Rubens Nóbrega

Disse e repito: não está escrito em canto nenhum do mundo – nem mesmo na Paraíba sob o Ricardus I – que o poder público é incapaz de gerir qualquer hospital público com um mínimo de eficiência.

Digo isso porque presenciei e testei, em épocas distintas, qualidade e presteza em hospitais como o HU da Capital, do Grupamento de Engenharia, Maternidade Cândida Vargas e Edson Ramalho.

Digo também porque o próprio Hospital de Trauma de João Pessoa já atendeu muito bem nos seus primeiros sete anos de funcionamento, a partir de 2001, e saia bem mais em conta para o contribuinte.

Brasil afora e adentro vamos encontrar ainda diversos outros exemplos de hospitais públicos que são centros de referência e não precisam de ‘organizações sociais’ para alcançar altos índices de resolubilidade.

Mesmo assim, não haveria maiores resistências à entrega do Trauma a uma ‘organização social de saúde’ como a que usa o nome da Cruz Vermelha se o seu contrato com o Estado não desse razão a tantos questionamentos.

Em Estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Pernambuco, por exemplo, contratos semelhantes foram firmados nos conformes, não são colocados sob suspeita como o daqui e proporcionam atendimento de razoável pra bom.

Nesses outros estados não rola tanta bronca talvez porque seus governos, ao contrário do nosso, não decretaram em seus hospitais aquela emergência que leva o maior jeitão de manobra para dar aparência legal à contratação sem licitação da OS com pose de predileta ou previamente articulada para tanto.


Uma história nebulosa

Tudo isso sem contar que estamos lendo “a mais estranha história que alguém já escreveu” sobre a vinda dessa Cruz pra cá, sob a liderança de um médico da Baixada Fluminense que trouxe um grupo de colegas para furar greve no Trauma e depois se abancou por aqui na condição de gestor ‘pactuado’ do nosso hospital maior.

Esse mesmo médico, que atendia pelo nome de Doutor Edmon, à época de sua importação estava com os bens bloqueados pela Justiça, processado sob a acusação de ter praticado golpes que levaram à falência a Unimed de Duque de Caxias, instituição da qual foi presidente por anos.

Como se fosse pouco, apesar de operado por profissionais da Baixada, firmou-se o contrato com uma Cruz que se diz do Rio Grande do Sul. Estranhamente (ou nem tanto), as entidades gaúchas que atuam como grife Cruz Vermelha não possuíam experiência nem expertise para gerir hospital.

Com uma ficha dessas, camarada, não admira que o milionário ‘pacto’ entre a Cruz e o Ricardus I (R$ 7,2 milhões por mês) tenha motivado ações do Ministério Público do Trabalho e do Ministério Público Federal para acabar com as ilicitudes que cercam esse contrato, que teria sido armado por um ex-senador da Paraíba.

Ah, e antes que o imperador mova mais um processo na Justiça contra o colunista na tentativa de inibir ou impedir as críticas a esse malsinado contrato, lembro a Sua Majestade que os problemas encontrados no Trauma sob a Cruz não são obra da minha imaginação.
Os auditores, não eu
As ilicitudes no Trauma são constatações de auditoria lá realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), a pedido do MPT. No final, o trabalho dos auditores forneceu elementos de fato e de direito para ações do Ministério Público que buscam desmanchar o negócio.

Pois bem, agora o MPT entra com um novo recurso no Tribunal Regional do Trabalho no qual busca responsabilizar os secretários de Administração e de Saúde do Estado pelas ilegalidades na relação contratual entre Estado e ‘Cruz Vermelha’.

A propósito, o leitor deve estar se perguntando: por que em vez dos secretários o Ministério Público não procura responsabilizar diretamente o governador do Estado, que pessoalmente, enfaticamente, apresenta-se como o maior defensor do contrato que chama de ‘gestão pactuada’? Vou atrás da resposta e amanhã passo pra vocês.

De qualquer sorte, registro novamente que na defesa da mal disfarçada terceirização impera o argumento segundo o qual o Trauma sob a Cruz melhorou em muito o atendimento e alcança até 96% de aprovação dos pacientes e familiares.

Pode ser, mas de nada adianta essa satisfação toda se ela foi ou está sendo construída ao arrepio da lei, por cima da lei. Além do mais, médicos queixam-se de que o modo da Cruz operar vem sobrecarregando o Trauminha de Mangabeira.

Outros lembram que o aluguel de ‘leitos de retaguarda’ em hospitais-dormitórios serviria para desobrigar o ‘gestor’ privado do Trauma de arcar com tratamentos mais demorados e dispendiosos de pacientes mais problemáticos, mais traumatizados.

Enfim, com tantos ‘nós pelas costas’, como diria o saudoso Doutor Xodó, “o troço não tem como dar certo”. E pode até dar por algum tempo, mas não por todo o tempo.

Até por que muita gente sabe ou lembra, como lembrei hoje, que o Trauma já funcionou tão bem quanto. E não custava tão caro assim pra nós.