“Não importa se você é homem, mulher, jovem, idoso, homossexual… qualquer um pode sofrer de ciúme retroativo. É como se fosse uma obsessão por tudo que aconteceu nas relações amorosas anteriores”, explica a doutora em psicologia clínica pela PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Rio, Adriana Nunan.
No próximo dia 3, no Rio, ela e a também psicóloga e doutora Maria Amélio Penido lançam o livro “Relacionamentos amorosos na era digital”, em que abordam o tema.
Na era digital, esse ciúme é potencializado. Mas Nunan lembra que a regra de ouro vale para todos os públicos: o passado, claro, não pode ser mudado; logo, discutir sobre ele é algo sem nenhum futuro. “Sofrer por alguma coisa que você não pode controlar é muito desperdício de tempo e energia. O casal tem que conversar sobre essas inseguranças, não falar sobre o passado. Toda vez que a gente fala sobre o passado, acabamos trazendo aquelas pessoas para o presente”, diz.
Como o bichinho do ciúme retroativo achou nas redes sociais uma ferramenta perfeita para proliferar, especialmente na geração digital –essa mesma que tem dificuldade em lidar com frustrações–, o cuidado e a vigilância precisam ser maiores. “O que a gente pode fazer é construir novas histórias, novos álbuns de fotos, novas viagens, novas experiências e não ficar olhando para trás”, diz.
Universa: Como a senhora define esse ciúme retroativo?
Adriana Nunan: Ciúme retroativo é o ciúme do passado sexual e amoroso do parceiro, do namorado, do marido, da mulher. É como se fosse uma obsessão por tudo que aconteceu nas relações amorosas anteriores.
E quais são os sinais de que isso está rolando?
Quem sofre de ciúme retroativo geralmente fica obcecado pelos fantasmas dos ex. Ex-namorados, por exemplo, pessoas imaginárias ou pessoas reais. Os pensamentos ficam obsessivos, quem sente ciúme fica irritadiço, ansioso, paranoico, com medo, com raiva, imaginando como é que foi aquela relação, como foi o sexo, se eram apaixonadas, que coisas fizeram juntas, que planos que elas tinham. Aí, começa a perguntar querendo saber detalhes da relação, insistindo em falar do passado sexual.
É bom falar sobre o passado quando o par pergunta?
Não. Porque se eu pergunto o tempo todo ‘como é que era fulana’ e o outro responde, vai estar alimentando esse meu comportamento. O casal tem que conversar sobre essas inseguranças, não falar sobre o passado. Toda vez que a gente fala, acaba trazendo aquelas pessoas para o presente. É melhor se abrir para o companheiro e procurar ajuda especializada de um psicólogo. Esse sentimento está intimamente ligado à insegurança, a problemas de vínculo, a problemas no passado. Se tratar essas inseguranças, ela vai deixar de ter o ciúme retroativo.
Como fica essa questão nas redes sociais? É normal que as pessoas busquem o passado por essas redes…
O Facebook, o Instagram e até o Twitter são ferramentas tentadoras. É fácil de usar, eficiente, você checa muito rápido o perfil dos outros, faz busca no Google, pesquisa imagens em perfis de outros amigos, tem histórico de post, comentário e fotos antigas — que nem sempre são apagadas. Até um certo ponto, é normal ter uma curiosidade em pesquisar um pouco passado do parceiro, ver aquela ex-namorada, aquele ex-namorado… mas isso tem um limite! Quando começa a tomar o seu dia inteiro, ou pensar obsessivamente nisso, você deixar de fazer coisas ou de aproveitar a sua relação para ficar perguntando, pesquisando… isso é um problema grave.
É saudável apagar fotos de relações quando elas acabam?
Isso depende muito de cada pessoa, de como enxerga as memórias, as lembranças e usa as redes. Você pode por exemplo guardar as fotos numa pasta no seu computador, num arquivo, não necessariamente precisa deixá-las nas redes. Vai apagar a foto de ex-namorado? Vai apagar histórico de posts? O importante é conversar sobre o que incomoda. A família do seu namorado pode continuar sendo amiga da ex-namorada dele. As pessoas hoje em dia se relacionam por diversos canais, então tem que se ter sempre em mente que, se alguém está com você agora, é porque escolheu estar com você neste momento. E que todo mundo tem passado —inclusive quem sente ciúme retroativo.
