O discurso oficial é o de que ele está imerso em uma jornada de busca por conhecimento, mas a expressão “candidato a candidato” passou a ser vista como mais apropriada para o momento atual de Luciano Huck, 48.
O empresário e apresentador da TV Globo, que esteve perto de concorrer ao Planalto em 2018, intensificou sua movimentação política nos últimos meses, em sinal de que a candidatura é uma vontade mais viva do que nunca.
Aliados de Huck confirmam que ele “está considerando” a possibilidade, embora a decisão concreta só deva vir mais tarde.
Com a preparação, ele chegaria a 2022 com a ideia amadurecida, diferentemente do que ocorreu em 2018, quando acabou atropelado por acontecimentos e concluiu prescindir de uma estrutura sólida o suficiente para encarar uma batalha presidencial.
Gestos recentes, tanto de iniciativa dele quanto de atores externos, indicam estar em curso o surgimento de uma campanha para ocupar o espaço do centro na sucessão de Jair Bolsonaro (PSL), que já disse que deve tentar a reeleição.
Huck desde 2017 se articula ancorado no seu engajamento em movimentos que pregam renovação política. Ele agora estabeleceu um ritmo acelerado de conversas com líderes políticos e partidários, entrevistas à imprensa, palestras em eventos para formadores de opinião e aparições públicas para debater temas urgentes, como a crise na Amazônia.
A face política do apresentador do “Caldeirão do Huck”, o programa das tardes de sábado que ele comanda na Globo há 19 anos, pode ser acompanhada nas redes sociais. Ele se define nos perfis como “apresentador de TV e curioso”.
Ali, diante de seus 48 milhões de seguidores, posicionamentos de tom mais sério dividem espaço com fotos da mulher, a apresentadora Angélica, junto com os três filhos, vídeos de sua atração na Globo e selfies com amigos como Neymar.
Nos bastidores, o caldeirão de Huck também ferve. Ele passou a aproveitar as muitas viagens para gravações (chega a visitar três estados por semana) para reuniões com governantes e influenciadores.
Foi assim, por exemplo, que esteve neste ano com os governadores do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), e do Paraná, Ratinho Junior (PSD). No encontro com o filho do apresentador Ratinho, Huck estava com Junior Durski, criador do Madero, rede de hamburguerias da qual é sócio.
O prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), também esteve no rol dos que sentaram com Huck. Há três meses, o tucano participou de evento no Instituto Criar, ONG fundada em 2003 pelo apresentador.
A lista de interlocutores reflete proximidade com partidos que buscam se posicionar ao centro do espectro político. Hoje sem filiação, o comunicador estabeleceu pontes com o Cidadania, antigo PPS (destino mais provável caso efetive a candidatura), o DEM (jantou com o presidente da legenda, ACM Neto) e o PSDB (onde tem a bênção de Fernando Henrique Cardoso, há tempos entusiasta de uma aventura eleitoral sua).
FHC, que costuma ser ouvido por Huck em momentos decisivos, continua reiterando simpatia à candidatura para a Presidência da República.
O núcleo embrionário em torno da ideia reúne figuras experimentadas: Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central (governo FHC); Paulo Hartung, ex-governador do Espírito Santo (que passou por PMDB, PSDB, PPS e PSB e hoje está sem partido); e Roberto Freire, dirigente do Cidadania, disposto a tudo para garantir o “passe” do novato.
Também orbitam o projeto: o cientista político Leandro Machado, do Agora!, movimento que o apresentador integra desde 2017 e que formula políticas públicas; e o empresário Eduardo Mufarej, que teve a ajuda de Huck para fundar o RenovaBR, curso para novos políticos que depende de doações privadas e se diz suprapartidário.
Atuando como assessores informais, eles se encarregam de dar conselhos ao apresentador e de aproximá-lo de potenciais aliados, tanto no ambiente político quanto no meio empresarial e no setor não governamental.
Nessa mesma toada, Huck adota publicamente um discurso de conciliação e respeito às diferenças. Há alguns dias, em um seminário promovido pela revista Exame em São Paulo, disse ser uma pessoa “com a cabeça aberta”, avessa à lógica de polarização.
À esquerda, contudo, ele direcionou ataques desde o segundo turno da eleição de 2018. Quando a disputa estava entre Bolsonaro e o petista Fernando Haddad, Huck falou: “No PT eu nunca votei e jamais vou votar. Isso é fato”.
No imbróglio entre Tabata Amaral e a cúpula do PDT de Ciro Gomes, o apresentador ficou do lado da deputada federal, eleita com o apoio da escola de políticos RenovaBR, uma das organizações de renovação que ele apadrinha.
