Eduardo Costantini fala sobre seus sonhos

"Não vendo 'Abaporu' nem por muitos e muitos milhões de dólares", diz criador do Malba

Lula

No seu escritório de poucos metros quadrados no Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires (Malba), o colecionador e empresário argentino Eduardo Costantini fala sobre seus sonhos. Muitos deles foram realizados, e alguns foram bem caros. É o caso do quadro “Baile de Tehuantepec”, de Diego Rivera (1886-1957), que custou US$ 15,7 milhões e foi comprado quando ele menos esperava. “Era um sonho antigo”, conta. Voz mansa, Costantini ri um pouco mais forte ao falar sobre a aquisição da pintura de 1928 do artista mexicano. Neste ano realizou mais um sonho, ao comprar “Simpatia”, de Remedios Varo, que custou US$ 3 milhões.

De camisa branca, calça, casaco e bota curta da cor preta, Costantini recebe a reportagem para este “À Mesa com o Valor” no seu escritório decorado com porta-retratos e um pequeno vaso de flores brancas. Do lado de fora, um cartaz com letras garrafais anuncia que o Malba está à venda. Trata-se, no entanto, de uma das 21 instalações da mostra do artista argentino Leandro Erlich, que ficará em exibição até outubro.

O Malba, localizado em Palermo Chico, a área mais nobre de Palermo, concentra a principal coleção de arte latino-americana do mundo. São quase 700 obras, incluindo a coleção pessoal do economista de formação. Quando criou o museu, há 18 anos, ele doou as suas 223 obras para a instituição. E recomeçou sua coleção particular praticamente do zero. São agora 600 obras em suas casas em Buenos Aires (Argentina), Punta del Este (Uruguai) e Miami (EUA).

Costantini se lembra das “masitas” (biscoitinhos), que estão num prato branco na mesa de centro com tampo de vidro, e oferece à repórter. Ele pega uma de chocolate.

Entre brasileiros, o empresário é mais conhecido por um episódio que até hoje mexe com o orgulho nacional. Em 1995, ele arrebatou em um leilão da Christie’s, em Nova York, “Abaporu” (1928), de Tarsila do Amaral (1886-1972), quadro mais valioso da arte brasileira e símbolo do modernismo local. Costantini adquiriu a obra por US$ 1,3 milhão e diz que não a venderia nem por um avião de dinheiro. Recentemente emprestada ao Masp para a exposição “Tarsila Popular”, o trabalho foi um dos grandes responsáveis pelo interesse (e pelos selfies) dos 402.850 visitantes que bateram o recorde de público do museu paulistano em julho.

Segundo Costantini, a obra de Diego Rivera foi a mais cara que já comprou. Em 2016, estabeleceu um recorde para uma obra latino-americana. “Baile de Tehuantepec” é como um símbolo da vida do empresário. “Meu desejo é continuar bailando”, diz Costantini. Aos 72 anos, ele tem sete filhos (de dois relacionamentos), 20 netos e dois bisnetos. Continua na pista, ativo. “Sempre pratiquei esporte. Futebol, tênis, saltos ornamentais na piscina, além de windsurfe e kitesurfe.” Ele namora a modelo argentina Elina Fernández Fantacci, de 30 anos, que costuma postar no Instagram fotos do casal em passeios por museus de Nova York e em eventos no Malba. “Sou um romântico”, costuma dizer.

“Meus filhos têm idades de 16 a 52 anos. São sete, acho pouco. Fui pai aos 20 e avô aos 40 anos. Fui bisavô tarde porque meus netos se casaram tarde”, diz. Virou bisavô no ano passado. E como seus netos lhe chamam? “Uns de avô e outros de Eduardo.”

