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BELAS E PRESAS: Concurso de 'miss' dentro de presídios femininos é oportunidade de ressocialização

Nervosismo, expectativa das famílias e alegria das detentas. O G1 acompanhou os bastidores do concurso Garota Talavera Bruce que terminou com a eleição da detenta Jenifer Oliveira, 24 anos, nesta quarta-feira (12).

Organizado pela Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap) do Rio de Janeiro, o evento é uma oportunidade para as presas se arrumarem e, principalmente, aumentarem a autoestima.

Era possível perceber o clima de expectativa antes mesmo de entrar em uma das salas da penitenciária em Bangu, na Zona Oeste, onde as candidatas se preparavam para o concurso. De longe, já se podia escutar a voz de Gisele Miriam Oliveira, cantando animada uma música evangélica.

Ela estava junto com outras nove detentas finalistas do concurso que, há 14 anos, elege a presa mais bela e simpática do sistema carcerário fluminense.

No total, 60 presas se inscreveram para o concurso e foram eliminadas ao longo de uma série de testes para chegar até a relação final das candidatas.

“A gente leva em consideração a questão da disciplina e da beleza, além da simpatia e elegância”, destacou Raquel Passos, que dirige a unidade há três meses e fez a estreia coordenando o concurso.

Mariana Santos passa batom momentos antes de entrar na passarela no concurso Garota Talavera Bruce — Foto: Marcos Serra Lima/ G1

Mariana Santos passa batom momentos antes de entrar na passarela no concurso Garota Talavera Bruce — Foto: Marcos Serra Lima/ G1

As candidatas começaram a preparação com algumas horas de antecedência. Mariana Santos, de 24 anos, a segunda colocada no concurso do ano passado estava tentando a vitória nesta edição.

Ela já passou pela experiência, mas não escondia o nervosismo. Com unhas longas, Mariana tomava cuidado para tentar passar com precisão um batom vermelho que combinava com o look.

“É um dia que a gente está fora da nossa realidade de detenta, que a gente pode mostrar que aqui [Talavera Bruce] não existe só criminosas, aquilo que o mundo fantasia. Aqui, não é cheio de assassinas. É um momento que a gente mostra que aqui não existe só isso”, destacou Mariana.

Ela foi detida após ser pega em uma escuta telefônica de uma investigação de tráfico de drogas. Condenada a 15 anos ela participa na prisão de projetos de remição e trabalha em uma padaria para tentar diminuir a pena e aprender uma profissão.

Para ela, o concurso é uma oportunidade não só de fazer uma maquiagem mais caprichada ou ter o cabelo tratado e com um penteado diferenciado.

“É a oportunidade de colocar uma outra roupa, já que a gente não pode usar roupas coloridas, pois seguimos um padrão”, destacou Mariana, se referindo aos uniformes usados na unidade.

O cabeleireiro Raphael cuida de Verônica Verone, que venceu o concurso Garota Talavera Bruce do ano passado — Foto: Marcos Serra Lima/ G1

O cabeleireiro Raphael cuida de Verônica Verone, que venceu o concurso Garota Talavera Bruce do ano passado — Foto: Marcos Serra Lima/ G1

Investimento na produção

Cerca de cinco profissionais de beleza cuidaram do look das candidatas. São voluntários que são sugeridos por igrejas evangélicas que fazem trabalhos de recuperação dentro do sistema carcerário ou se oferecem para participar do evento e são selecionados.

Eles chegam no dia anterior ao concurso para cuidar dos cortes, coloração e reflexo nos cabelos das detentas. No dia do evento, eles fazem a finalização do visual de acordo com o estilo de cada uma. Unhas e maquiagem também receberam cuidado especial.

Raphael Lima, que é cabeleireiro e colorista há 15 anos, trabalhou pela segunda vez no evento. No dia do concurso, chegou à penitenciária às 6h30. Ele contou ao G1 que é uma oportunidade de mostrar que a recuperação das detentas é possível, além de passar a limpo a própria história. Rafael revelou que nunca foi preso, mas teve vários amigos envolvidos com a criminalidade.

“Eu perdi muitos amigos, muitos foram presos, muitos morreram. Eu acho que sempre há uma chance da pessoa ver que tem como recomeçar. Deus sempre dá oportunidade para a gente. É hipocrisia só apontar os erros, até porque todo mundo já errou um dia”, disse.

Apoio e ajuda

Desfilar não é fácil. As técnicas de passarela foram ensinadas por uma das agentes penitenciárias que, mesmo sem contato com o mundo da moda, buscou ler e ver vídeos na internet para poder ensinar as detentas.

O primeiro desfile, com moda praia, começou pouco depois das 10h30. As roupas de praia, que tinham o cuidado de não revelar demais, também mostraram uma história de recuperação.

As peças eram assinadas pela estilista e empresária Renata Castro. Atualmente dona de um ateliê em Rio das Ostras, na Região dos Lagos, ela também esteve atrás das grades na década de 90. Ela ficou presa por dois anos em regime fechado e 1 ano em semiaberto. Após sair ela casou, teve dois filhos e administra a marca especializada em moda afro com o nome de “Cara da Nega”.

“Eu fiquei presa e a minha vida não tinha mais sentido, eu achei que ia terminar ali. Afinal de contas, o sistema é assim, a gente acha que não tem mais jeito. Mas graças a Deus, a minha história mudou e hoje estou aqui para mostrar que tem jeito, tem solução sim”, contou Renata.

Como nos concursos de beleza tradicionais, as detentas também desfilaram com trajes de gala. A plateia era formada por familiares e por outras detentas que participavam com gritos de incentivo. O júri era composto por autoridades do sistema penitenciário.

Jenifer Oliveira é a Garota Talavera Bruce 2019 — Foto: Marcos Serra Lima/G1

Jenifer Oliveira é a Garota Talavera Bruce 2019 — Foto: Marcos Serra Lima/G1

Resultado final

Jenifer Oliveira, vencedora da Edição 2019 está presa há um ano por tráfico e associação ao tráfico. Ela vestiu um longo vermelho de renda e salto agulha. .

Ela recebeu a faixa de Verônica Verone, que foi presa por homicídio e cumpre pena de 15 anos de prisão por matar um homem em um motel de Niterói, na Região Metropolitana, em 2011.

Grande parte da família de Jenifer, a nova Garota Talavera Bruce, acompanhou o desfile e comemorou a vitória. Após o resultado ela foi abraçada pelos três filhos e por parentes, todos muito emocionados. As outras detentas também gritaram e a abraçaram, chegando a atrasar o discurso da vitória.

“Levanta a nossa autoestima, há muito tempo que eu não me maquio, não faço a unha. A gente se sente até uma nova pessoa. É uma oportunidade de todo mundo estar vendo os filhos, a família e matar um pouquinho da saudade”, contou a campeã.

Jenifer, a garota Talavera Bruce de 2019, desfila na passarela — Foto: Marcos Serra Lima/G1

Jenifer, a garota Talavera Bruce de 2019, desfila na passarela — Foto: Marcos Serra Lima/G1

As três primeiras colocadas no concurso Garota Talavera Bruce — Foto: Marcos Serra Lima/G1

As três primeiras colocadas no concurso Garota Talavera Bruce — Foto: Marcos Serra Lima/G1

Fonte: G1
Créditos: G1