Assistimos amedrontados a chegada de um hospede indesejado: o “novo coronavírus”. Fruto de uma mutação dessa família viral, nasceu uma espécie com potente capacidade de transmissão e responsável por causar danos por vezes irreversíveis às pessoas consideradas pertencentes ao grupo de risco, sobretudo idosos acima de sessenta anos de idade e quaisquer portadores de problemas respiratórios. Aquilo que parece mais uma constipação, e na maioria dos casos pode assumir esse formato, tem assustado o mundo e provocado pavor naqueles que não querem ter seu corpo adoecido pela invasão de um vírus.
Surgido na China, considerado a princípio o epicentro da epidemia, o Covid-19, nome pelo qual o vírus foi batizado, ganhou os corpos de homens e mulheres e se espalhou pelo mundo adoecendo metaforicamente os cinco continentes. Estava instalada a pandemia, ou seja, a instalação de uma doença infecciosa por todos os continentes do planeta. O Brasil vive hoje o fruto dessa pandemia, que de forma nacional torna-se epidemia. No que diz respeito à Paraíba, vivemos a sombra de uma ameaça que bate a nossa porta. Até então, registramos apenas uma morte, mas as expectativas parecem não ser muito animadoras, visto o transito existente não apenas com os estados vizinhos, mas com os demais estados na federação e mesmo com outros países do mundo. É importante ressaltar que dentre as primeiras medidas tomadas pelo Governo Federal, não esteve o fechamento das fronteiras e a proibição de entrada e saída de pessoas.
Historicamente esse fato já trouxe a Paraíba outros “hospedes indesejados”. Desde o período colonial brasileiro foi registrado surtos de varíola que pipocavam os corpos das pessoas levando ao padecimento da vida. A varíola, assim como o Covid-19 era transmitida de indivíduo a indivíduo. Durante todo o século XIX, a Paraíba foi atacada por esse mal chegando inclusive a serem construídos espaços destinados aos variolosos afastados das cidades.
Não foi diferente no vigésimo século, que enumerou surtos epidêmicos de varíola nos anos de 1902, 1905, 1907, 1912, 1913, por duas vezes só na capital, 1914, 1919, 1921 e 1925. Uma epidemia que grassou da Capital a ao alto sertão, vitimando a cidade de Cajazeiras. Como em tempos de epidemia, coube aos médicos que atuavam no estado a orientar medidas consideradas profiláticas, higiênicas, a exemplo de lavar bem as mãos, evitar partilhar utensílios utilizados por outras pessoas, preferir ambientes abertos, ao ar livre, dentre outros. O problema é que na transição do século XIX para o século XX, eram parcas a quantidade de pessoas que tinham acesso a informação publicada nos jornais em circulação.
O cólera e a febre amarela também ceifaram vidas. Ambas de caráter epidêmico chegaram, possivelmente a bordo de navios que traziam produtos alimentícios para nutrir a população paraibana. As décadas de 1850 e 1860 foram violentamente atacadas por essas enfermidades. O cólera provocava fortes dores do abdômen, vômito, diarreia, desidratação, perda de peso, produção insuficiente da urina, ritmo acelerado dos batimentos cardíacos e cãibra nas pernas. Já a febre amarela, bastante conhecida como “bicha venenosa”, visto que o paciente parecia ter sido picado por uma cobra, apresentava febre elevada, dores nas costas e no abdômen, perda do apetite, vômitos, pele e olhos amarelados e sangramento.
Enquanto o cólera doença bacteriana, era transmitido através da água e do alimento contaminado ou de forma oral e fecal, a febre amarela necessitava de um vetor: o mosquito. Nessa época, ainda não se sabia que a transmissão da febre amarela se dava através do mosquito, então, a principal medida adotava pelo governo provincial foi a quarentena. Em ambas epidemias, trataram de construir um lazareto (hospital provisório) nas ilhas da Restinga e do Tiriri, localizadas no estuário do Rio Paraíba, portanto distante da cidade. Coube ainda aos esculápios da época aplicar a medicação sintomática e orientar a população para as medidas de higiene responsáveis por conter a propagação da doença e pôr fim a epidemia. Apesar de termos vencido a epidemia, nos anos seguintes foram registrados casos de febre amarela e um novo surto epidêmico grassou no ano de 1926, dessa vez atingindo as cidade de Campina Grande, Cabedelo, Guarabira, Itabaiana, Bananeiras, Santa Rita e Alagoa Grande.
