Insatisfeita com o peso e infeliz no casamento, Elisângela de Paula, 31 anos, começou a levar marmitas para o trabalho e se alimentar bem após uma aposta na empresa. A seguir, ela conta como isso a ajudou a emagrecer, se encontrar na corrida e descobrir a paixão por cozinhar:
“Minha luta contra a balança começou aos 12 anos. Estar acima do peso sempre me incomodou e, por conta disso, fiz inúmeras dietas ao longo da vida. Seguia o planejamento de segunda até quarta, mas na quinta já estava desanimada. Passei por médicos, tomei remédios, fiz muita loucura para emagrecer. Às vezes, até conseguia reduzir alguns quilos, mas nunca mais do que cinco.
Quando comecei a namorar meu ex-marido, eu pesava 83 kg (tenho 1,67 m de altura). Ele falava que eu não precisava emagrecer, vivia me elogiando, dizia que eu era linda. Porém, com o passar do tempo se mostrou extremamente ciumento e suas atitudes passaram a ser agressivas e contraditórias. Ele me chamava de gorda e feia, dizia que tinha muita sorte de ele ter ficado comigo e morria de ciúmes de todos, absolutamente todos.
E fazia piadas muito desagradáveis. A clássica era que sua calça era tamanho 42 e a minha 48. Outra: dizia que ‘mulher para casar com ele (morávamos juntos, mas não éramos de fato casados) tinha de pesar menos de 60 kg’ —e quando eu chegasse a esse peso, aí sim, subiríamos ao altar.Quando eu decidia fazer dieta, no entanto, ele me boicotava. Adoro doces e isso sempre foi um problema para mim. Bastava dizer que tinha começado um processo de emagrecimento para ele trazer doces e reforçar que eu não iria conseguir.
O excesso de peso começou a gerar muitas complicações em minha saúde, como esofagite, gastrite, gordura no fígado e dores nas pernas. Mas o pior mesmo eram os golpes no meu psicológico. Um momento terrível aconteceu no Réveillon de 2014 para 2015. Viajamos para a praia. Eu tinha comprado uma saia para a festa e, quando fui vesti-la, não serviu. Meu ex deu risada da minha cara e disse: ‘Ao infinito e além, além da gordura’.
Quando voltamos procurei um médico, que me indicou a cirurgia bariátrica. Mas eu teria que engordar alguns quilos para me encaixar na indicação do procedimento. Tive medo da operação e resolvi ir por outro caminho. Na empresa em que trabalhava, todo início de ano o pessoal fazia um “bolão de emagrecimento”. Várias pessoas colaboravam com R$ 50 e quem perdesse mais peso no período de um mês levava os R$ 1.500 arrecadados. Decidi participar. Não venci o desafio, mas consegui emagrecer 8 kg. A estratégia foi apostar na reeducação alimentar: cozinhava minhas marmitas para a semana inteira e levava para a empresa.
Sempre fazia as marmitas depois do almoço de domingo, o que deixava meu ex-marido terrivelmente mal-humorado. Eu ficava na cozinha cerca de quatro horas, produzindo 28 refeições da semana. Na semana, carregava em uma bolsinha simples de tecido tudo que iria consumir durante o dia: desde o café da manhã (porque saia de casa às 5h30) até lanches e o almoço.No primeiro mês, preparei a comida de acordo com o que achava certo, sempre com o pensamento em cortar doces, frituras e massas. No segundo mês, passei com a nutricionista da minha empresa e comecei a seguir um cardápio simples, barato e bastante repetitivo. Geralmente comia uma crepioca no café da manhã; frutas picadas no lanche da manhã -e de sobremesa gelatina ou paçoca zero; no lanche da tarde quase sempre tinha legumes cozidos (abobrinha, chuchu).
