Os conceitos de liberdade de imprensa e de ‘direito à honra’ foram discutidos em pelo menos três processos movidos pelo ex-governador Ricardo Coutinho contra profissionais da imprensa e que tiveram desfechos distintos recentemente, na Paraíba. Uma das ações, movida contra o jornalista Hélder Moura, foi extinta pela Justiça. Em outro, envolvendo o jornalista Allan Kardec, o socialista obteve êxito, em parte. E num terceiro processo, ele obteve ganho de causa contra Dércio Alcântara.
As decisões envolvendo o ex-governador Ricardo Coutinho e jornalistas da Paraíba acontecem num momento em que o papel da imprensa está em forte discussão no cenário nacional, envolvendo também figuras públicas, a exemplo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), autores de duras críticas ao trabalho de setores da imprensa. A questão, porém, é complexa e envolve nuances que estiveram presentes em decisões judicias em âmbito estadual.
Conforme a legislação, o direito à honra é o direito de uma pessoa de não ter sua imagem ou nome usado de forma que o ofenda, enquanto que o direito à liberdade de imprensa é o direito de exprimir uma informação sem a necessidade de censura de outrem ou do governo. É um dos pilares da democracia.
Hélder Moura – A discussão sobre esses conceitos estiveram no centro de uma ação movida por Ricardo Coutinho contra o jornalista Hélder Moura, que foi arquivada recentemente pelo juiz José Guedes Cavalcanti, da 4ª Vara Criminal. O processo se arrastava desde 2015 quando o blogueiro repercutiu uma publicação do portal Terra. A notícia informava que o nome do ex-governador constava na agenda de Paulo Roberto Costa, ex-diretor de abastecimento Petrobrás no governo do PT e um dos primeiros presos no âmbito da Operação Lava-Jato.
Na época, o fato foi desmentido pelo então governador, que acionou a Justiça contra o jornalista. Na decisão que extingiu o processo, porém, o magistrado lembrou que a mesma ação movida contra Hélder Moura, não foi direcionada aos autores originários da matéria jornalística, e citou um precedente do ministro Luiz Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF): “Não oferecida a queixa-crime contra todas as pessoas que veicularam a notícia caluniadora e difamatória, há afronta ao princípio da indivisibilidade da ação penal”, disse. O processo foi extinto.
Para o jornalista Hélder Moura, o processo era um caso de tentativa de censura. “A justiça no fim prevalecerá, porque a verdade é mais forte que a perseguição fascista e o ódio”, disse sobre a decisão judicial.
Outras decisões
Em outros dois processos, porém, Ricardo Coutinho obteve êxito.
Allan Kardec – Num desses processos, o ex-governador acionou na Justiça o jornalista Alan Kardec, do site Politika, contra os crimes de difamação e injúria, após a publicação de uma matéria sobre pagamentos que o ex-governador teria recebido da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) sem ter dado expediente. O político acusou o jornalista de publicar uma notícia inverídica.
Ao acatar os argumentos apresentados pelo ex-governador sobre o crime de difamação, a juíza Rita de Cássia Martins Andrade também valeu-se de Luis Roberto Barroso. Ela lembrou que o ministro fixou critérios a serem considerados na ponderação entre a liberdade de expressão e os direitos da personalidade para verificar “se houve lesão à honra do ofendido”.
Com base nestes critérios, e levando em conta que não foram apresentadas provas nos autos, a magistrada considerou como inverídica a notícia veículada e decidiu acatar parte dos argumentos apresentados pelo ex-governador, embora não tenha sido o jornalista o autor da reportagem publicada. “A informação correta poderia ser obtida, se o querelado tivesse empregado todos os meios necessários de diligência, antes de simplesmente reproduzir a matéria”, escreveu na decisão.
Segundo a sentença, em substituição à pena de detenção de 4 meses, Kardec terá que cumprir serviços à comunidade e pagar uma multa de R$ 3.135,00 (três mil cento e trinta e cinco reais). Dessa decisão, porém, cabe recurso.
O advogado do ex-governador Ricardo Coutinho responsável pela ação, Fábio Rocha, disse que “a conduta praticada pelo condenado e punida através da sentença é fruto de um conjunto coordenado de ações perpetraras por um grupo de pessoas que se revezam na tentativa de desconstruir a reputação de Ricardo Coutinho, prestando-se a propagar notícias falsas com o claro propósito de denegrir sua imagem”, disse. (Leia a nota completa no fim do texto).
