'depois do contrassenso, vem o escárnio'

A penúltima de Jair Bolsonaro: um negro racista - Por Josias de Souza

Sob Jair Bolsonaro, há um adorador da ditadura na Presidência, um antiambientalista no Ministério do Meio Ambiente, um antidiplomata no Itamaraty, um deseducado na pasta da Educação e um inimigo dos artistas na Secretaria de Cultura. Quando se imaginava que o governo já havia atingido o ápice do contrassenso, sobreveio o escárnio: um negro racista no comando de uma entidade criada para zelar pelos interesses da comunidade afrodescendente.

Chama-se Sérgio Camargo. Jornalista, foi acomodado na presidência da Fundação Palmares, que tem entre os seus objetivos: promover e apoiar a integração cultural, social, econômica e política dos afrodescendentes. Os pensamentos vadios do personagem estão disponíveis na vitrine das redes sociais.

Sérgio Camargo avalia que “não há salvação para o movimento negro. Precisa ser extinto! Fortalecê-lo é fortalecer a esquerda”. Espanto! Para ele, “a escravidão foi terrível, mas benéfica para os descendentes”. Pasmo! Sustenta que “os negros do Brasil vivem melhor que os negros da África”. Estupefação!

Uma das metas do novo presidente da Fundação Palmares é abolir o Dia da Consciência Negra, que “celebra a escravização de mentes negras pela esquerda.” Procurado, absteve-se de esmiuçar sua antiplataforma numa entrevista. Mas a Secretaria da Cultura, que abriga em seu organograma a Fundação Palmares, parece dar-lhe carta branca.

Em nota, a secretaria esclareceu que Sérgio Camargo defende que o negro não precisa ser vítima. Tampouco precisa ser de esquerda. Trabalha para alcançar a libertação da mentalidade que escraviza ideologicamente os negros. Uma de suas prioridades é desaparelhar a Fundação Palmares.

O Hino à República, aquele que pede à liberdade que “abra as asas sobre nós”, diz a certa altura: “Nós nem cremos que escravos outrora / Tenha havido em tão nobre país…” Alguns versos adiante, proclama: “Somos todos iguais”. O hino foi escrito pelo poeta pernambucano Medeiros e Albuquerque em 1890.

Dois anos antes, ainda havia escravos no Brasil. Decorridos 129 anos, eles continuam existindo. Sergio Camargo, por exemplo, está acorrentado à mesma mentalidade que faz do governo Bolsonaro não um fenômeno conservador, mas um flagelo arcaico. Instado a comentar a nomeação de Sérgio Camargo, o presidente da República economizou palavras: “Não conheço pessoalmente“.

É uma pena que Jair Bolsonaro não conheça Sérgio Camargo. Vivo, o grego Sócrates, de passagem por estas anacrônicas ágoras tropicais, repetiria para o capitão um de seus célebres ensinamentos: “Conhece-te a ti mesmo”. Um encontro de Bolsonaro com o presidente da Fundação Palmares será como uma espiada no espelho.

Se prezasse seu ofício de jornalista, Sérgio Camargo talvez percebesse que o melhor engajamento político é o de retratar a estupidez humana, usando a habilidade verbal para produzir um testemunho contra. Mas ele parece ter optado por denunciar a estupidez praticando-a.

 

 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Fonte: UOL
Créditos: Josias de Souza