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ALTA MORTALIDADE: Novo parasita assusta médicos nordestinos e ainda não tem tratamento definido

Uma mutação de um protozoário da família Crithidia é responsável por casos de uma doença similar a leishmaniose visceral (também conhecida como Calazar) e que está assustando médicos em Sergipe. O novo parasita —que deverá ser chamado Cridia sergipensis— ainda está em estudo, mas sabe-se que está causando infecções graves. Entretanto, ainda não há detalhes das formas de contaminação ou tratamento.

O novo parasita pode ajudar a entender por que Sergipe tem a taxa de mortalidade mais alta de leishmaniose visceral no país, com mortes em até 20% dos casos.

Casos de pacientes que supostamente tiveram a doença e foram atendidos pelo HU (Hospital Universitário) da UFS (Universidade Federal de Sergipe) a partir de 2011 estão sendo estudados e apontam que, em mais da metade das infecções, havia na verdade a presença do novo parasita —sozinho ou em conjunto com a Leishmania infantum (agente causador da leishmaniose visceral).

A certeza dos cientistas é que os casos suspeitos recentes no estado têm apresentado uma gravidade acima do esperado para a leishmaniose convencional, o que indica que pode haver contaminação do novo protozoário.

Atualmente existem três pessoas com suspeitas da doença internadas em estado grave em Sergipe —uma delas portadora do vírus HIV. “Um caso é de uma criança que tratou, mas teve recidiva e está abarrotada de parasita na medula. A gente não vê essas coisas com frequência, e nos preocupa porque a gente começa a ter casos graves”, afirma Roque Almeida, imunologista e chefe do Laboratório de Biologia Molecular do HU da UFS.

A descoberta inédita do novo parasita foi publicada em artigo na edição de novembro do periódico científico “Doenças infecciosas emergentes”, do Centro de Controle e Prevenção de Doenças, do Departamento de Saúde dos EUA.

“Como existem poucos fármacos para tratar a leishmaniose, a identificação de uma nova cepa tripanossomática refratária ao tratamento —que pode causar doenças como uma única infecção ou como uma coinfecção por Leishmania— é grave e pode aumentar o problema do controle da doença”, afirma o artigo, assinado por 14 pesquisadores da UFS, UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), USP (Universidade de São Paulo), Instituto Nacional de Saúde dos EUA e Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz).

Amostras em análise

Roque Almeida, imunologista e chefe do Laboratório de Biologia Molecular do HU da UFS - Arquivo pessoal
Roque Almeida, imunologista e chefe do Laboratório de Biologia Molecular do HU da UFS

Imagem: Arquivo pessoal

Para conhecer e ter mais detalhes do protozoário, pesquisadores estão analisando as 150 amostras de pacientes guardadas no HU de Aracaju desde 2011. Dessas, 58 já foram analisadas e 34 delas tinham a presença do novo parasita —ou 58% do total. “A gente ainda está analisando todas as amostras que temos congeladas, mas esse percentual que achamos é muito expressivo”, comenta Almeida.

Dos 34 casos comprovados, cientistas já sabem que duas pessoas morreram. Uma das vítimas morreu em 2011 com sintomas parecidos ao da leishmaniose visceral. Sem responder aos tratamentos, o homem de 64 anos morreu no ano seguinte. O caso-base levou Almeida a enviar amostras para análises em São Paulo —que revelou tratar-se de um parasita de cepa diferente da Cridia.

Apesar de apenas duas mortes estarem confirmadas até agora, Roque cita que o número deve ser bem maior, já que não há amostras de pacientes que morreram em outras unidades de saúde para análise. “É certo que a gente tem notado um aumento na gravidade, de mortalidade, mas a gente não sabe qual a participação desse parasita nisso. A gente só sabe que ele existe e está contaminando pessoas. O resto estamos pesquisando, ciência só pode cravar com provas”, afirma.

Criança perdeu baço

Um dos pacientes que teve o novo parasita e manifestou uma forma grave da doença foi uma criança que, em 2016, tinha 9 anos. “Ele apareceu doente do nada: febre, emagreceu, ficou com barriga grande. Aí levamos ao posto médico, examinaram e mandaram ao hospital. Lá fizeram exames e confirmaram que era Calazar”, conta a avó da criança, Maria José Souza, 58.

Por conta do problema, o menino passou por quatro internações e, em junho de 2017, teve de fazer uma cirurgia para retirada do baço. “Ele hoje está bem, graças Deus. Tem 12 anos e uma vida tranquila, mas foi muito sofrimento na época”, conta.

O imunologista Roque Almeida afirma que assim como o caso do menino, outros casos ainda estão com o DNA do parasita prontos para serem sequenciados. “A gente está analisando os casos de trás para frente. Vamos analisar todos que faltam para chegar a real extensão do problema em Sergipe”, afirma.

Uma das preocupações dos pesquisadores é que não há sintomas clínicos claros da doença causada pelo novo parasita. “Ele confunde muito com o Calazar. Mas hoje a gente tem paciente grave que não é, é outro tipo de Calazar nunca visto. Estamos procurando marcadores específicos para este parasita. A gente está construindo ainda, não temos algo clínico fidedigno; talvez seja um conjunto de marcadores”, completa.

A mutação do parasita

O pesquisador explica que a Cridia serigpensis deve ser uma mutação de um protozoário chamado Crithidia faticulada, que infecta insetos e plantas. “Ele não transmite doença para o ser humano. Esse parasita é como se fosse uma mutação dessa Cridia. Houve alguma mudança no DNA que ele ganhou a capacidade de infectar mamíferos”, conta.

A diferença dessa Cridia para Crithidia é a mesma do macaco para o ser humano: pequena, de 3%, mas com uma distância gigante em termos de evolução.

Um das dúvidas que assombra os cientistas é: como o paciente se infecta? “A gente não sabe. A Crithidia está presente em pernilongos, mas não sabemos se ocorre igual nesse novo parasita. Vamos fazer uma colaboração com a Fiocruz no Recife para colocar o parasita no pernilongo e saber se tem capacidade de transmitir”, diz.

 

Fonte: UOL
Créditos: UOL