Rui plagiou Augusto?

Rubens Nóbrega

Até por insuficiência intelectual, jamais ousaria cometer uma iconoclastia contra um Rui Barbosa, como fez Raimundo Magalhães Júnior no seu livro ‘Rui, o homem e o mito’, lançado em 1964. Mas a leitura de ‘Augusto dos Anjos, uma biografia’, do jornalista Fernando Melo (Ideia, 2001), deu-me um estalo de que o herói baiano parece ter pego uma boa carona na pouco divulgada e menos ainda estudada prosa do grande poeta paraibano.
Sabe aquela mui famosa e super, hiper, ultra, mega citada peça de oratória de Rui Barbosa sobre as nulidades e desonestidades que fazem sucesso no Brasil desde os primórdios do século passado? Se você sabe, amigo, amiga, por favor, fique na sua que eu vou reproduzir agora para quem não sabe ou esqueceu. Diz assim:
– De tanto ver triunfarem as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto (Senado Federal, RJ. Obras Completas, Rui Barbosa. v. 41, t. 3, 1914, p. 86).
Sempre admirei esse libelo contra a esperteza e a impunidade que costumam blindar os corruptos em geral, particularmente aqueles que alcançam o poder e dele fazem instrumento de enriquecimento ilícito. Mas isso é outra história. O que importa hoje é mostrar que o glorioso Rui teria plagiado o nosso Augusto.
Digo isso porque li no livro de Fernando Melo um interessantíssimo artigo do poeta na coluna Cartas de Pau d’Arco, que por um tempo ele assinou regularmente no jornal O Commercio. O escrito que me chamou a atenção tem como título ‘Minha boa Paraíba’. Foi publicado em 28 de outubro de 1906, ou seja, oito anos antes do famoso discurso de Rui Barbosa sobre as nulidades e desonestidades triunfantes.
Pois bem, leiam atentamente no tópico a seguir trechos do artigo de Augusto e depois me digam se não tenho razão, ou seja, se o baiano imitou ou não o paraibano.
Reparem que a estrutura semântica e sintática do texto de um é muito assemelhada à do outro, inclusive porque os dois escritos tratam o mesmo tema, com enfoque similar. Só que o paraibano é bem anterior ao do baiano, como já assinalado.
Minha boa Paraíba

Por alguns dias observei detidamente, com os meus óculos de necrogologista, as peças esburacadas e desmanteladas do teu microcosmo social.
Feriu com particular agrado minha retina de nevrótico todo esse aspecto de engrenagem decomposta, exibindo, sem pudor, ao ar livre, o escândalo de suas partes apodrecidas.
(…)
Porque,em suma, o triunfo econômico, a vitória do eu, no conflito existencial moderno, estabelecem as suas premissas matemáticas, e o esboço de suas radículas originários no amplo lastro amalgamado das acumulações fraudulentas.
Tal é o empenho simultâneo das classes dirigentes, movimentando a máquina dos trabalhos ávidos, para a colheita das fortunas.
A egolatria comeu o escrúpulo, e o lançou pela boca dos intestinos, sob a forma obscena de novelos excrementícios.
O caráter, candidato à ruína mandou pregar tabuletas de insolvência culposa na frontaria das casas.
O homem de hoje é um idiota, uma figura de manicômio, coberta de achincalhos públicos, muito burlesca, fedendo a sepultura maltratada de cemitério aldeão.
A honra se confunde com uma caveira de anfiteatro, exposta às alternativas deprimentes da chocarrice gaiata.
Um livro a caminho

Ninguém precisa levar a sério essa provocação (no bom sentido, juro). É mais pretexto para relembrar o transcurso dos cem anos do ‘Eu’, que em outubro próximo ganhará belíssima reedição da sua segunda e mais completa edição, que vem a ser aquela de 1920 publicada pela Imprensa Oficial (A União), por iniciativa de Órris Soares, o homem que acresceu ‘outras poesias’ ao original.
A reedição do ‘Eu e outras poesias’ sairá pela Gráfica do Senado Federal, graças às gestões do senador Cássio Cunha Lima em apoio aos esforços do jornalista Gonzaga Rodrigues, presidente da Academia Paraibana de Letras, para que o centenário da obra de Augusto dos Anjos não ficasse apenas no papel, literalmente.
Com esmero, engenho e arte, tendo ainda o auxílio luxuoso da escritora Ângela Bezerra de Castro e do editor Juca Pontes, Gonzaga cuidou de preservar a grafia original da edição de 20. Essa reedição do ‘Eu e outras poesias’ deverá ser lançada em Brasília e João Pessoa, em datas que serão oportunamente anunciadas pela APL e o gabinete do senador Cássio.
Além de Gonzaga, Cássio e da belíssima reedição do ‘Eu’ que vem por aí, é preciso destacar também que entre as homenagens aos cem anos da obra de Augusto merece reconhecimento e aplauso o ‘Augusto das Letras’, promovido pela Funjope – Fundação de Cultura de João Pessoa, presidida pelo Professor Lúcio Villar. A coordenação do evento ficou a cargo do também jornalista e imortal Carlos Aranha.