A peste bubônica e a gripe espanhola também ganharam destaque dentre os registros epidêmicos na Paraíba. Em 1912, a cidade de Campina Grande recebeu pelos vagões do trem não apenas o elementos da modernidade, mas também os ratos que traziam o mal. A peste bubônica não chegou a atingir a capital, especialmente porque medidas de desinfecção dos trens e até mesmo a proibição de circulação destes entre a rainha da Borborema e a Capital do estado. A medida foi adotada com a intenção de impedir que a enfermidade se espalhasse para outras cidades. A peste bubônica foi responsável por denunciar as precárias condições de higiene da cidade de Campina Grande, que precisou adotar medidas profiláticas de higiene para conter a epidemia.
Quanto a influenza espanhola, essa matou sem pena. Embora tenha atacado primeiro a capital, não ficou restrita a seus limites geográfico, adoecendo as cidades de Guarabira que registrou 600 casos, Serra Redonda que anotou 400; outros 300 casos só na cidade de Itabaiana. Em Santa Rita foram pontuados 150 casos, em Cruz do Espírito Santo cerca de 100 casos e em Cabedelo mais de 50 enfermos de gripe. Foi divulgada como uma enfermidade que ceifava a vida de pobres, devido à grande quantidade de enfermos pertencerem ao grupo dos menos abastados. A cidade da Parahyba, hoje João Pessoa, entrou para a estatística de participação da pandemia de influenza espanhola: estima-se que aproximadamente 600 milhões de pessoas tenham sido acometidas pela doença no mundo todo.
Uma característica da gripe espanhola muito se aproxima daquela apresentada sobre o Covid-19: é altamente contagiosa entre homens e, apesar de frequentemente vista como doença branda, pode levar a morte, em especial entre idosos e crianças. A influenza tinha por sintomas: tosse, dor de garganta, coriza, febre, calafrio, fraqueza, prostração e dores de cabeça, nos músculos e juntas. Uma doença que passa de indivíduo a indivíduo através de gotículas expelidas pelo corpo infectado. Ou seja, não precisava de um vetor. Quanto mais próximas estivessem as pessoas, maiores eram as chances de transmissão do vírus. Devido as poucas ações tomadas pelo Estado, a Arquidiocese da Paraíba assumiu em 1918 o protagonismo no sentido de cuidar dos influenzados pobres e divulgar medidas de higiene responsáveis por conter o avanço do vírus.
Vez por outra a Paraíba era atacada por epidemias das mais diversas doenças que desorganizava o cotidiano das pessoas e reorganizava a vida em sociedade. Criava sentimentos como o medo da doença, das ações danosas sobre o corpo e mesmo da morte. Instituía a esperança de que cura e do fim da epidemia. Ressaltava as preces a Deus na mesma medida que criava estigmas responsáveis por fazer circular ditos como “castigo divino” e até mesmo “merecimento” como forma de quitar os pecados. Vez por outra, gripes, aids, varíolas, sarampo… batem a nossa porta. Hospedes indesejados que insistem em adentrar os nosso corpos.
Hoje, é o Covid-19 que bate a nossa porta. As medidas de higiene são mais uma vez evocadas como forma de conter a propagação da doença. A quarentena tornou-se voluntária, evitando a circulação e aglomeração de pessoas. As aulas foram suspensas, a programação televisiva alterada, o público retirado dos programas de auditório, as orientações de como lavar as mãos e a “proibição” de afagos como forma de cumprimento, a busca ao médico mediante sintomas de gripe, dentre outros. Essas medidas tem o objetivo de impedir o crescimento do número de corpos adoecidos pelo vírus. Vivemos uma epidemia que assim como as outras, historicamente causaram medo. As medidas adotadas agora visam evitar o alastramento da doença. Cenas dos próximos capítulos dessa história.
Natal, 19 de março de 2020.
Azemar dos Santos Soares Júnior
Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Pesquisador da História da Saúde e das Doenças
Fonte: Polêmica Paraíba
Créditos: Azemar Júnior