Botando pra correr

Rubens Nóbrega

Um velho amigo do colunista perguntou ontem se de vez em quando “não bate um desânimo, uma vontade de desistir, de jogar a toalha, de ir embora, de correr da luta, enfim”. “De vez em quando não. Quase todos os dias”, respondi, mas reafirmei que me salva nessas ocasiões a velha esperança de um dia a Paraíba ser um lugar onde felicidade e prosperidade sejam repartidas com mais justiça. Ou sem tanta injustiça.

“Mas por que você tá perguntando isso agora?”, quis saber, apenas para confirmar que, pela cara e o tom de voz, ele estaria muito mais interessado em saber se eu estaria sentindo a mesma decepção, a mesma frustração que ele parecia sentir. Acertei na suspeita. Sem que eu pedisse, ele começou a dissertar sobre fatos e notícias que ao final deixaram-me não apenas desalentado como decidido a providenciar, tão logo possa, uma mudança pra bem longe.

Não é pra menos. Meu velho amigo abriu o rosário de lamentações dizendo não compreender como um Tribunal nega a quebra de sigilos bancários que poderiam dizer com segurança onde foram parar os quase R$ 11 milhões da indenização do Cuiá. “Você poderia me dizer por que o TRE cassou a chance de esclarecer melhor esse rolo, ainda mais com esse estranhíssimo ré pra trás de um de seus juízes, que vota num dia a favor da quebra dos sigilos e, 24 horas depois, vota contra?”, pediu-me.

Ainda tentei esboçar uma explicação, mas, talvez percebendo que não conseguiria, o meu amigo passou imediatamente ao segundo item de sua lista, que o teria ‘injuriado’. Refira-se ao fraco desempenho da Paraíba no Ideb, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica divulgado esta semana pelo Mec. “É incrível, Rubão, mas apesar dos nossos resultados, li no portal do governo o secretário de Educação do Estado comemorando avanços no ensino fundamental, que em sua imensa maioria é de responsabilidade dos municípios, como se fossem obras da gestão estadual”, observou.

“Já no ensino médio, que em sua imensa maioria é de responsabilidade do Estado, o Ideb de 2011 (3,3) das escolas estaduais ficou abaixo do Ideb de 2009 (3,4), mas isso o Doutor lá chama de ‘pequena retração’ e, pra variar, põe a culpa no governo anterior”, acrescentou. Antes que eu tentasse comentar alguma coisa, ele puxou do bolso e me mostrou uma nota do Ministério Público Estadual que denuncia o abandono de obra de reforma ou restauração de uma escola estadual no Bairro dos Ipês, em João Pessoa, onde o ano letivo terminou há pouco. O ano letivo de 2011.

“O que queres dizer com isso?”, indaguei. E ele, na bucha: “Tem, meu caro, está dito aqui, ó, que a obra começou em 20 de julho de 2010 e deveria ser concluída em 180 dias, ou seja, em janeiro de 2011. Mas não foi. Então, diga aí: dá pra acreditar num governo que faz uma coisa dessa e ainda vem falar que cuida da educação, que cuida das escolas?”. Realmente… Fiquei sem ter o que falar, já torcendo para que o amigo parasse por ali mesmo a ‘ladainha’, apelido da moda para as reclamações miúdas e graúdas ou revoltas em geral dos cidadãos diante das incompetências, insuficiências ou omissões de seus governantes.

Mas o meu amigo pisou mais fundo, puxando, inclusive, assunto que beira a ridicularia e nos faz acreditar que jogamos mesmo pedra na cruz. Afinal, só pode ser castigo viver num Estado onde governador e prefeito da Capital ficam brigando por conta de um ter removido a placa de propaganda do outro. Mesmo assim, não adiantei a minha opinião. Fiquei na minha, pra ver o que ele diria. E ele disse: “Como se não bastasse, companheiro, a última desses caras é brigar por conta de placas de outdoors. Quer coisa mais ridícula do que essa pendenga do prefeito da Capital com o governador?”, provocou.

Pra não dar o gosto de concordar, fiz o gênero ponderado e ponderei: “Peraí, amigo, o prefeito poderia pelo menos ter avisado que as placas estavam em desacordo com a postura urbana e o governador, pelo tanto que parece gostar e gastar com placas, teria mandado ajeitar”. Depois dessa… “Bem, chega!”, bradei intimamente, disposto a mudar de assunto, em meu próprio benefício. Mais uma ou duas nessa linha, entro em depressão. Mas não tive ânimo bastante para exteriorizar a minha vontade de encerrar aquele desfile de lamúrias e tratar de temas mais agradáveis. Futebol, política, mulher, vida alheia, por exemplo.

Quem me dera! O cara engatou uma prize e foi bater no Sertão, só pra falar de seca e da suposta falta de medidas concretas de socorro tanto por parte do governo federal quanto do estadual em favor dos sedentos e famintos de toda (má) sorte. Surpreendentemente, porém, ele preferiu buscar outro papel que guardava no bolso da calça, tirou e leu em voz alta, chamando a atenção, inclusive, de cidadãos na mesa ao lado. Ah, quase me esqueci de mencionar o lugar do nosso encontro. Foi no cafezinho predileto, no nosso senadinho.

Pois bem, o amigo velho, como diria Ernani, fez a leitura de um suelto primoroso do escritor Eilzo Matos, intitulado “Sobre a seca e a propaganda enganosa do governo”, acrescido de um “Alerta Ministério Público!” (assim, com ponto de exclamação). Inspirado em inspirado poeta que andou poetando sobre o ‘drama da seca’, Eilzo diz que o drama da seca não mais existe, talvez por ter, segundo ele, efeitos amortecidos pelo oficial socorro repetitivo em forma de “cestas básicas, seguro safra, bolsas variegadas”.

Enquanto isso, “as tevês divulgam farto material publicitário do governo” e propalam uma ação governamental que, no final das contas, “revela inócua”. Como inócua seria a nossa luta, mas ela não cessa, porque se renova toda vez que a gente se depara com um Eilzo e sente que a indignação, tanto quanto a frustração momentânea, é também um sentimento generalizado em nossa Paraíba.