Em resposta à reportagem, o jornalista Allan Kardec disse que, na avaliação dele, o ex-governador tenta calar a imprensa ao entrar na Justiça contra jornalistas. Ele lembrou que venceu o socialista na Justiça em outros processos. “Faz parte da trajetória de Ricardo Coutinho abusar do direito de litigar para calar a imprensa e adversários políticos. Eu mesmo já ganhei duas ações (cível e penal) ajuizadas pelo o ex-governador sem o menor fundamento jurídico, apenas para tentar me intimidar. Mas nunca tive medo de cara feia”, disse. (Leia a nota completa no fim do texto).
Dércio Alcântara – Em um processo Cível, mais antigo, a Justiça condenou o jornalista Dércio Alcântara ao pagamento de multa de R$ 6 mil, a título de danos morais, a Coutinho em uma longa batalha judicial que começou ainda em 2011.
Em março deste ano, a Justiça autorizou a penhora de 30% dos vencimentos do jornalista para o pagamento dos valores atualizados da multa. No processo em questão, a ação movida pelo ex-governador citava ‘expressões inadequadas, tratamento pejorativo do fato, onfensa à honra subjetiva e à dignidade do autor’ que, segundo ele, eram utilizadas em notícias publicadas por Dércio Alcântara.
Na decisão inicial que gerou a condenação, a juíza Cláudia Evangelina Chianca assinalou que ‘é dever dos profissionais da imprensa manter a sociedade informada sobre acontecimentos de interesse geral. Porém, deverão fazê-lo de maneira responsável, séria, objetiva, evitando informações dúbias e termos pejorativos”, escreveu.
Ao Polêmica Paraíba, Dércio Alcântara comparou à ditadura militar aos processos movidos contra ele por causa de sua atividade no jornalismo. Ele afirmou que pretende recorrer, futuramente, desse e de outros processos, com base em condenações do ex-governador na Justiça. “Essas pessoas chegaram ao poder, e ao chegarem ao poder, essas pessoas repetiram as práticas que a gente combate na ditatura e que não aceitavam que os nossos fizessem aquilo; e passaram a perseguir e a cercear a imprensa”, avaliou.
O jornalista citou acusações da Operação Calvário, que miram o ex-governador, para justificar reportagens publicadas em seu blog. Ele informou que vai usar o recurso de ‘exceção da verdade’, no futuro, para se livrar dos processos. “Tudo o que denunciamos acabou sendo comprovado. O que nós estamos esperando? Estamos esperando a condenação dele, o trânsito em julgado para podermos entrar com o pedido de exceção da verdade em todos os processos que nós perdemos. No momento, nós vivemos assim: não podemos ter nada no nosso nome. Não podemos ter um cartão de crédito, não podemos ter conta bancária, nós somos um ‘fantasma'”, alegou o jornalista sobre as decisões judiciais que o desfavorecem.
Já o advogado do ex-governador neste processo, Luiz Pinheiro, disse que a decisão judicial que fixa multa ao jornalista foi ‘acertada’ e que Ricardo Coutinho não é contra o jornalismo, mas luta pela imprensa ‘responsável’. “O autor é de notório conhecimento público, sempre se portou pela defesa de uma imprensa livre, porém responsável, como parte essencial ao exercício da democracia e tem o Judiciário por balizador”, afirmou. (Leia a nota completa abaixo).
Legislação
A liberdade de imprensa é uma garantia da Constituição de 1988 que consagra o livre exercício da informação. Sobre o dilema tratado nas decisões judiciais em questão, o advogado criminalista Eduardo Luna, aponta que há uma colisão entre os interesses postos pela liberdade de imprensa e o direito à honra pessoal.
“A liberdade de imprensa é veiculo consagrado constitucionalmente que opera e maximiza o direito de expressão livre do pensamento. Como direito fundamental inscrito em nossa Carta Política, o referido veículo goza de um tratamento normativo que, embora privilegiado e peculiar, não ostenta ares de exercício ilimitado e incondicional”, explica. Segundo ele, “Um seu limite tradicionalmente trabalhado pelos estudiosos é precisamente o direito à honra de quem submetido à veiculação midiática, direito este que, no campo da realidade dos fatos, vê-se sistematicamente confrontado com o ofício de publicização e crítica jornalística”, avalia.
Por ser um dilema que envolve direitos fundamentais, tal discussão deve ser dirimida com cautela em âmbito judicial, a fim de preservação das garantias constitucionais, tanto da liberdade de imprensa quanto do direito à honra. “No ambiente acadêmico, é comum os constitucionalistas invocarem a necessidade de ponderação concreta dos interesses ocasionalmente conflitantes. Vale por dizer: a liberdade jornalística e o direito de resguardo da esfera pessoal dos cidadãos. Não havendo uma solução apriorística ou resposta pré-pronta no bojo do ordenamento jurídico, o rumo a seguir passa pela análise concreta do fato posto e consequente sopesamento dos bens em disputa”, ressalta.
