Lendo o que estava escrito nas faixas e cartazes expostos ontem na manifestação dos bolsonaristas, acho que todas poderiam ser resumidas em uma só: “rasguemos a Constituição”. Tudo o que eles pediam ali contraria explicitamente preceitos constitucionais e afronta o sentido democrático que ela estabelece. Aquela horda de fanáticos pretende romper o marco civilizatório conquistado com a promulgação da Constituição Cidadã, estimulada por discursos raivosos de quem deveria pregar a harmonia.
A Carta Magna vigente define a nossa sociedade como sendo livre e igualitária. Não é isso que os manifestantes demonstram querer. Respondendo à convocação de seu líder maior, ocupam as ruas com espírito beligerante, buscando impor vontades que não expressam o pensamento majoritário da nação e partem para provocações que produzem um ambiente de tensão institucional no país. É perceptível que há um interesse em instalar o caos para que disso seja tirado proveito político.
Já não se vê mais apenas ataques verbais, pois decidiram investir fisicamente contra qualquer um que se posicione contra suas bandeiras de luta. Atitudes próprias de indivíduos convencidos de que só poderão alcançar seus objetivos, desrespeitando os mais elementares princípios de civilidade. Uma militância raivosa parte para o “tudo ou nada”, comportamento bem adequado a defensores de ideologias de extrema. No último fim de semana ofenderam com ameaças profissionais de saúde que faziam um protesto silencioso na praça dos Três Poderes, em Brasília. Ontem sob o olhar complacente do presidente da república, resolveram agir de forma mais violenta contra jornalistas no pleno exercício de suas atividades de trabalho.
A população acentuadamente majoritária assiste estarrecida esses espetáculos atentatórios à democracia e à Constituição, protagonizados por uma minoria barulhenta encorajada pelas mensagens de guerra do chefe da nação. Os civilizados, obedientes às recomendações médico-científicas, cumprem um isolamento social que os defenda do contágio do coronavírus, impossibilitados, então, circunstancialmente, de irem à praça pública para manifestarem sua indignação e defenderem a democracia. Parece até que estão se aproveitando dessa situação para jogarem gasolina no fogo e atiçarem a deflagração de um clima de convulsão social.
É urgente que as instituições democráticas reajam com firmeza, assegurando obediência do presidente e seus apoiadores à Constituição. Ele se vale de um momento em que a nação está sob o efeito dramático de uma pandemia, quando já se registram mais de sete mil mortes de brasileiros, para promover avanços nessa empreitada de matar a democracia e rasgar a Carta Magna em vigência. Insensível à dor vivenciada por todos, o presidente ameaça e blefa, testando os limites de aceitação por parte das instituições democráticas.
Estranho ver que ao descer a rampa do Palácio em direção ao grupelho que o aplaudia, o presidente era acompanhado por um rapaz que portava bandeiras dos Estados Unidos e de Israel. Como atribuir a esse povo sentimento patriótico? Evidente que não amam o Brasil. A chamada “carreata da morte” realizada ontem, foi encerrada com a entusiasmada adesão do primeiro mandatário do país, revelando claramente de que aquele não era um ato cívico, e sim uma turba interessada em instigar uma desordem social.
Bolsonaro falou que estava perdendo a paciência. Não presidente, quem está perdendo a paciência é o povo brasileiro, que espera desde janeiro do ano passado que resolva assumir a condição de governante da nação, e deixe de ficar permanentemente criando crises políticas, desconsiderando, inclusive, que é preciso dedicar-se com mais responsabilidade para enfrentar a grave crise sanitária que está amedrontando a todos nós. Basta de insensatez, atitudes inconsequentes, postura inconveniente para quem exerce cargo tão importante. O Brasil não merece ser governado por alguém que age por impulso emocional, destilando ódio e intolerância, e incentivando batalhas fratricidas entre compatriotas.
Fonte: Rui Leitão
Créditos: Rui Leitão