Os tempos são difíceis para todos. Para os jornalistas, um desafio e muitas angústias a mais. É uma atividade que continua no front, mas está longe de ser comparada aos “heróis”. Pelo contrário, é a profissão mais hostilizada do momento.
Esse tema merece maior reflexão. Por hora, me sinto representado pelo desabafo de um confrade e companheiro de trabalho. Nesta madrugada, Wallison Bezerra transformou em texto essa inquietação que não é só dele. É de todos nós do jornalismo. Mas poucos estão expondo. Por muitas razões. Receio, vergonha e orgulho são algumas delas.
Vale a pena ler abaixo. Por ser verdadeiro, intenso e espontâneo.
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Madrugada de terça-feira, dia 14 de abril. Poderia ser só mais uma noite sem sono, estaria com o celular na mão, de olho nas redes sociais, ou esperando para ver as manchetes do Jornal da Globo, acho um dos melhores da TV brasileira.
Mas não, essa foi uma noite de reflexão. Cheguei em casa, após mais um dia de trabalho, por volta das 20h. Como faço diariamente, tomei banho, jantei, conversei com minha mãe, meu pai, minha irmã, visitei minha avó, dei atenção a Pérola e resolvi deitar. Dormi, ainda não tinha nem acabado o Jornal Nacional.
Acordei estava passando o Big Brother Brasil. Minha mente já não associava muito que estava no ar, pensava que era dia de eliminação, que acontece sempre na terça-feira a noite.
Depois de um quase um mês cobrindo toda a pandemia do novo coronavírus, o impacto na vida de cada cidadão, de cobrar que autoridades tomem as devidas providências, de querer ser o herói da comunicação, a mente cansou.
Cansou por esperar mais um release ou nota oficial com o número de mortes que cresce a cada minuto. Também sentimos a dor da família. Cansou por ver que que quem deveria se preocupar com a população, prefere fazer um discurso mesquinho.
Cansou por ter que noticiar o pai de família que não consegue dar um pão com leite para a filha. Ontem, segunda-feira (13), desenvolvi uma pauta que mostrava o seguinte dado: por mês, cerca de 100 pessoas davam entrada no seguro-desemprego em João Pessoa. Hoje, são aproximadamente pedido por DIA, isso mesmo, POR DIA.
Se já não bastasse tudo isso, toda essa carga negativa, ainda temos que assistir com o coração apertado os ataques que sofremos diariamente. Antes, eram apenas os políticos que não gostavam do que falávamos ou escrevíamos, agora parte da população se revoltou.
Na verdade, agora não. Isso já acontece há um tempo. Desde de 2016, impeachment de Dilma Rousseff, passamos a ser hostilizados. Chorei ao ver meu amigo Oscar Neto, da Band News Paraíba, ser agredido enquanto fazia a cobertura de um manifesto de petistas a favor do ex-presidente Lula.
Choro hoje ao ver que alucinados bolsonaristas escolheram o jornalismo como foco de ataque. Profetizam o fim da Rede Globo e da imprensa, mas não entendem veículos e emissoras não são apenas um CNPJ. O que será dos amigos e colegas? Como fica a situação dos repórteres que se expõem diante ao vírus, vão para rua e são impedidos de trabalhar?
Atacam as emissoras, mas não entendem que o mais atingido é o jornalista, aquele que passou entre quatro ou cinco anos sentado em uma cadeira da faculdade para aprender o sentido real de comunicar.
E sabe o que dói ainda mais. Vou relatar o que ouvi de uma colega, sem identificá-lo: “Esse ataque vem de todos os lados. E de quem a gente ama muitas vezes. Minha família mesmo vive criticando o papel do jornalismo. Não aguento mais”.
Nem de quem deveria estar ao nosso lado podemos contar? O que aconteceu? O que fizemos?
Apontar erros, relatar fatos que não agradam ou cobrar soluções é cometer um crime?
Você deve perguntar: Ah, mas por que está escrevendo isso? Quer se vitimizar?
Não, longe disso. Nossa única arma é nossa voz. Não se trata de vitimização. É uma luta para que consigamos ter, ao menos, respeito e valorização.
Tudo isso vai passar, pode durar um mês ou dez anos. Daqui a uma década ou um século, o jornalismo continuará vivo, por mais que alguns torçam para que isso não ocorra.
E para nós, jornalistas formados que honramos a profissão, é hora de união. Não podemos deixar que isso abale ainda mais nossa missão, que já é tão desprestigiada, sem reconhecimento que merecíamos.
Não se calem, não se intimidem. Meu corpo doía, minha mente estava perto de explodir. Precisei de expor o que estava guardado dentro de mim.
Hoje, choro ao escrever isso. Lágrimas escorrem no rosto. Mas, tenho a convicção que em um futuro bem próximo vamos poder contar o que vivemos para nossos filhos e netos. E aí sim, poderemos dizer: eu fui aquele ‘herói’ que não abandonou a missão de informar, de cobrar, de exigir que você tivesse uma vida melhor do que a que eu tive há alguns anos.
*Wallison Bezerra é jornalista, gerente de conteúdo do Portal MaisPB e apresentador do programa Hora H, da Rede Mais Rádio
Fonte: Wallison Bezerra
Créditos: Wallison Bezerra