Para Eduardo Luna, a veracidade do conteúdo noticiado e mesmo a qualidade pública da individualidade envolvida “ganham especial destaque e convertem-se, afinal, em verdadeiros critérios do processo de decisão e apuramento do conflito em baila”, pontua.
Para o advogado criminalista Joallyson Guedes Resende, tanto a liberdade de imprensa quanto o direito à honra são fundamentais e relevantes, mas nenhum deles é absoluto. “A liberdade de imprensa é um dos pilares da Democracia, porém, nenhum direito é absoluto, havendo limite ao direito de informar quando ultrapassa esse objetivo e passa a ser utilizado para ocasionar lesão a honra de outrem”, explica.
“A honra é direito penalmente relevante e protegido, dividido-se em objetiva, quando se trata da reputação que o indivíduo tem perante a sociedade acerca de seis atributos morais e intelectuais, ao passo que a subjetiva diz respeito aquilo que o próprio indivíduo pensa a respeito de si, acerca de sua reputação”, acrescenta.
Confira abaixo o que dizem os citados por meio de nota:
Hélder Moura: “Só que a justiça no fim prevalecerá, porque a verdade é mais forte que a perseguição fascista e o ódio”.
Alan Kardec: “A Operação Calvário revelou a verdadeira face de Ricardo Coutinho; um criminoso que usava a política para enriquecer. Também descobriram que dinheiro da corrupção era utilizado para bancar advogados em processos contra jornalistas que não liam na cartilha corrupta do ex-governador. Faz parte da trajetória de Ricardo Coutinho abusar do direito de litigar para calar a imprensa e adversários políticos. Eu mesmo já ganhei duas ações (cível e penal) ajuizadas pelo o ex-governador sem o menor fundamento jurídico, apenas para tentar me intimidar. Mas nunca tive medo de cara feia.”
Advogado Luiz Pinheiro (ação contra Dércio Alcântara): “Acerca da decisão, entende a defesa do promovente ter sido acertada. Muito embora o valor nominal da decisão R$6.000,00, se afigure diminuto, e ainda se encontre pendente de recebimento, contudo, o principal é o seu caráter pedagógico no sentido de se inibir abusos por parte de profissional(is) inescrupuloso(s). O autor, é de notório conhecimento público, sempre se portou pela defesa de uma imprensa livre, porém responsável, como parte essencial ao exercício da democracia e tem o Judiciário por balizador, isto é, como poder legalmente constituído e apto para através do devido processo legal, impor limites a eventuais abusos, como se verificou no presente caso.”
Advogado Fábio Rocha (Ação contra Allan Kardec): “No dia 06 de maio de 2020, o Juizado Especial Criminal de João Pessoa/PB julgou procedente em parte queixa-crime apresentada pelo ex-governador Ricardo Vieira Coutinho, condenando o proprietário do Blog Politika, Alan Kardec Borges de Sousa, pelo cometimento do crime de difamação previsto no artigo 139 do Código Penal, através de Sentença minutada pela Juíza Leiga, Dr.ª Isis Guilherme Pereira da Silva e homologada pela Juíza togada, Dr.ª Rita de Cássia Martins Andrade. A pena aplicada foi de 4 meses de detenção e 36 dias-multa, além da imposição de multa no valor de R$ 3.762,00 (três mil, setecentos e sessenta e dois reais).
O crime se deu em razão do condenado ter noticiado em seu Blog que o o ex-governador teria recebido da Universidade Federal da Paraíba-UFPB no mês de fevereiro de 2019, correspondente ao mês de janeiro daquele ano, sem cumprir sequer um dia de expediente. Na sentença, constatou-se que houve clara negligência na apuração do fato e dolo na difusão da falsidade. A queixa-crime apresentada pelo ex-governador foi patrocinada pelo advogado, Fábio Rocha, que considerou correta a análise das provas e a aplicação do direito. Para o advogado, a conduta praticada pelo condenado e punida através da Sentença é fruto de um conjunto coordenado de ações perpetraras por um grupo de pessoas que se revezam na tentativa de desconstruir a reputação de Ricardo Coutinho, prestando-se a propagar notícias falsas com o claro propósito de denegrir sua imagem.”
Confira a seguir, trechos das decisões judiciais:
Processo envolvendo o jornalista Hélder Moura.
Fonte: Polêmica Paraíba
Créditos: Polêmica Paraíba