, nos leitos ocupados, há rotatividade de vagas por causa de altas e óbitos. Os números apontam perspectivas de piora. Os casos de contaminados e mortes se aceleram, dobram a cada doze dias. Esse aumento se deu em um cenário de queda gradativa da taxa de isolamento social.
Segundo o Monitor Estadão/InLoco para isolamento social, após atingir o auge de 62,2% no início da quarentena, em 22 de março, o indicador recuou e chegou a 42,2% na quinta-feira. Desde que a circulação nas ruas foi restrita, o patamar mais baixo foi em 8 de maio: 40,8%. O ideal, dizem os especialistas, é que seja de 70%.
Em meio às dificuldades para combater a doença, a Polícia Federal e o Ministério Público desencadearam a Operação Favorito em 14 de maio. A ação levou à cadeia Mario Peixoto, empresário de negócios com o Estado, e o ex-presidente da Assembleia Legislativa Paulo Melo. As apurações envolvem suposto interesse ilícito em ações nos hospitais de campanha. O escândalo causou a queda de Edmar Santos da Secretaria de Saúde.
Pelo Twitter, o governador prometeu que erros “serão consertados”, e irregularidades “serão devidamente apuradas”. “Quem se aproveitou desse terrível momento para se beneficiar deve ser julgado e punido.” Santos informou ter atuado “de forma transparente”. O Estadão não localizou Peixoto.
Morte
O aposentado José Gomes de Lima, de 80 anos, morreu em 24 de abril no Hospital da Posse, onde horas antes fora internado. Nos dias anteriores, tinha procurado ajuda médica duas vezes, mas, mesmo hipertenso, foi mandado para casa. Seus filhos, Leonardo, 44 anos, e Liliane, 51, que se tratavam havia dias do que parecia ser gripe forte, sucumbiram à enfermidade em 4 de maio, em Mesquita e Belford Roxo, cidades vizinhas.
Em nota, a prefeitura de Nova Iguaçu confirmou que José Gomes foi atendido na Clínica da Família de Jardim da Viga. “Foi orientado a manter isolamento e procurar uma unidade de urgência e emergência em caso de piora.” Na UPA de Comendador Soares, tinha os mesmos sintomas de antes. Foi atendido conforme o protocolo do Ministério da Saúde, realizando exame de raio x e mensuração de sua oximetria, e não houve indicação de internação.
97% dos 600 leitos de UTI para Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) estão ocupados; familiares de pessoas infectadas relatam esperar até mais de uma semana para conseguir internação
RECIFE – No meio da madrugada, a massagista Flávia Ferreira, 47 anos, acordou aos sustos com a gritaria na casa da frente. “Meu pai vai morrer! Meu pai vai morrer!”, desesperou-se uma vizinha diante da imagem do pai, um senhor de 70 anos, que convulsionava sobre a cama, após três dias de dor de cabeça, dor no corpo e falta de ar. Por se tratar de caso suspeito de covid-19, Flávia conteve a vontade de ir até lá. Da janela, conformou-se em acalmar a amiga.
Como a rua fica perto de um hospital, normalmente a ambulância aparece em minutos. Mas daquela vez o socorro demorou mais de uma hora para chegar à Campina do Barreto, bairro na periferia do Recife, para angústia dos moradores que não sabiam como ajudar.
Segundo Flávia, houve um momento que um taxista até assumiu o risco e se prontificou em levá-lo à unidade médica, mas já não dava mais tempo. Eram 3h16 quando, sem assistência, ele parou de respirar.
“Os paramédicos chegaram, todos com aquelas roupas de proteção, pareciam homens da Lua. Constataram o óbito, entregaram um papel e foram embora”, relata a massagista. O corpo só foi removido ao amanhecer, pela funerária. “Foi uma cena triste. Depois disso, passei três dias com todas as janelas e portas fechadas com medo de o vírus entrar em casa.”
O episódio aconteceu na sexta-feira, dia 15, e é um dos reflexos da iminência de colapso do sistema de saúde em Pernambuco, onde os diagnósticos de covid-19, só de abril para cá, saltaram de 95 para 27.759 casos – 46% destes, de paciente graves.
