O Emprego Verde Amarelo, criado pelo Ministério da Economia para estimular a contratação de jovens, é desnecessário e o foco deveria ser melhorar a lei do aprendiz, segundo o superintendente geral do Centro de Integração Empresa-Escola (Ciee), Humberto Casagrande.
O Ciee é uma associação sem fins lucrativos de assistência social, especializada na capacitação e emprego de jovens. É conhecido por fazer a ponte com empresas para o preenchimento de vagas de aprendizes. Apesar de ver como positiva a preocupação do governo com a alta taxa de desemprego entre os mais novos, Casagrande afirma que, com alguns aprimoramentos, o aprendiz poderia gerar melhores resultados e mais sustentáveis, por capacitar o jovem para o mercado.
Acho que o programa do aprendiz é muito mais sustentável, porque ele não coloca apenas no mercado de trabalho. Coloca com foco, com princípios, com objetivos. Não abre a porteira e deixa passar um monte de gente despreparada
Humberto Casagrande, superintendente geral do Ciee
O Programa Verde Amarelo reduz os encargos das empresas sobre a folha de pagamento de jovens entre 18 e 29 anos que ainda não tiveram o primeiro emprego. Vale para vagas de até 1,5 salário mínimo (R$ 1.497, em 2019). As empresas não podem contratar mais do que 20% de seus funcionários por esse modelo. A duração do contrato é de dois anos. A previsão é gerar até 1,8 milhão de vagas.
Já pela Lei da Aprendizagem, criada em 2000, médias e grandes empresas precisam ter entre 5% e 15% das vagas que demandem formação profissional preenchidas por aprendizes. É necessário ter entre 14 e 24 anos, estar cursando o ensino fundamental ou médio e, também, receber capacitação profissional na área em que trabalha, frequentando instituição de ensino técnico conveniada com a empresa.
Contratos de aprendizes também podem durar, no máximo, dois anos, e também têm isenção fiscal da folha de pagamento da empresa, como contrapartida.
Confira os principais trechos da entrevista de Humberto Casagrande ao UOL.
UOL – Como o senhor avalia o Programa Verde Amarelo?
Humberto Casagrande – Inicialmente, vimos como positivo o aceno que o governo fez para os jovens, que hoje têm o maior desemprego do país. Entretanto, achamos desnecessário criar outro programa, porque o país já tem o aprendiz, uma lei que está funcionando.
O programa já tem 20 anos e números de sucesso. Defendemos aprimoramento, o que poderia gerar milhares de empregos para jovens sem criar um programa novo. Isentar a folha de pagamento é reedição. Foi melhorada, foram colocadas algumas salvaguardas, mas são reedições de medidas antigas que não deram certo.
O que pode ser melhorado no programa do jovem aprendiz?
Temos que tornar o programa mais atrativo para as empresas. O aprendiz é um programa de cotas. As empresas são obrigadas a contratar determinado número de aprendizes, dependendo da quantidade de empregados que elas têm.
Existem exigências como o tempo disponível do funcionário. Hoje, ele tem que passar 30% do tempo em sala de aula. Ou seja, não vai trabalhar. Achamos que pode baixar para 20%. Já foram 20% no passado. Aí o jovem pode ficar, dos cinco dias úteis da semana, quatro na empresa trabalhando e apenas em um vai se ausentar para a capacitação.
Uma outra medida, por exemplo: a legislação exige que os 30 primeiros dias de trabalho dos jovens sejam em capacitação. Ele não vai à empresa e fica só tendo aula nos 30 primeiros dias. Também achamos isso desnecessário.
Existem outras medidas que dão celeridade à abertura de vagas. Tem que registrar os cursos de aprendiz no Ministério. Isso demora muito tempo. São em torno de oito, nove medidas, que dão uma maior atratividade para as empresas para conseguir a contratação.
Há previsão de quantas vagas poderiam ser abertas com essas medidas?
O Brasil hoje deveria ter em torno de 1 milhão de aprendizes, mas tem 500 mil, segundo dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados). Alguém diria: “Poxa, então essa não é uma lei que deu certo, porque só a metade está cumprindo”.
Se essas medidas administrativas fossem tomadas, poderia aumentar o nível para 80% de cumprimento da lei. Se considerar que estamos no Brasil, uma lei que fosse cumprida por 80%, seria um ótimo nível de aderência.
Se fizer melhorias ainda maiores, poderia ampliar o resultado para mais do que 1 milhão. Poderia se pensar em outras coisas, mais vantagens para as empresas. Aí não estou falando das nove medidas. Achamos que, em vez de criar uma carteira Verde Amarela, poderíamos fazer mais medidas para que aumentasse para 2 milhões ou 3 milhões de aprendizes. O foco deveria ser em cima do programa do aprendiz. Melhorar, aprimorar. Não deixar de lado o programa e fazer uma outra coisa.
O governo chegou a procurar o Ciee para participar dessa discussão de alguma forma?
Não procurou. A gente inclusive mandou essas medidas administrativas para o governo como sugestão, mas não obtivemos resposta.
Mandaram quando?
Sessenta, noventa dias atrás.
O governo afirma que o Programa Verde Amarelo é mais simples, não exige tantas contrapartidas para o emprego, como a participação do jovem em algum curso. Exigências dificultam programas de emprego ou são necessárias?
