Uma série de publicações com boatos sobre caixões vazios ou com pedras, em meio à pandemia do novo coronavírus, tem circulado nas redes sociais nas últimas semanas. Informações falsas e imagens e notícias de anos anteriores compartilhadas massivamente buscam minimizar ou contestar o atual cenário de mortes em decorrência da covid-19, doença causada pelo vírus, no Brasil.
“Caixões sepultados vazios em SP e no Amazonas. Covas abertas apenas para a #globolixo exercitar o mau caratismo (depois aterradas). Não é só nesses dois estados, não, tem mais aí”, escreveu um homem em seu perfil no Facebook. O texto é acompanhado de duas imagens de caixões vazios e abertos. Foram mais de 1,9 mil compartilhamentos na publicação, feita em 30 de abril.
Mas segundo a Agência Lupa, especializada em checagem de informações, uma das fotos é de um caixão abandonado na beira da estrada há mais de dois anos, entre os municípios de Arari e Vitória do Mearim, no Maranhão. A outra imagem é de um caixão abandonado em João Pessoa, na Paraíba, em agosto de 2015.
Um levantamento apontou que 30% dos vídeos e fotos mais compartilhados sobre o novo coronavírus em grupos de WhatsApp, na semana passada, eram fake news sobre caixões vazios. Os dados são dos grupos Monitor do Debate Político no Meio Digital, da Universidade de São Paulo (USP), e Eleições Sem Fake, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em apuração feita em mais de 500 grupos do aplicativo de conversa.
“Essas notícias falsas fazem com que as pessoas desacreditem nas informações que passamos. Muitos ficam pensando que nossas informações sobre os óbitos são falsas. Isso nos atrapalha demais”, relata uma enfermeira de Manaus, que pediu para não ser identificada. O Amazonas, que enfrenta colapso no sistema de saúde, costuma ser um dos mais citados nas fake news.
O filósofo Pablo Ortellado, professor da USP, afirma à BBC News Brasil que o compartilhamento de fake news no atual contexto da pandemia é parte de ações negacionistas sobre o novo coronavírus. “É como se as notícias reais fossem para ‘causar terrorismo’ na população. Podemos observar que as pessoas que mais acreditam nessas fake news são as que menos estão em isolamento social”, declara.
Notícias falsas que causarem pânico, principalmente no atual contexto da pandemia, difamarem alguém ou acusarem sem provas podem terminar em punições legais.
As fake news
Nesta quinta-feira (7), o Brasil ultrapassou a marca dos 9.000 mortos pelo novo coronavírus. Já foram registrados mais de 135 mil casos. Nos três últimos dias, os números diários de óbitos chegaram ao patamar de 600.
Diante do atual cenário da pandemia no país, as fake news se tornam empecilhos para a conscientização das pessoas sobre o Sars-Cov-2, nome oficial do novo coronavírus.
“As fake news são sempre danosas, especialmente neste momento. Gerar esse ruído na informação correta prejudica a população que mais precisa de ajuda. Isso faz com que aqueles menos escolarizados e com menos capacidade de interpretação acreditem que estão acontecendo coisas como o enterro de caixões vazios”, declara Patrícia Blanco, presidente do Instituto Palavra Aberta, ONG que trabalha na defesa da liberdade de expressão e que possui iniciativas de combate à desinformação.
As notícias sobre supostos caixões sem corpos foram reforçadas pela deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP). Ela afirmou, em entrevista ao jornalista José Luiz Datena, que no Ceará há casos de caixões enterrados vazios em meio à pandemia. Segundo ela, a afirmação é comprovada por uma foto de uma “moça carregando um caixão com um dedinho”, como se estivesse encenando um enterro.
Zambelli não apresentou qualquer prova sobre a afirmação. Posteriormente, disse que recebeu as imagens sobre os supostos caixões vazios por meio de duas pessoas, mas não deu mais detalhes.
As declarações da deputada causaram indignação no governo do Ceará, que as classificou como inconsequentes e afirmou que irá à Justiça contra a parlamentar. “Tais declarações são um insulto aos profissionais de saúde cearenses e um desrespeito às famílias das vítimas, que já sofrem neste momento tão difícil”, disse nota de repúdio do governo cearense.
Apesar de Zambelli não detalhar, uma das fake news que viralizaram nas últimas semanas mostra justamente uma mulher que estaria carregando um caixão nas pontas dos dedos. Nos comentários da imagem, diziam que o caixão estava vazio, por isso ela não precisaria fazer esforços. A Agência Lupa, porém, mostrou que a imagem foi modificada. A original, publicada pelo jornal Folha de S.Paulo, foi cortada para esconder que o caixão estava apoiado sobre uma mesa improvisada.
Propagar a desinformação
Para pesquisadores, há casos de fake news criadas por pessoas que realmente acreditam naquilo. Porém, os especialistas afirmam que boa parte das notícias mentirosas surgem por meio de pessoas com o objetivo de propagar a desinformação, conscientes de que aquilo que estão compartilhando não é verdade.
“Boa parte dessas fake news são criadas para reforçar aquelas ideias que a pessoa defende. Uma das estratégias é que haja vídeos e áudios com muitos sotaques, de diferentes regiões do país, para gerar a convicção de que aquilo realmente é uma realidade e acontece em vários lugares”, diz Ortellado, da USP.
Segundo o filósofo, um dos principais meios de surgimento dessas notícias falsas é o WhatsApp. “É um aplicativo que não pode ser monitorado totalmente, pois há muitos grupos privados, cujos conteúdos são criptografados. Então, fica praticamente impossível descobrir onde começou aquela fake news”, explica.
Fonte: BBC News
Créditos: BBC News