O Senado recuou do acordo que havia feito com a Câmara na semana passada e que visava tocar em 2020 uma proposta conjunta sobre as prisões após condenação em segunda instância.
Nesta quarta-feira (4), a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Casa decidiu pautar para a próxima terça-feira (10) a votação de um projeto de lei que, de maneira mais rápida, retoma essa possibilidade de cumprimento da pena —que foi barrada pelo Supremo Tribunal Federal no mês passado, permitindo a soltura do ex-presidente Lula.
Senadores lavajatistas do grupo “Muda, Senado! Muda, Brasil!” apresentaram à presidente da CCJ do Senado, Simone Tebet (MDB-MS), um manifesto requerendo a votação do texto da Casa, o que foi acatado.
A reviravolta liderada por este grupo e por Tebet contraria diretamente o acerto que havia sido costurado entre os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), com apoio da maioria dos líderes partidários.
Os comandos das duas Casas haviam concordado em deixar de lado o projeto do Senado para abraçar a PEC (proposta de emenda à Constituição) que tramita na Câmara.
Uma proposta de emenda constitucional —caso do texto que está na Câmara— precisa da aprovação de 49 dos 81 senadores e 308 dos 513 deputados e tem uma tramitação mais demorada. Já a alteração do CPP (Código de Processo Penal), que está no Senado, se dá por projeto de lei e tem tramitação mais célere e aprovação mais simples, por maioria simples.
Para que o martelo do acordo fosse batido, a Câmara deveria ter apresentado até terça-feira (3) um cronograma de tramitação para enfrentar um discurso de que o Legislativo estava interessado em protelar a votação da matéria.
A Câmara instalou nesta quarta a comissão especial para analisar a PEC, mas o calendário não foi apresentado e um grupo de 44 senadores apresentou a Tebet um manifesto solicitando a apreciação do projeto.
Tebet e os integrantes do Muda Senado vinham insistindo na manutenção da tramitação do projeto de lei, contrariando o movimento contrário, encabeçado por Alcolumbre.
“Expressamos nossa contrariedade em relação a qualquer movimento no sentido de adiar a análise do referido projeto, bem como reafirmar nosso propósito de apreciar e aprovar a matéria o mais breve possível”, diz o curto texto.
Tebet acatou a solicitação e ordenou que o projeto conste como primeiro item da pauta da próxima terça-feira.
Por ter sido apresentado por senador, o projeto é terminativo na CCJ. Ou seja, bastaria que fosse aprovado pela comissão para, então, seguir para a Câmara.
Acontece que, na prática, isso nunca ocorre com projetos polêmicos. Um recurso para apreciação em plenário deve ser apresentado e a votação por todos os senadores depende da vontade de Alcolumbre, que comanda a pauta da Casa e já sinalizou ser contrário ao projeto.
“Não nos cabe, neste momento, a omissão e muito menos esquecermos que este é um sistema bicameral. Temos projetos tramitando concomitantemente, na Câmara e no Senado, sobre diversos assuntos. Para isso existem duas CCJs, a da Câmara e a do Senado. Nem o presidente daquela Casa poderá dizer para nós que o nosso projeto pode ser eivado de vício, portanto, judicializado, muito menos nós poderemos fazer o mesmo em relação à Câmara dos Deputados”, disse Tebet.
O anúncio foi feito em meio a uma audiência pública sobre o assunto da qual participou o ministro Sergio Moro (Justiça).
Ele disse que o atual momento é relevante para o Congresso “mandar uma mensagem à população” e acelerar a votação de projetos que autorizam a volta da prisão logo após a condenação em segunda instância, o que foi derrubado pelo STF.
A discussão no Congresso ganhou força após a soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no início de novembro, beneficiado pela reviravolta no Supremo. Lula tem duas condenações em segunda instância e, assim como os demais nessa situação, só poderá ser preso novamente ao final de todos os recursos —no chamado trânsito em julgado dos casos.
O texto que está no Senado é um projeto de lei que altera dois artigos (283 e 637) e cria um novo (617-A) no Código de Processo Penal, sem necessidade de mudança constitucional.
Questionado sobre a decisão dos senadores, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse que não comentaria. “Não vou falar de Senado, não sou presidente do Senado, sou presidente da Câmara”, afirmou, demonstrando irritação.
A Câmara trabalha com uma PEC. Inicialmente, ela mudava o inciso 57 do artigo 5º da Constituição, que diz que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória —no entendimento de hoje, até que acabem todas as possibilidades de recurso e que a sentença se torne definitiva.
Por esta versão, ninguém seria considerado culpado até a confirmação de sentença penal condenatória em grau de recurso —ou seja, a prisão já valeria após condenação em segunda instância.
Há divergências, no entanto, sobre se esse inciso do artigo 5º seria uma cláusula pétrea da Constituição, o que impediria qualquer modificação, mesmo por emenda.
Diante de uma eventual guerra jurídica envolvendo esse ponto, a solução encontrada pelo relator da proposta na Câmara foi sugerir uma nova PEC com alterações nos artigos 102 e 105 da Constituição, itens que dispõem, respectivamente, sobre o STF e o STJ (Superior Tribunal de Justiça).
Maia disse que a tramitação da PEC na comissão especial será concluída entre fevereiro e março de 2020 e que acredita que é o melhor caminho.
“A Câmara hoje instalou a comissão especial de uma proposta que eu entendo que é constitucional e resolve o problema de forma definitiva, em todos os tipos de crime, que eu acho que é o mais correto e o mais justo”, afirmou.
Líderes partidários entendem que este texto atinge outras esferas da Justiça —cível e tributária—, não se restringindo à área criminal.
Assim, dizem acreditar que a medida acabará obrigando a antecipação do pagamento de precatórios, já que a proposta prevê execução antecipada de pena para todas as ações que chegarem ao STJ.
Fonte: Uol
Créditos: Uol