Meu marido continuava tentando boicotar-me, oferecendo besteiras o tempo todo. Isso me fazia sentir muita raiva dele. Mas dessa vez estava firme e consegui resistir. Quanto mais emagrecia, mais brigávamos
Em uma discussão que tivemos em outubro de 2015, causada por ciúmes, eu disse que queria me separar. Cheguei a arrumar as malas para ir embora. Mas aí ele veio com o argumento de que já tínhamos uma viagem de final de ano marcada e, para não ficar chato, poderíamos viajar e depois nos separar. Ele achava que isso não fosse acontecer.
Partindo do princípio de que não era mais casada e poderia fazer o que quisesse, mesmo que o contrariasse, passei a ir ao parque caminhar duas vezes por semana. Também era uma forma de ficar mais tempo longe de casa. Eram as duas horas mais felizes da minha semana. Isso também ajudou no processo de perda de peso.Chegou o final do ano e viajamos. Voltamos para casa em 1 de janeiro de 2016 e este é o exato dia da minha separação. Não sei nem explicar o que foi ir ao parque a partir daí: experimentei uma sensação de liberdade, senti o vento no rosto, curtia a possibilidade de fazer o que eu quisesse. Passei a correr por 50 minutos e depois ficava sentada na grama, pensando na vida. Em pouco tempo meu peso baixou ainda mais e atingi os “60 quilinhos” que ele tanto falava. Mas aí eu já estava feliz comigo mesma!
Não tive apoio da família quando falei em separação. Diante das pessoas ele era um ótimo homem, calmo, gentil, amoroso. E ainda tive de lidar com todo o planejamento e logística para continuar me exercitando. Fui morar na zona leste de São Paulo, com minha mãe, e trabalhava na Vila Olímpia. Levantava às quatro da manhã, arrumava minhas coisas e ia para o parque. Ficava lá das 5h às 6h30. Naquela época não tinha orientação nenhuma: era eu, um par de tênis que usava para tudo, meu aplicativo de celular para medir a distância e minha enorme vontade de mudar. Pagava uma academia apenas para tomar banho e, às 7h30, pontualmente, todos os dias, estava na minha mesa de trabalho.
No tempo que ficava no parque após a atividade física, refletia muito, sabia que não podia contar com ninguém, que precisava ter coragem ou viveria para sempre infeliz. E cada vez que corria e percebia minha evolução, eu me tornava ainda mais forte, notava a minha grande capacidade de reagir.
Diante desse cenário, tracei como objetivo comprar um apartamento. Isso me fez ir trabalhar em empresas que demandavam um volume de serviço absurdo — chegava a virar a noite trabalhando. Em dias normais saia depois das 23h. Minhas marmitas, programadas para todos os momentos do dia, começaram a chamar a atenção dos colegas, que passaram a pedir que eu fizesse igual e vendesse para eles. Foi daí que nasceu a ideia de montar a “Marmitaria da Lila”.Hoje, faço as marmitas na casa do cliente ou na minha casa, seguindo o cardápio da nutricionista dele. Atendo dois clientes por dia e ainda tenho tempo para me cuidar e treinar. Também casei novamente e tornei meu esposo um corredor.
É demais a sensação de união que eu e meu atual marido temos ao acordar às 6h para correr no sábado, por exemplo
A primeira vez que fui ao parque caminhei 4 km em 60 minutos. Agora, sou capaz de correr 10 km em 55 minutos. Com a evolução no esporte, decidi contar com a orientação de uma assessoria esportiva e surgiu a vontade de correr uma maratona. E aos poucos sei que vou chegar lá. A corrida fez com que eu acreditasse em mim, saísse de um casamento infeliz, emagrecesse 28 28 kg e largasse 10 anos de escritório por uma carreira nova —enfim, trouxe sentido para minha vida. Essa minha trajetória me dá muito orgulho.”
Foi um processo de fora para dentro: precisei descobrir a alimentação saudável como estilo de vida, depois veio a corrida para me dar disposição e vontade de viver e só então consegui entender o que eu realmente gostava de fazer —que é cozinhar!
Fonte: Terra
Créditos: Terra