Quando há capacitação, como em nosso caso, você está criando empregos de maior qualidade, algo mais sustentável. Se é para fazer um programa de emergência, botar todo mundo para dentro sem muito critério, sem muita qualificação, é verdade que funciona melhor [o Verde Amarelo]. Se pensar em sustentabilidade, como no aprendiz, é muito efetivo.
Temos uma pesquisa recente do Datafolha que mostra a efetividade do aprendiz: 76% dos jovens que entraram como “nem nem”, que nem estudam, nem trabalham, deixaram de ter essa condição ao final do programa. Ou seja, hoje trabalham, estudam, ou fazem as duas coisas.
Sobre esse argumento de que o Verde Amarelo não precisa de contrapartida, na verdade está se dando uma contrapartida de R$ 10 bilhões de isenção fiscal.
O programa do aprendiz é muito mais sustentável, porque ele não coloca apenas no mercado de trabalho. Coloca com foco, princípios, objetivos. Não abre a porteira e deixa passar um monte de gente despreparada.
Como o senhor compara os dois programas, do ponto de vista de efetivação do trabalhador após o período?
No caso do aprendiz, segundo o Datafolha, 53% dos egressos estão trabalhando, na empresa em que estavam fazendo o programa ou em outra que se se beneficia da capacitação que ele recebeu. Mais da metade dos jovens ficam empregados, embora não haja nenhuma obrigatoriedade legal para isso.
Temos no Ciee vários programas de curso a distância, bolsas de estudo, programas de estágio. Nossa ideia é construir uma trilha. Não é simplesmente dar um programa de dois anos e depois abandonar o jovem.
Não tem o efeito Cinderela, como a gente brinca, que dura um tempinho e depois o jovem volta para a realidade dele. Ele entra aqui e faz uma trilha. E nada disso é obrigatório por lei. A única obrigação é a empresa contratar o aprendiz por dois anos.
Com o Programa Verde Amarelo, acha que um grande percentual desses jovens será efetivado após dois anos?
Vai depender da avaliação da vantagem fiscal depois, porque esse programa está muito montado em cima do benefício fiscal. Caindo o benefício, não sei como ficaria.
Justiça seja feita: foram colocadas algumas salvaguardas nesse programa, como de só poderem ser vagas de até um salário mínimo e meio e não ter mais do que 20% da folha nesse sistema.
Mas, apesar disso, não vai impedir o jogo do “rouba monte”. Você tira emprego de um lugar e põe para outro. Não há uma criação líquida de trabalho. As salvaguardas colocadas ajudam, são necessárias, mas não são garantia de que não vá haver “rouba monte”.
Pode ter faltado planejamento do governo para não apenas criar um novo programa, mas aprimorar os existentes?
Eu não diria [falta de] planejamento. Acho que é uma visão diferente do problema. Nós aqui no Ciee e outros agentes de mercado temos uma visão do programa que não é a mesma que eles têm hoje.
Acho que não fomos procurados por isso. Não é porque não teve planejamento ou porque eles não gostam da gente. Eu acho que a visão que algumas correntes têm hoje, e talvez seja essa que está prevalecendo lá, é de que o programa do aprendiz não atende as necessidades, precisa criar uma outra coisa, com uma visão mais liberal, mais aberta.
Ao olhar para o problema dos jovens desempregados, pode haver mais de uma corrente que defenda caminhos diferentes.
O foco do governo foi maior na parte econômica, na isenção fiscal, e menor na qualificação do emprego?
Algumas áreas do governo, talvez não todas, têm uma visão de que o programa do aprendiz é um pouco assistencialista e não traz os resultados esperados.
Então precisam criar algo que seja, vamos dizer assim, menos amarrada e que funcione mais rapidamente. Que mantenha o aprendiz, mas o que vai funcionar mesmo [para eles] é um outro programa, que siga essa linha econômica, do que é mais barato.
Nós achamos que não. Que o programa do aprendiz, se tiver um pouco de paciência, vai funcionar melhor e de uma forma mais sustentável.
O presidente Bolsonaro já disse que é melhor ter mais empregos com menos direitos, do que todos os direitos e desemprego. Os direitos trabalhistas são uma amarra para a criação de empregos?
No aprendiz, já existe uma redução de direitos também. Não é que o Verde Amarelo vai fazer uma coisa, e o Aprendiz outra. O fundo de garantia do Aprendiz já é de 2% em vez de 8%. Não tem multa dos 40% no caso de demissão. Os programas têm uma similaridade nessa isenção de direitos.
Eu entendo que isso seja, de certa forma, de bom para razoável. Porque, para o jovem, nesse momento, é melhor ter uma oportunidade para começar, com alguns direitos reduzidos, do que ficar sem trabalho. Ele quer uma oportunidade para ganhar experiências, se desenvolver e as empresas contratarem.
Os meninos ficam maravilhados quando têm uma oportunidade. É uma quebra de paradigmas. É transformador na vida desses jovens. Então a prioridade deles está muito mais nessa transformação, de ter essa oportunidade, do que ganhar 8% do fundo de garantia.
Fonte: UOL
Créditos: UOL