O ego descontrolado é uma doença que se tornou epidêmica, um vexame, só que ninguém se envergonha, ao contrário, cada um de nós luta pelo seu quinhão de seguidores e bajuladores. Quem não é visto, não é lembrado: uma humilhação viver em função disso. No fundo, o que gostaríamos mesmo era de dar uma sumida. O objeto do desejo passou a ser a invisibilidade, mas ela tem um custo alto.
Fernanda Young tinha um ego potente — e um talento proporcional. Entregava o prometido, nada era da boca para fora. Escrevia, criava, interpretava, se expunha, se jogava: com ela, era das entranhas para fora. Acabou virando um ícone, cuja morte aos 49 anos deixou a todos perplexos. Como assim, de forma tão súbita? Foi uma saída de cena surpreendente e de uma coerência involuntária. Morreu de uma parada cardíaca, mas, vá saber, talvez também do cansaço de existir tão intensamente.
Viver tem sido esgotante. Estamos fartos da violência, de todas elas. A violência do julgamento alheio, a violência da burrice, a violência da desesperança: como se destacar nessa sociedade de protagonistas, em que todos podem tudo?
Inclusive podem dar outro final aos fatos. Algum cineasta, um dia, talvez faça Fernanda Young viver até os 100 anos, assim como Tarantino conseguiu, em seu novo filme (“Era uma vez… em Hollywood”), nos enternecer e nos fazer suspirar de alívio ao trocar a violência de lugar, substituir a real pela caricata, aquela que é tão exagerada que se torna risível. Tarantino fez não apenas um bom filme, mas um filme bondoso, um filme que resgata nossa ilusão de que os mocinhos têm alguma chance.
E assim, misturando assuntos — a magia do cinema, a potência de Fernanda, um livro japonês, o desdém pelos outros, nossos egos inflados, a angústia universal — chego aqui, torcendo para que você não saia dessa página de mãos abanando, que ao menos acredite que ainda dá tempo de sermos melhores como seres humanos…