Como a juventude tende a lidar com o ciúme nessa era digital, de overdose de informação e exposição?
A geração que é jovem hoje tem baixíssima tolerância à frustração. Não entendem que qualquer relação, e principalmente uma amorosa, é uma coisa que exige dedicação. Você tem que dedicar tempo ao outro, tem que ter paciência, conversar, negociar, aparar arestas, saber que não é por causa de uma briguinha ou um conflito que você vai jogar uma relação fora. As coisas, aos poucos, vão se ajeitando. Claro que têm relacionamentos que são tóxicos, abusivos —nós não estamos falando disso. Então, quando você começa a pesquisar e acusar o outro de coisas que ele fez no passado —e que ele não pode mudar— fica difícil manter um um diálogo. O que a gente pode fazer é construir uma relação bacana, construir novas histórias, novos álbuns de fotos, novas viagens, novas experiências e não ficar olhando pra trás.
Curtir ou comentar foto de alguém pode ser infidelidade?
Chamamos de microinfidelidade. É você dar uma curtida em uma foto ali, fazer um comentário aqui, de repente abre uma conversa no Messenger. Aí trocam alguma coisinha mais pessoal, uma foto, mas nada sexual a princípio. Mas aí você começa a estabelecer uma relação com uma outra pessoa que não é o seu namorado (a) e começa a trocar coisas íntimas, ou mesmo problemas no trabalho, ou no seu relacionamento. Começa a conversar mais com esta pessoa e a participar mais da vida dela —e ela mais da sua— do que você da sua própria relação, que a gente chama de primária. Mesmo que isso não se converta em uma infidelidade concreta, na vida real sexual, ela é perigosa. Tira a sua energia do relacionamento primário: enquanto você está de papinho com alguém na internet, está deixando de conversar com seu namorado (a).
Existe algum limite, algum ato que deve ser encarado como início de algo problemático?
O limite é o casal quem vai dar. A comunicação é importante, as pessoas têm que sentar e conversar sobre o que é infidelidade para cada um, o que é motivo de ciúmes aceitável. Cada casal vai estabelecer suas próprias regras, porque às vezes o que é ciúme para mim pode não ser para você..Eu posso não ver nada demais em você fazer um comentário na foto de alguém, mas outro pode achar um horror. Muitos casais fazem contas conjuntas de Facebook ou Instagram, por exemplo, mas é uma questão de confiança. Não faz muito sentido, e você também pode criar uma conta paralela fake —então não garante nada.
Que dicas a senhora daria para quem quer evitar problemas?
Em primeiro lugar: não importa se você é homem, mulher, jovem, idoso, homossexual… qualquer um pode sofrer de ciúme retroativo, não existe grupo mais propenso. Mas vamos lá:
- Muitas pessoas esquecem que o passado não pode ser modificado, e sofrer por alguma coisa que você não pode controlar é muito desperdício de tempo e energia de vida. Todos têm passado, e as experiências de vida foram importantes para ele se tornar o que é hoje. Em vez de se sentir mal por isso, ou ter raiva, pode até ser grato.
- Não usar as redes sociais como combustível! Não perca tempo, nem energia revisando perfis, repassando comentário, vendo interação de quem curtiu quem, olhando foto, ligando pra amiga, tirando print. Enquanto você está fazendo isso, está deixando de curtir a pessoa que ao seu lado. Se está com ciúme das experiências que a pessoa viveu, então cria novas: faça uma listinha de coisas que vocês podem fazer juntos.
- Conversar sobre os medos com seu parceiro. A gente precisa combater as fantasias, não fingir que elas não estão ali, nem aumentar. O que a pessoa não pode é ficar te dando informação, porque isso vai aumentar o seu ciúme retroativo.
- Por último, o ciúme está correlacionado com insegurança, com baixa autoestima, com problemas de vínculo. É importante que a pessoa procure um psicólogo para aprender lidar melhor com essas questões. Se não aprender a lidar com isso, ela vai ter problema com filhos, no trabalho, com família. Não deixe virar um problema grave para procurar um um apoio.
Fonte: UOL
Créditos: Carlos Madeiro