No mesmo evento da Exame, no qual deixou na plateia a impressão de já falar como presidenciável, Huck alfinetou Lula (PT), ao criticar a retórica do ex-presidente. “O ‘nunca antes na história deste país’ só foi possível porque antes disso teve um governo que organizou e equilibrou o Estado”, afirmou, em alusão à gestão FHC e ao Plano Real.
Na palestra, Huck apresentou à plateia de executivos um conceito com jeito de slogan de campanha: disse acalentar um “sonho maior” para o Brasil, uma plataforma que envolveria diminuição da desigualdade, eficiência da gestão e crescimento econômico aliado a programas sociais.
O “país afetivo” a que ele se refere nas declarações seria o reflexo de uma visão híbrida, nem de direita nem de esquerda, que conciliaria valores liberais na economia com um dedo do Estado em políticas de enfrentamento à miséria.
Ele emerge como “um excelente candidato para derrotar a disjuntiva nefasta entre lulopetismo e bolsonarismo”, na opinião de Freire. “Tem uma boa visão do mundo e compreensão política dos problemas brasileiros”, acrescenta o apoiador.
Enquanto tenta se colocar como alguém que circula bem da Faria Lima (a avenida do PIB em São Paulo) aos grotões do país (onde entrevista anônimos para quadros de seu programa), Huck e seus correligionários sondam o terreno.
E no caminho há o governador paulista, João Doria (PSDB), apontado também como candidato a preencher a lacuna do centro. Ainda que o pleito esteja distante, interlocutores do apresentador já fazem cálculos e projeções de cenário. Dizem que ambos têm pontos fracos e fortes.
Huck tem em suas mãos pesquisas demonstrando que é conhecido nacionalmente (graças a uma carreira de mais de 20 anos na TV) e goza de popularidade da classe A à E. Numa eleição, encarnaria a figura de outsider e conseguiria angariar apoio das celebridades de quem é amigo.
Doria, por outro lado, tem armas competitivas: controla a máquina do principal estado do país e a estrutura do PSDB, acumula experiência de gestão, rivaliza à altura em habilidade de comunicação e sabe também manejar o apoio de empresários e artistas.
Huck e Doria, não por acaso, viraram alvo de ataques de Bolsonaro —e pelo mesmo motivo. Em agosto, o presidente disse que ambos se aproveitaram da “teta” do BNDES, por terem comprado jatinhos a juros subsidiados pela instituição.
O apresentador, em resposta, sustentou que a negociação foi feita dentro da lei. Depois decidiu se calar sobre o episódio, no estilo “quando um não quer, dois não brigam”.
Recentemente, disse a amigos ter ficado com a impressão de que o escândalo pretendido por Bolsonaro teve efeito passageiro, já que, nas incursões país afora para gravações, ele não ouviu provocação ou comentário sobre o tema.
O entorno de Huck está consciente de que polêmicas nas quais ele se envolveu ao longo da vida voltarão à tona no contexto de guerra eleitoral. Além do jatinho, o grupo antevê adversários resgatando a amizade do apresentador com o deputado Aécio Neves (PSDB-MG).
Para isso o posicionamento também já está dado: Huck era, nas palavras de um interlocutor, “amigo de balada” d o tucano, que caiu em desgraça após a Lava Jato. O apresentador disse que sentiu “enorme tristeza” com o que foi revelado pelas investigações e que se decepcionou com Aécio, para quem fez campanha na eleição presidencial de 2014.
A parte negativa de seu currículo tem ainda uma condenação por dano ambiental em sua casa de Angra dos Reis (RJ), pela qual pagou multa de R$ 40 mil, afirmações do passado consideradas machistas e a vez em que supostamente estimulou turismo sexual no Brasil durante a Copa de 2014.
Antes de revisitar essas questões, ele terá que resolver sua situação na Globo, onde tem contrato até 2021. Questionada, a emissora não comentou o caso específico de Huck, mas disse ter “uma política interna sobre eleições ainda mais rigorosa do que a lei”.
Segundo a nota, o canal “respeita a liberdade de manifestação de pensamento, expressão e informação” dos funcionários, “mas entende que posicionamento pessoal e profissional não podem se misturar”.
A Globo afirmou que, no período que antecede anos eleitorais, lembra a profissionais de seus quadros “sobre as regras que, entre outras restrições, impedem que contratados da emissora que desejem se candidatar permaneçam no ar em qualquer programa”.
Procurado pela Folha, Huck preferiu o silêncio. Sua assessoria informou que ele não conseguiria dar entrevista. A primeira das perguntas enviadas a ele era: “O sr. quer ser candidato a presidente da República em 2022?”.
Fonte: Folha de S. Paulo
Créditos: Folha de S. Paulo