Com uma fortuna de US$ 790 milhões, segundo a revista “Forbes”, Costantini é o 17º homem mais rico da Argentina. Ele trabalhou em empresas do setor financeiro e, em 1980, fundou a Consultatio Bursátil. Onze anos depois, criou a Consultatio S.A., com as unidades de negócios imobiliários. Costantini afirma que recusa créditos na praça. “Acho que não ter dívidas é fundamental para os negócios.” Em um país com a economia instável como a da Argentina, afirma, “considero que somos sobreviventes” como empresa.

Gerónimo Molina/Sub.CoopCom fortuna de US$ 790 milhões, Costantini é o 17º homem mais rico da Argentina e criou a Consultatio S.A., que vai investir US$ 400 milhões na construção de um complexo em Puerto Madero

Além de colecionar arte, um de seus prazeres é identificar terrenos ou edifícios com potencial para receber grandes empreendimentos. Em junho, anunciou que sua empresa investirá US$ 400 milhões na construção de um complexo de escritórios na valorizada região de Puerto Madero, em Buenos Aires. O projeto é superlativo: pretende ser o maior ou um dos maiores do país. Outros US$ 100 milhões serão investidos, na mesma área, na construção de um edifício residencial com perfil para os jovens que moram e estudam nas redondezas.

Unir os ramos imobiliário e artístico é o que pretende continuar fazendo. A diferença, costuma dizer, é que arte não é um negócio para ele. O empresário começou a acumular sua fortuna no fim dos anos 70, quando juntou os resultados de seus investimentos financeiros e comprou, no centro de Buenos Aires, um terreno por US$ 240 mil. Poucos meses depois, passou-o para frente por US$ 1 milhão. Quando viu o terreno, sabia que valia muito mais, costuma relembrar.

O Malba surgiu a partir de uma sensação de frustração. Um dia, ele estava em uma ala do tradicional Museu Nacional de Belas Artes de Buenos Aires, no bairro da Recoleta, e disse para si: “Este lugar é pequeno para minhas obras. Preciso de um lugar maior”. Cinco anos depois, o colecionador e empreendedor inaugurava o Malba. Era setembro de 2001, três meses antes da queda do presidente Fernando de la Rúa (1937-2019), em meio a panelaços, fechamento de bancos e fuga de capitais.

Com mais de 7 mil m2 de mármore e vidros, com auditório e livraria, o Malba foi um investimento inicial de US$ 25 milhões, sem contar as obras de arte. Na época, as peças eram estimadas em cerca de US$ 50 milhões. Entre elas, uma de suas “peças fundamentais”, como gosta de dizer, o “Abaporu”, de Tarsila do Amaral, parte do acervo permanente do museu. Ele fala em “Tarsila” com intimidade e sorri novamente. “Espero que devolvam”, diz, brincando, sobre o empréstimo do quadro ao Masp.

Costantini pega sua segunda “masita”, desta vez uma espécie de prancha fina salpicada de açúcar branco. As “masitas” são típicas dos cafés de Buenos Aires. Quando se pede um café na cidade, geralmente ele vem acompanhado por três ou quatro delas.

Em 2011, quando “Abaporu” participou da exposição “Mulheres Artistas e Brasileiras – Produção do Século 20”, no Palácio do Planalto, houve uma conversa entre a então presidente Dilma Rousseff (PT) e o empresário, sobre a repatriação de “Abaporu”, mas nada mais. Anos depois da compra do quadro, o colecionador e empreendedor imobiliário disse que um grupo de investidores brasileiros havia lhe oferecido cerca de US$ 20 milhões pela obra. Sua resposta foi não. “O ‘Abaporu’ é hoje daquelas obras que, de tão valiosas, já não têm mais preço. Não a venderíamos nem por muitos e muitos milhões de dólares”, diz Costantini, enquanto cruza as pernas. “Os museus não podem vender suas obras importantes porque isso desnaturaliza a missão do museu. A maior fortaleza do Malba é sua exposição permanente, e o ‘Abaporu’ é uma obra capital dentro da coleção. Vendê-la seria uma perda histórica para o Malba.”