Com hospitais lotados e até fila por leito de UTI, o Estado também ultrapassou a marca de 2 mil mortes, sem indicativo de desaceleração da curva.
De acordo com a gestão Paulo Câmara (PSB), 97% dos 600 leitos de UTI para Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) estão ocupados. Familiares de pessoas infectadas, no entanto, relatam esperar até mais de uma semana para conseguir internação. Na outra ponta, médicos e enfermeiros descrevem uma rotina de unidades sobrecarregadas, com equipes exaustas pelo trabalho e por ter de comunicar cada vez mais, por telefone, todas as mortes.
Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), destinadas a casos menos complexos, já precisam lidar com pessoas em estágio avançado de insuficiência respiratória. Sem tantos ventiladores mecânicos à disposição, socorristas se revezam para, na mão, manter o doente respirando. “O profissional fica bombeando manualmente com uma bolsa, para evitar que o paciente morra. Passa 30 minutos bombeando, depois troca para outro profissional e assim por diante”, conta um médico.
Embora seja dinâmica, não é raro que a fila por vaga em UTI supere 200 pessoas em Pernambuco e o próprio governo admite que precisa selecionar qual paciente deve ser transferido primeiro. “A priorização é realizada a partir da discussão técnica entre o médico solicitante e o médico regulador, levando em consideração, primeiramente, a gravidade do caso, a estrutura disponível e a qualidade do suporte clínico nas unidades de saúde onde cada paciente se encontra”, informa em nota.
Referência no tratamento da covid-19 no Recife, o Hospital Oswaldo Cruz opera em 100% da capacidade da UTI pelo menos desde o início de abril. “Quando abre uma vaga, a demora é só para fazer a limpeza do leito e o transporte do paciente. Entre a gente, o jargão é que não se espera nem esfriar o colchão”, diz o infectologista João Paulo França, contratado para atuar na pandemia.
Mesmo em hospitais de referência, há relatos de momentos em que falta medicação. No comunicado, o governo de Pernambuco diz que todas emergências públicas têm capacidade de atender os casos mais graves. Também informa ter reforçado unidades de atenção primária, como as UPAs, com equipamentos e profissionais.
“Neste sentido, os pacientes que estão aguardando a transferência para centros de referência do coronavírus são assistidos em unidades de saúde que geralmente contam com estrutura de salas de estabilização, inclusive com pontos de oxigênio e respiradores”, afirma. “A Secretaria de Saúde de Pernambuco reconhece a gravidade do momento em todo o País e ressalta que vem tomando medidas para aumentar a estrutura da rede estadual.”
Responsável pela maioria dos casos notificados, a região metropolitana do Recife é o epicentro da doença em Pernambuco. Para tentar conter o avanço, o governo decretou bloqueio na capital e em quatro cidades, o chamado lockdown.
Com alto índice de transmissão comunitária no Recife, o coronavírus pegou até o alto escalão da administração pública. Só na última semana, foram diagnosticados com covid-19 o governador Paulo Câmara, a vice Luciana Santos, o chefe de gabinete Milton Coelho e o secretário da Saúde André Longo.
Na capital, a prefeitura abriu sete hospitais de campanha e anunciou a construção de 313 leitos de UTI desde o início da crise, mas só 114 (ou 36,4% do total), de fato, funcionam. Nos demais, faltam médicos. “Jamais imaginei passar por isso. A doença se espalhou muito rápido e mudou a vida de todo mundo. A cada dia, a letalidade se aproxima mais da gente”, descreve o advogado Lucas Mendes, 28 anos, que perdeu um amigo, de 36 anos e sem comorbidades, para o coronavírus. Segundo conta, quatro familiares também contraíram a doença.
Hoje, a preocupação maior de Mendes é com a avó – idosa de 86 anos, com problemas de artrose e portadora de Alzheimer – que vive no mesmo espaço dos outros parentes que foram infectados. Com sinais de interiorização da doença, a gestão Câmara anunciou construção de hospitais de campanha em municípios de referência como Caruaru, no agreste, e Petrolina, no sertão. Ao menos 153 das 185 cidades do Estado já notificaram casos da doença.
