40 MIL MORTOS POR ARMA DE FOGO

Defendendo uma política bélica governo quer votar MP que agravará violência armada no país

armas

 

Por mais vidas, menos irresponsabilidade

Câmara dos Deputados pode votar esta semana o projeto de lei 3.723/2019, que agravará a violência armada no país

Não chegamos ao final do primeiro ano do mandato do atual governo e já contamos oito decretos presidenciais sobre armas e munições. Contra os retrocessos dessas medidas, 14 governadores e 12 ex-ministros da Justiça se manifestaram publicamente. Em conjunto, reforçaram que é preciso proteger o legado de mais de duas décadas de construção de uma política responsável de controle de armas e munições no país. Defenderam que as soluções para reverter o cenário de violência e insegurança exigem a coordenação de esforços da União, Estados e Municípios para fortalecer políticas públicas baseadas em evidências. Também nos lembraram de algo que nem o governo, nem nós, sociedade, podemos esquecer: a função primordial do Estado é garantir o direito à vida e à segurança para todos.

Às manifestações de governadores e ex-ministros, somam-se os pareceres da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal (MPF) que apontaram inconstitucionalidades e ilegalidades dos decretos. Com relação ao último deles, o MPF afirmou que, ao invés de reparar os pontos que foram questionados, “ampliou o cenário de agressão ao Estatuto do Desarmamento e de enfraquecimento da segurança pública”. No Supremo Tribunal Federal, três Ações Diretas de Inconstitucionalidade e duas Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental foram apresentadas. A apreciação dessas últimas pelo STF segue pendente.

Em meio ao caos normativo provocado pelos decretos, a Câmara dos Deputados pode votar nesta semana o projeto de lei 3723/2019, que agravará a violência armada no país. O projeto foi encaminhado pela Presidência da República, como subproduto de sua profusão de decretos. Ao invés de aperfeiçoar os mecanismos de fiscalização, o projeto desconsidera as evidências de que um maior controle sobre as armas e munições é fundamental para reduzir a violência e evitar que armas legais caiam nas mãos da criminalidade. Os posicionamentos de governadores, ex-Ministros, do MPF e dos 73% da população contrários à possibilidade de que cidadãos possam andar armados nas ruas são igualmente ignorados. De forma irresponsável, foram consideradas prioritárias medidas como o porte para atiradores desportivos e vigilantes, assim como a recarga de munição de lotes que no Brasil são vendidos sem qualquer marcação (o que inviabiliza seu rastreamento e dificulta a investigação de crimes cometidos com armas de fogo).

No país em que mais de 40 mil pessoas são assassinadas todos os anos por arma de fogo e que conhece o flagelo da ostensividade das armas pelo crime organizado em diferentes estados, não há espaço para irresponsabilidades e retrocessos. A população não aceitará argumentos de que os esforços para melhorar a segurança do Brasil passam por terceirizar sua responsabilidade para cidadãos e cidadãs, que, em sua maioria, não têm alguns milhares de reais para adquirir uma arma.

Nossas organizações somam décadas de trabalho neste tema e seguiremos apoiando as iniciativas de governos comprometidos com a proteção da vida de toda a sua população. Mas, amparados pela extensão de nosso trabalho, por todas as evidências sobre a importância da regulação responsável de armas e munições na redução da violência e pela opinião da maioria da população, ergueremos nossas vozes a cada ameaça de retrocesso.

Esperamos que nossos representantes no Congresso Nacional ajam com a máxima responsabilidade e comprometimento para que possamos construir um país mais seguro. E que se lembrem, não só na votação prevista para essa semana na Câmara, mas em todas as outras discussões e decisões sobre o tema, que mais armas nas ruas está muito longe de ser o caminho para essa construção. Há muitos problemas no país para nos ocuparmos: já basta dessa obsessão por armas de fogo.

Ilona Szabó de Carvalho, diretora executiva do Instituto Igarapé
Carolina Ricardo, diretora executiva do Instituto Sou da Paz
Renato Sérgio de Lima, diretor presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Rubem César Fernandes, diretor executivo do Viva Rio

Fonte: O Globo
Créditos: O Globo