Tarsila deu “Abaporu” ao seu marido na época, o escritor Oswald de Andrade (1890-1954). Uma das principais obras do período antropofágico do movimento modernista no Brasil, a pintura costuma ser tema nas matérias de literatura brasileira nas universidades argentinas, que incluem visitas ao museu. Já foi emprestada pelo Malba a museus dos Estados Unidos e é a atração que explica o fato de o brasileiro ser o estrangeiro que mais visita o Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires. “Os brasileiros visitam Buenos Aires pela aproximação com as cidades brasileiras. Mas chegam aqui ao Malba para ver Tarsila.”

Costantini dá prioridade ao Brasil quando o assunto é pedido de empréstimo de “Abaporu”. “Mas emprestar uma obra-chave do Malba é sempre complicado. O mesmo acontece quando me pedem Frida Kahlo emprestado”, diz Costantini. “Abaporu” tem voltado ao Brasil de tempos em tempos, como em 2008, na Pinacoteca do Estado de São Paulo; em 2016, no Museu de Arte do Rio (Mar), durante a Olimpíada; ou neste ano, no Masp.

Desde quando comprou “Abaporu”, há 24 anos, o empresário vinha repetindo que queria adquirir “Baile de Tehuantepec”, de Diego Rivera, quando lhe perguntavam qual era seu sonho de compra no mundo da arte latino-americanas. “Em 1995, eu vi as duas obras juntas, a de Diego Rivera e a de Frida Kahlo, mas eu não poderia comprá-las. Comprei a de Frida [‘Autorretrato con Loro y Chango’] e, mais de 20 anos depois, o mesmo leiloeiro me liga para dizer que eu era o primeiro da lista para comprar o ‘Baile de Tehuantepec’. Foi uma surpresa”, diz. A obra tinha desaparecido porque o comprador daquele leilão de 1995, na Sothebys, não a emprestara a nenhum museu.

“Ele a tinha em sua casa em Manhattan, com Picasso, Dalí e outros. E poucos dias depois que ele morreu, seu filho quis vendê-la. Foi quando Augusto Uribe [o mesmo leiloeiro, agora na casa Phillips] me ligou, e eu perguntei: ‘Você está me dizendo que é aquela mesma obra?’. E ele: ‘Sim’. Matou todas as minhas finanças, e fiquei um mês brigando pelo preço, mas a comprei.” Desta vez, a venda foi direta, sem leilão. Hoje, o quadro de Frida está ao lado do “Baile”, de Rivera, no Malba.

“Paciência”, palavra que repete cinco vezes nesta tarde de chá e “masitas”, está ligada ao modo de agir de Costantini. “Acho que comprei o ‘Baile’ porque tive paciência, porque não desisti.” Foi assim em 2003, quando sofreu um acidente praticando kitesurfe. O vento jogou o empresário contra pedras em uma das áreas do complexo imobiliário Nordelta, que planejou há 20 anos e hoje tem cerca de 40 mil moradores. “Eu fiquei 12 dias em coma. Mas, quando o acidente aconteceu e eu ainda estava consciente, sabia que tinha tido levado um golpe forte e quebrado muitos ossos. Pelo barulho pensei que tivesse quebrado a coluna. Por sorte, não quebrei. Mas quebrei três costelas, perfurei o pulmão, fraturei o calcanhar.”

Costantini não precisou operar a coluna vertebral. “Quando acordei do coma, os médicos me falaram que tive muita sorte. Em 80% dos casos de golpes assim, a pessoa perde a mobilidade, porque quebra a medula. Fiquei três meses usando um colete, como o da Frida. Ah, mas a situação dela era pior. Coitada da Frida”, diz. Aos 18 anos, a artista mexicana sofreu um acidente automobilístico e passou por cirurgia na coluna, mas nunca se recuperou totalmente. Durante a vida toda sofreu dores.

