O 6º Encontro de Comitês e Comissões pela Memória, Verdade e Justiça do Norte e Nordeste do Brasil, que contou ainda com a participação de outros coletivos que lutam pela preservação da memória, pela busca da verdade histórica, realizado em Salvador (BA), nos dias 27 e 28 de setembro de 2019, é dedicado à memória do combatente Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira, desaparecido político desde 23 de fevereiro de 1974, pai do atual presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, legalmente reconhecido pelo Estado brasileiro como assassinado pelos agentes da Ditadura Militar, que derramou pelo solo pátrio um rastro de sangue e de dor do bravo povo brasileiro durante 21 anos.
Sim, essa homenagem é uma resposta direta e contundente ao protofascista Jair Bolsonaro, que infelizmente responde pela presidência da república do Brasil, que debochou da dor dos familiares, do relatório da Comissão Nacional da Verdade e da memória de toda uma geração que deu seus melhores filhos pela causa da liberdade, ao insinuar que Fernando Santa Cruz foi morto justiçado pelos próprios companheiros de luta.
Pelo contrário. Fernando Santa Cruz foi assassinado exatamente por preservar seus companheiros, por isso está imortalizado em nossa memória como herói do povo brasileiro!!
A Luta pela Memória, Verdade e Justiça no Brasil é hoje ainda mais atual e necessária, já que vivemos num momento de retrocesso. Está em curso uma clara tentativa de deturpação da narrativa da história contemporânea -o revisionismo histórico, onde a ditadura militar se transmuta em movimento militar- onde torturadores são enaltecidos como heróis e os heróis e heroínas vilipendiados como traidores.
O relatório apresentado pela Comissão Nacional da Verdade (CNV), em 10 de dezembro de 2014, foi um marco histórico e uma conquista para os que se dedicam à causa da memória, da verdade e da justiça em nosso país. O próprio Estado reconheceu publicamente as graves violações de direitos humanos cometidas por agentes da repressão em seu nome.
Esse relatório, que deveria ser uma fonte viva de consultas, debates e preservação da nossa memória para aplicação da justiça de transição no Brasil, aos poucos vem se tornando em peça de museu adormecido nas estantes dos arquivos mortos.
O direito à Memória, à verdade e à justiça com a abertura dos arquivos da ditadura militar fascista e a punição dos torturadores e financiadores da ditadura é uma necessidade para combater a impunidade, que gera a repetição das velhas práticas. De fato, temos assistido no Brasil, crimes praticados pelo Estado que são herança das práticas do sistema capitalista decrépito, intensificado pela ditadura. O genocídio da juventude pobre e negra pelas Polícias Militares (como exemplo temos o assombroso dado de 1.249 mortes, apenas este ano, no Rio de Janeiro), as ameaças e agressões constantes aos povos originários, sobretudo indígenas, e o já comprovado uso de tortura por essas instituições, estimulados pela impunidade aos agentes do Estado que dela se utilizaram e se utilizam; a volta da censura como agora praticada pelo Governo através da ANCINE contra o Filme de Carlos Marighella; a execução da Vereadora Marielle Franco e a prisão totalmente ilegal do ex-presidente Lula diante da iminente chance de vencer as eleições; são práticas incompatíveis com a democracia e sequelas da impunidade com os crimes do período militar.
O uso dessas práticas abusivas tem por objetivo final promover um massacre nos direitos conquistados pelo povo trabalhador, como a extinção da CLT, o fim da previdência pública e a precarização do emprego, bem como entregar as riquezas nacionais, incluindo o bioma da Amazônia e a Petrobrás, aos monopólios do capital financeiro dos EUA e do imperialismo.
No ano em que se celebra 40 anos de luta pela conquista da Anistia e da reafirmação da continuidade dessa luta, é dever de todos nós exigir que as 29 recomendações contidas no Relatório da CNV e as recomendações das mais de 100 comissões de universidades, entidades e estados como: BA, SE, AL, PE, PB, PA, MA, SP, RJ entre outros, sejam transformadas em política de Estado e que estas sejam imediatamente colocadas em prática pelos governos dos estados e pelo governo brasileiro. Os relatos e depoimentos recebidos por essas comissões têm elevado valor pedagógico e educacional que devem ser levados para todas as escolas e universidades do país. Punir exemplarmente os agentes de Estado, empresas e pessoas envolvidas em tais crimes imprescritíveis e de lesa-humanidade, com um pedido de desculpas oficial das Forças Armadas à nação brasileira, revogar a Lei de Segurança Nacional, revisar a lei da anistia conforme projeto da deputada federal Luiza Erundina já apresentado na câmara, desmilitarizar as polícias militares são recomendações da CNV e exigências da sociedade civil organizada.
Esse 6° Encontro de Comitês e Comissões da Verdade do Norte e Nordeste do Brasil reverencia ainda a memória do honrado capitão Carlos Lamarca, Manoel Aleixo da Silva, desaparecido político e líder das ligas camponesas, a liderança indígena matogrossense Marçal de Souza, e a jovem baiana Nilda de Carvalho Cunha, representando todas as bravas mulheres que deram suas vidas em defesa da liberdade, da democracia popular e da soberania da nação brasileira.
– Pelo imediato cumprimento das recomendações da Comissão Nacional da Verdade e das Comissões Estaduais e similares;
– Punição aos golpistas e torturadores da ditadura militar!
– Para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça!
Salvador (BA), 28 de setembro de 2019
Grupo Tortura Nunca Mais – BA;
Comissão Estadual da Verdade – BA;
Comitê Memória Verdade e Justiça de SE;
Comitê Memória Verdade e Justiça de AL;
Comitê Memória Verdade e Justiça de PE;
Centro Cultural Manoel Lisboa PE;
Comitê Memória Verdade e Justiça PB;
Comissão Estadual da Verdade PB;
Comitê Memória Verdade e Justiça RN;
Centro de Direitos Humanos e Memória Popular RN;
Comissão Especial de Anistia Wanda Sidou – Governo do Estado do-CE;
Comitê Memória Verdade e Justiça do CE;
Comitê Memória Verdade e Justiça de Teresina – PI.
Fonte: Carta de Salvador
Créditos: Carta de Salvador