A primeira edição brasileira da Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC, na sigla em inglês) foi menos um simpósio sobre o conservadorismo, seus pensadores, suas ideias e pertinência na atualidade, e mais um evento político-partidário em defesa não só do governo, como da reeleição do presidente Jair Bolsonaro.
Perdeu-se uma importante oportunidade de realizar no País uma apresentação séria do ideário conservador, há muito flagelado pela ignorância dos que o tomam como expressão do atraso ou, como foi o caso da CPAC Brasil, pelo sequestro do termo “conservador” por quem, na verdade, defende uma agenda autoritária e obscurantista.
A CPAC foi criada em 1974 nos Estados Unidos pela União Conservadora Americana, em conjunto com diversos grupos de ativistas, políticos e intelectuais ligados ao conservadorismo. O discurso inaugural foi proferido por Ronald Reagan, então governador da Califórnia e futuro presidente dos Estados Unidos pelo Partido Republicano (1981-1989). O evento ocorre anualmente com o objetivo de discutir estratégias para favorecer a difusão do ideário conservador e sua presença no debate público norte-americano por meio da representação política de seus defensores.
Não seria de todo impertinente que os participantes da CPAC Brasil, entre eles vários membros do primeiro escalão do governo federal, usassem a edição brasileira do evento para traçar estratégias para a “união da direita” no País ou mesmo para defender a reeleição de Jair Bolsonaro, desde que esta pauta não fosse prematura e o presidente, de fato, fosse um genuíno líder dos conservadores. Ele não é.
Fora a apresentação de alguns convidados norte-americanos, pouco se falou de conservadorismo propriamente dito. O que se viu nos dias 11 e 12 deste mês em um hotel de São Paulo foi uma louvação ao presidente Donald Trump, ao presidente Jair Bolsonaro e ao deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), saudado como “mitinho” em alusão a um dos apelidos de seu pai.
Essa reprodução histriônica e um tanto iletrada do evento conservador norte-americano em solo brasileiro serve mais para o divertimento de uns ou para a vergonha de outros, a depender de como as palestras foram recebidas pela audiência não convertida. O discurso da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, particularmente, diverte e envergonha em igual medida.
Mas o que deve causar preocupação verdadeira nos liberais democratas é o tom de algumas palestras em relação às oposições, sobretudo por terem sido proferidas por membros do atual governo. Não foram poucas as manifestações de desapreço e de hostilidade em relação a partidos e indivíduos que se opõem ao governo do presidente Jair Bolsonaro.
A julgar pelo que disse na CPAC Brasil, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, vê seu chefe como o ungido que fará o Brasil ressuscitar após a “morte” provocada pela ação dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Lula da Silva. FHC foi comparado à aids por Weintraub, aquele que teria “enfraquecido o País” e permitido que a “tuberculose” (Lula da Silva) se instalasse e “matasse” o Brasil.
A já citada ministra Damares Alves classificou as oposições como o “cão”, no sentido diabólico do termo. O governo e seus simpatizantes, na visão da ministra, devem se organizar para impedir o triunfo do “mal”. A mesma mensagem, embora menos caricata, foi a tônica das apresentações dos ministros das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. Ou seja, para o governo Bolsonaro dar certo, seus opositores hão de ser neutralizados.
Não só as oposições foram alvos na CPAC Brasil. Coube à imprensa livre e profissional uma boa dose de hostilidade. Nada a que não esteja acostumada, posto que não seria “livre” e tampouco “profissional” caso se deixasse levar por pressões de governos e seus adeptos.
A primeira edição da CPAC no Brasil não foi um evento conservador. Foi um evento reacionário. Os conservadores continuam carentes de uma representação política à altura de sua importância.
Fonte: O Estado de S. Paulo
Créditos: O Estado de S. Paulo