Por mais de trinta anos os militares vinham atuando de forma discreta no cenário político nacional. Desde a redemocratização, Temer foi o primeiro presidente a colocar um general no comando do Ministério da Defesa. Como também foi o primeiro a decretar uma intervenção federal num Estado brasileiro, no Rio de Janeiro. A partir de então começou a ficar evidente o protagonismo militar no campo político em nosso país. Dedicados às atividades que lhes são determinadas constitucionalmente, se ausentavam da participação mais ativa das questões políticas. Porém, recentemente passaram cada vez mais a exercer influência sobre as decisões de governo.
A democracia civil vem sendo invadida por integrantes das Forças Armadas ocupando postos chaves e estratégicos do poder central. A eleição de Bolsonaro, tendo como vice o general Mourão, deu o carimbo de legitimidade a essa integração militar no governo. Os “fardados” já constituem parte considerável da composição do staff governamental. Retornaram, portanto, ao Palácio do Planalto e Esplanada dos Ministérios pela via democrática.
Nossa Carta Magna define que às Forças Armadas compete a garantia da lei e da ordem. Não há como ignorar de que foram beneficiados por um nível de confiança popular conquistado, muito mais pela postura apolítica que vinham exercendo no período pós-ditadura. No entanto, alguns oficiais foram alcançados pela “mosca azul” e se tornaram aspirantes de poder e prestígio além dos quartéis.
Em sua maioria as Forças Armadas têm nos seus integrantes posicionamento ideológico mais à direita. São poucos os que pensam de forma diferente. Porém após a ditadura se comportaram, pelo menos nos discursos, fiéis ao juramento da defesa da democracia e obediência absoluta aos preceitos contidos na Constituição promulgada em 1988. Acredito até que, entre os oficiais que não estão no governo, não se admite qualquer ação que venha contrariar esse compromisso.
O atual presidente da república, vez por outra, testa essa disposição de lealdade à Constituição manifestada pelos militares. As instituições democráticas têm reagido com firmeza a essas provocações do primeiro mandatário da nação. Porém, é inegável que o oficialato tem uma identificação com as ideias conservadoras da classe média brasileira. Muitos continuam ainda utilizando a retórica ultrapassada de que, a qualquer custo, é preciso livrar o Brasil de um regime comunista. Risível, se não fosse trágico. Essa hipótese, eles próprios sabem, é inteiramente fora de sentido real.
Os ensaios de um autogolpe insistentemente executados pelo presidente, não encontram apoio, nem da opinião pública, nem da maioria dos que integram as Forças Armadas. Mesmo com o protagonismo inédito que vêm exercendo na administração pública federal, pois nem na ditadura tivemos tantos militares ocupando funções de gestão, quanto no atual governo. O protagonismo verde-oliva revela o retorno da relevância que os militares exerceram no passado. Voltaram ao centro das decisões, ocupando funções antes destinadas aos civis.
A intervenção militar reivindicada por extremistas de direita não é bem recebida por figuras destacadas das Forças Armadas, embora também não se veja uma reprimenda pública mais enérgica contra esses movimentos golpistas. Participando de um governo fraco, onde o presidente não tem vocação para liderar com equilíbrio e responsabilidade, aos poucos vão assumindo o controle ativo da articulação política, coordenação ministerial (já tomaram conta inclusive do ministério da saúde) e do planejamento econômico. Em outras palavras, aproveitaram o vácuo, e assumiram o governo.
Enquanto a presença deles no governo não atentar contra o Estado Democrático de Direito, não vejo grandes problemas. Estão saindo dos bastidores para o primeiro plano porque encontraram espaço para isso. E não foi através de um golpe. Não têm se contentado com o papel de meros moderadores, e tornam-se formuladores de diretrizes políticas. O que espero é que as Forças Armadas mantenham decididamente a sua missão institucional. Só me impressiona ver oficiais de altas patentes baterem continência para um ex-capitão que foi expulso do exército por atos de terrorismo. Alguns dirão que faz parte da disciplina hierárquica militar. Tudo bem. Mas concordar passivamente com as atitudes estapafúrdias de seu eventual chefe é um risco de grande dimensão. Podem jogar a credibilidade das Forças Armadas no lixo se o governo continuar na pisada que vai.
Fonte: Rui Leitão
Créditos: Polêmica Paraíba