Sem qualquer experiência em fornecimento de material hospitalar, uma empresa chamada Farma Supply ganhou do Ministério da Saúde dois contratos para a compra de máscaras cirúrgicas que juntos somam R$ 18,2 milhões.
Graças ao estado de emergência decorrente da pandemia do coronavírus, a empresa foi escolhida sem que houvesse concorrência pública. As máscaras que ela fornece, porém, são 67% mais caras que a de uma concorrente que também fornece ao governo federal.
A Farma Suply tem como sócio e administrador Marcelo Sarto Bastos (foto abaixo), um militar aposentado da Marinha e bolsonarista fervoroso. Em sua página no Facebook, ele tem um histórico de postagens a favor do presidente Jair Bolsonaro e aliados. É também apoiador da criação do Aliança, o partido que o presidente quer criar.
O ministério comandado por Luiz Henrique Mandetta autorizou em 5 de março a dispensa de licitação para o contrato nº 54/2020. Ele prevê o gasto de R$ 2,4 milhões na compra de 1,5 milhão de máscaras a um preço unitário de R$1,60.
Para isso, usou lei federal 13.979, de 6 de fevereiro, que prevê a realização de compras emergenciais sem licitação para o enfrentamento da pandemia de covid-19. Para participar, basta que a empresa não tenha nenhum impedimento legal de realizar contratos com o setor público.
Só que, no mesmo dia, o Ministério da Saúde fechou outro contrato para a compra do mesmo produto. A vendedora, dessa vez, foi a BRT Medical de Materiais Hospitalares, de João Pessoa. Idênticas às da Farma Supply, cada máscara da BRT irá custar 40% menos: R$ 0,96 a unidade.
O Intercept verificou outros editais de compras de máscaras cirúrgicas e encontrou diferenças ainda maiores de preços. A Prefeitura de Belo Horizonte, por exemplo, comprou máscaras com descrições similares em janeiro deste ano e pagou R$0,14 por unidade. Ou seja, 12 vezes menos do que o valor pago para a Farma Supply.
Uma semana e meia depois das primeiras compras, em 17 de março, Mandetta assinou um terceiro contrato para a aquisição de mais máscaras. Em vez de optar pela mais barata, porém, fez o inverso e entregou mais R$ 15,8 milhões à Farma Supply. Detalhes deste contrato, como o número de máscaras e o valor unitário, ainda não foram publicados no site do ministério.
A paraibana BRT já participou de ao menos 12 licitações para fornecimento de material médico para hospitais federais do Nordeste. A Farma Supply, porém, é novata em vendas ao governo federal: até ganhar os dois contratos sem licitação deste mês, tinha vencido apenas uma licitação federal – e não na área médica. Em 2014, recebeu R$ 449,10 por garrafões de 20 litros de água mineral comprados pelo Ministério da Cidadania para o Museu da República, no Rio.
Criada em 2011, a Farma Supply informa em seu site que “assessora pacientes na aquisição de medicamentos importados de última geração em caráter de urgência”. Ou seja, ajuda quem deseja comprar remédios que não são produzidos no Brasil, mas podem ser comprados por brasileiros por atenderem a padrões internacionais. À Receita Federal, diz que também faz “comércio atacadista de instrumentos e materiais para uso médico, cirúrgico, hospitalar e de laboratórios”.
A soma dos dois contratos da Farma Supply com o Ministério da Saúde é mais de 180 vezes maior que o capital social que a empresa informa à Receita Federal: R$ 100 mil. O endereço que consta no site oficial é um pequeno prédio comercial na zona oeste do Rio de Janeiro. Não há qualquer informação sobre que estrutura ou quantos funcionários a Farma Supply possui para dar conta de produzir ou importar R$ 18,2 milhões em máscaras cirúrgicas no prazo de 30 dias previsto no contrato.
Em fevereiro, o governo federal chegou a abrir um edital para a compra de 24 milhões de máscaras, mas enfrentou dificuldades para encontrar uma empresa que atendesse à demanda. A solução encontrada foi dividir as compras em lotes de 500 mil unidades e realizar as compras sem licitação.
Se lhe falta de experiência em vendas ao governo, a Farma Supply coleciona negócios que terminaram na justiça. Em março de 2018, a empresa foi condenada à revelia no Tribunal de Justiça de Santa Catarina e teve R$248 mil em bens bloqueados por não ter quitado uma dívida de compra de equipamentos realizada em 2016. O processo foi movido por uma empresa de máquinas têxteis de Blumenau.
Um ano antes, A Farma Supply foi processada por uma empresa de São Paulo que importa insumos à base de canabidiol, substância presente na maconha, para a produção de óleos medicinais. A empresa cobra R$ 218.484,89 por um suposto calote na venda de medicamentos. O caso está na segunda instância no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
O Intercept entrou em contato com o Ministério da Saúde e com a Farma Supply na noite de sexta-feira, 20, mas não obteve respostas até a publicação desta reportagem. O ministério foi questionado sobre critérios de escolha para seleção dos fornecedores, o motivo da diferença de preços em relação à compra realizada com a BRT Medical na mesma data e se o histórico judicial da Farma Supply foi levado em consideração.
O uso desse tipo de máscara cirúrgica é recomendado para quem está com sintomas da covid-19, para quem está cuidando de pessoas infectadas ou para profissionais de saúde. Como aconteceu com álcool gel, a alta procura nas farmácias fez o produto sumir das prateleiras e Organização Mundial de Saúde já alerta para a possibilidade de falta de material.
Fonte: The Intercept Brasil
Créditos: The Intercept Brasil