Os cartórios de notas são concessões públicas e, por isso, não podem exercer atividades político-partidárias. Na quinta-feira 16, o Conselho Nacional de Justiça negou um pedido de suspensão apresentado pelo PT e e outros quatro partidos da oposição (PSOL, PDT, PSB e PCdoB). O corregedor-geral, ministro Humberto Martins, considerou não haver elementos que comprovassem atuação coordenada de delegados em apoio ao partido. Menos de 24 horas depois, porém, a suspeita ganhou contornos bem mais explícitos de ilegalidade.
Na sexta-feira 17, o 4º Ofício de Notas da Comarca de Belém (Cartório Conduru), no Pará, foi sede de um evento do partido. Na fachada estavam os dizeres: “Apoie o Aliança pelo Brasil”. Na parte de dentro, ao lado do guichê de atendimento, um grupo uniformizado distribuia as fichas de apoio e auxiliava os interessados em preenchê-las. Toda a movimentação foi registrada em fotos, vídeos e confirmada à reportagem por testemunhas.
São necessárias 492 mil assinaturas de apoio em pelo menos nove estados. Para disputar as eleições de outubro, o Aliança pelo Brasil precisa validar essas assinaturas no TSE até abril. Não é necessário reconhecer firma. A Justiça Eleitoral faz, obrigatoriamente, essa conferência, estando a firma reconhecida ou não. O endosso documental serviria, na visão do partido, para agilizar o processo e evitar eventuais negativas por fraude.
De acordo com uma reportagem da revista Época, publicada no último dia 10, o convite partiu do Aliança ao CNB. Quatro meses antes, o então presidente da entidade, Paulo Gaiger, fora escolhido por Bolsonaro para um mandato de dois anos no Comitê Gestor da Infraestrutura de Chaves Públicas, órgão subordinado diretamente à Presidência da República e a quem cabe definir as políticas de certificação digital.
O estatuto do Colégio Notarial do Brasil afirma que “é vedado ao CNB participar, apoiar ou difundir, ativa ou passivamente, quaisquer manifestações de caráter político”. A demanda do Aliança, porém, ganhou destaque nas atividades recentes da entidade. No site oficial, o CNB sugere aos cartórios que reservem lugares exclusivos para atender a demanda pelas fichas. A página também oferece para download a ficha de inscrição e documentos assinados por Karina Kufa, advogada do partido.
Diante das controvérsias, a entidade sustenta que a orientação é apartidária e pode ser utilizada no futuro por outros partidos. “O serviço (…) é rigorosamente o mesmo oferecido para todas as pessoas e entidades, nas mesmas condições, pelos mesmos valores, sem qualquer distinção”, diz, em nota oficial.
Procurado, o Conselho Nacional de Justiça informou em nota que abriu, ainda no dia 16, um prazo duas semanas para que os cartórios se expliquem, e que “qualquer outra medida” só será será tomada em fevereiro, quando o ministro Martins volta ao trabalho.
CartaCapital também entrou em contato com o Colégio Notarial do Brasil, mas não obteve resposta.
Outro Lado
Em nota enviada no dia 23, o Cartório Conduru nega ter organizado e participa “de qualquer tipo de manifestações de apoio político”.
“Porém não podemos impedir o acesso de manifestantes às nossas dependências e proximidades sendo que somos, por dever de ofício, obrigados a organizar o atendimento a grandes demandas da melhor forma, a fim de manter a normalidade na prestação de serviços a todos os usuários.”