Um petista trama a minha morte por afogamento

Gilvan Freire

Sexta-feira, 13, fechei o escritório e fui à Multifeira, no Espaço Cultural, onde a mulher e a filha me esperavam. Era para desanuviar, após um dia de chuva, friorento, desses em que a preguiça toma o lugar da coragem. Queria ver muitas pessoas, encontrar velhos e novos amigos, trocar afetos e umas palavrinhas de prosa, dentro do possível.

Mal entrei, meio desajeitado, com um guarda-chuva comprido debaixo de braço, parecendo um ferroviário aposentado, encontrei um militante petista histórico, mais lulista do que eu, desses que sabem que só Lula me une ao PT – e o mais desune. Foi logo me dizendo: – ‘Eu odiava você!’, ‘só porque você era ligado aos Cunha Lima e já foi ligado também a Ricardo Coutinho’, completou.

Não é a primeira vez que pago pela culpa dos outros, ou pela minha simples culpa de conviver com os outros, ainda que nunca tenha sido acusado de fazer mal a ninguém. Coisas da vida, que não pode ser vivida sem culpa.

Como desejava, em minha vaidade escondida, queria ser reconhecido e abraçado, pois isso faz parte de minhas necessidades afetivas, algo que ainda está crescendo porque, como o semeador, plantei sementes em todo lugar. E continuo plantando.

Foi ai que o velho militante de esquerda me puxou pelo braço, isolando-me das circunstantes que me cumprimentavam, e iniciou uma longa conversa que duraria pelo menos uma hora, da qual sai convencido de que, se não amo o PT, sou pelo menos capaz de amar os petistas. Tem nada não, amar é preciso, desamar nunca será preciso.

RC, ASTROLGIA E MEDO

A conversa forçada girou em torno de uma multifeira de opiniões, onde pequena parte ocupou-se de RC, o homem controvertido que recebe combate hoje até de seus discípulos e clones. Até ai tudo parecia normal, não fosse eu ter descoberto que o que me une aos petistas, além de Lula, é a paciência. Tirei a prova ali, enquanto ouvia o antigo desafeto gratuito descambar para a astrologia, fascinação que ele adquiriu pelo fato de ser geógrafo e mais ainda por não se desgrudar das estrelas, o astro símbolo do PT. Me dei mal, foram 45 minutos de horror, um castigo que eu não mereceria se não estivesse em permanente conflito com o partido estelar, uma constelação de astros que se move pela lei do emprego público mais do que se deixa mover pelas leis cósmicas e da física.

Disse-me o novo aliado circunstancial, depois de longa exposição sobre um suposto apocalipse iminente, que estaria anunciado pelos astros e seus mistérios, por ele mesmo decifrados através de muitos estudos e pesquisas. Fiquei abismado e trêmulo.

Entre outras coisas, me atormentou dizendo: – ‘se não for em setembro próximo, será em 2013. Daí não passa. Ondas gigantes devastarão os continentes e avançarão até 600 quilômetros da costa. É precisamente na hora em que planetas e astros se alinharão.’

Pensei logo que os astros estelares petistas estão se alinhando em João Pessoa. Embora sem renúncia às sinecuras públicas, o apocalipse virá de outra forma. Mas é coisa da órbita política.

Mas foi na bucha que meu astrólogo preferido ressalvou, tentando minimizar as minhas aflições: – ‘De cada sete pessoas, só uma escapará’, fulminando-me com os olhos esbugalhados, como se eu não tivesse a menor chance. Quem mandaria eu não acreditar no PT?

Ainda não tinha encontrado minha mulher, que pelo telefone esbravejava sem trégua. Fiquei em meio a duas bombas atômicas, dominado pelo medo que é a pior de todas as bombas. Não era a primeira vez que o PT me infundia pânico.

Calculei que se estivesse em companhia de um petista na hora em que somente uma em sete pessoas poderia escapar do apocalipse astral, eu não escaparia, porque os petistas são familiares às estrelas; eu, para piorar, sou contra a forma como essas estrelas agem em nosso firmamento. Não gosto do jeitão delas.

TENHO MAIS MEDO DA MULHER QUE DO PT

Fui saindo apressado, amedrontado e angustiado. E ele me seguiu até que eu encontrasse minha mulher, furiosa mas sem saber da missa um terço, que me disse um bocado de desaforos, enquanto eu olhava para o meu algoz como se quisesse transferir-lhe tudo que estava recebendo de carinho – uma pequena recompensa a quem quis me afogar em suas águas e me matar com apoio dos astros malignos. Sentindo o clima, em que só eu sofria e todos torturavam, o pensador disse: – ‘Vou embora, vou morar num lugar onde as águas não chegarão, adeus Gilvan, te admiro muito!’ Porque um petista acha de me admirar exatamente na hora em que o mundo está se acabando por causa do alinhamento das estrelas?

Finalmente, minha mulher jogou-me aos pés uma montanha de pacotes pesados, que eu teria de carregar, e apresentou a conta, não menos montanhosa, indiferente ao meu apocalipse estelar. Só eu me achava punido varias vezes sem culpa, a não ser a de me envolver com os astros. Mas, pelo menos, descobri duas coisas interessantes: a primeira é que em qualquer multifeira haverá sempre homens multiuso como eu. Segundo: quando o apocalipse chegar, um em cada sete petistas poderá escapar, seis sumirão. Se eu ficar vivo, chorarei – muitos são queridos e diletos amigos dos velhos tempos.

Lembrei-me, por fim, do que o astrólogo me disse durante a conversa: – ‘ A Terra, ao contrário do que muita gente pensa, é ôca’. Aqui pra nós (para que minha mulher não saiba, a fim de evitar mais broncas), eu também sou ôco. Tive a certeza naquele dia. E a culpa é dos astros. Quem mandou eu não acreditar neles?