“Foi tudo muito rápido e desesperador. Ele apresentou os sintomas e, após dois dias, morreu. Passei quase 22 horas ao lado do meu pai no hospital até ver o seu fim”, lembra o contador George Pinto Gonçalves, de 38 anos. O aposentado Pedro Damasceno Gonçalves, de 67 anos, é uma das vítimas fatais do coronavírus no Pará.
Ele travou uma luta não apenas contra o vírus, mas com o sistema de saúde do Estado. Aos familiares, além da dor da perda, restou a impotência e o sentimento de revolta. Depois de cinco dias já morto, um servidor do hospital que o aposentado foi atendido, em Belém, ligou para saber como ele estava.
Foi na cidade de São Caetano de Odivelas, no nordeste paraense, que Pedro Damasceno começou a sentir os sintomas. Foi levado à Unidade de Saúde do município, quando o médico que o atendeu disse à família que teria de ser atendido na capital, devido aos poucos recursos da cidade de 17 mil habitantes. Seu filho George, que mora em Belém, foi então buscá-lo.
Após percorrer 114 quilômetros até Belém, o aposentado deu entrada no Hospital Abelardo Santos, no distrito de Icoaraci, no fim da noite do dia 1.° de maio. Ele piorou. “A saturação chegou a 25% e não foi entubado. Usava oxigênio que, por três vezes, o médico cubano que o atendeu, repassou para outros pacientes. Revoltante, não?”, comentou George ao Estadão.
À medida que as horas avançavam, o desespero tomava conta. “Vi cinco pessoas morrendo no corredor. Estava um caos. Os médicos e enfermeiros estavam perdidos, sem saber o que fazer. As pessoas não paravam de chegar”, recorda. Mas, foi à noite que o pior aconteceu. “Meu pai já não estava respirando, e comecei a gritar, pedir por socorro. Fui colocado para fora, até que depois me chamaram com a notícia da sua morte.”
Quando George foi ao cartório para dar entrada na certidão de óbito, a guia estava sem a assinatura e o registro profissional do médico. “Voltei ao hospital e um médico assinou e colocou insuficiência respiratória. Retornei ao cartório e, novamente, tive de ir ao hospital liberar o corpo, que já não estava lá. Depois da procura, informaram que estava no IML”, detalha.
Do necrotério, o corpo seguiu direto ao cemitério, sem direito a uma despedida. Foram dez minutos ao lado do caixão. O aposentado morreu no dia 2 de maio, e no dia 7, um funcionário do hospital Abelardo Santos, em Belém, ligou para a família perguntando por Pedro.
Silencioso, o coronavírus, assim como assolou parte da família de George, deixa um rastro de destruição no Pará: interrompeu sonhos, devastou o sistema público e privado de saúde, colapsou o serviço funerário, arruinou a economia e enclausurou mais de 3,5 milhões de pessoas. A partir desta segunda-feira, o Estado se prepara para juntar os cacos, unir forças e retomar a vida.
Quando os números da doença eram tímidos no Pará, e poucos casos estavam confirmados, o governo reagiu com medidas de distanciamento social, anunciou a construção de hospitais de campanha, criou leitos, colocou atendimento itinerante e comprou equipamentos.
Aos poucos, agora, as filas nas portas das unidades de saúde estão desaparecendo, no sistema público e privado. As atividades não essenciais estão sendo retomadas. Ontem, terminou o prazo do lockdown, que teve início dia 7 de maio em dez cidades e depois em outras seis, totalizando 3,5 milhões de pessoas dos 8,5 milhões do Estado. Mais de 3,8 mil multas foram aplicadas. Os 16 municípios em lockdown tiveram média de 49,28% de isolamento. O Pará, hoje, tem 390 leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) adulto, com taxa de ocupação em 94,8%.
O sistema funerário colapsou. Desde 5 de abril, quando morreu a primeira pessoa com a doença na capital, dezenas de famílias aguardam por mais de um dia a liberação dos corpos dos seus entes. À frente do local, tendas foram montadas para amenizar a espera. Os cemitérios não comportaram a demanda de enterros. Faltaram caixões.
Fonte: Estadão
Créditos: Estadão