O empresário utilizou, então, outra de suas ferramentas, o foco. Por um triz não tem a voz embargada, ao relembrar o episódio. “Coloquei todo o meu foco, toda a minha energia em me recuperar, em ficar bom – e fiquei.” Pouco tempo depois, ele era fotografado praticando o mesmo esporte, além de windsurfe, em Punta del Este, onde há anos passa seus verões. Neste ano, praticou kitesurf com amigos e filhos.

Sua família é de classe média alta, e ele cresceu na bucólica San Isidro, a cerca de 1h30 do centro de Buenos Aires. Seus pais tiveram 13 filhos – sete homens e seis mulheres. Costantini foi o quinto filho e poderia ter seguido os passos de outros parentes – advogado e contador público, como o pai; juiz, como seus avós; ou médico, como seu bisavô. Mas escolheu a economia. E sabia que queria ser empresário, ter seu próprio negócio.

Sua empresa é dedicada ao desenvolvimento de empreendimentos imobiliários inovadores, de grande categoria e localizações privilegiadas e sempre sob a direção de seu fundador, segundo o site da companhia. Eduardo Costantini possui 70% do negócio.

A lista de empreendimentos inclui a “cidade-bairro” Nordelta, que tem 27 bairros, lagos, áreas verdes, cinco escolas (quase todas bilíngues espanhol e inglês), cinco salas de cinema, 18 restaurantes, clínicas médicas, campos de golfe, de tênis, de futebol, de rúgbi (uma das paixões nacionais) e um heliporto.

Nordelta fica no município do Tigre, a cerca de 2h do centro de Buenos Aires. Segundo o site imobiliário Reporte Inmobiliario, há casas à venda, por exemplo, no bairro Nordelta Golf Club, por US$ 2,2 milhões. “Nós estimamos que os moradores do Nordelta, como um todo, já investiram mais de US$ 3 bilhões na cidade.”

E isso ocorre, diz, num país onde o crédito hipotecário é quase inexistente. Na Argentina, seja pela voragem das suas crises profundas, como aquela de 2001, seja pela constância com que cada presidente parece querer – ou precisar – reinventar as regras econômicas, guardar dinheiro costuma ser ensinado desde a infância. Ou melhor, guardar dólares, no banco ou nos esconderijos menos esperados em casa, como atrás da caixa da tomada na parede, por exemplo.

Na eleição de 27 de outubro, Costantini tem preferência pelo presidente argentino, Mauricio Macri, cuja principal adversária é a chapa Frente de Todos, composta por Alberto Fernández e sua vice, a ex-presidente Cristina Kirchner. Justifica seu apoio à reeleição de Macri por ele “ser mais republicano”, “porque busca incluir a Argentina no mundo atual” e “porque, apesar da recessão, as bases econômicas agora estão mais sólidas”. Sentado numa cadeira preta de escritório, Costantini mal toca no chá de menta. Ajeita a coluna, apoiada num livro sobre Tarsila do Amaral porque ainda se recupera de uma lesão no ombro esquerdo que sofreu jogando golfe.

O empresário rejeita o kirchnerismo. “A administração anterior ignorou princípios e valores. Falsificou estatísticas, se intrometeu no Poder Judiciário e tem altos índices de corrupção, que envolvem também a ex-presidente. Seria muito ruim para a Argentina que, apesar da crise econômica, os argentinos votem pelo retorno desses comportamentos”, diz. “Para mim, não importa a ideologia ou religião da pessoa. Para mim, o principal é a honestidade. Em nome da religião e da ideologia, a gente vê cada coisa por aí…”

Para os argentinos, o imprevisível na área econômica está sempre à espreita. E o dólar é sua moeda tradicional de refúgio. “A Argentina é um país excepcional por vários motivos. Um deles é a realidade da ‘bimoeda’ [pesos e dólares] e o outro é porque o crédito hipotecário é praticamente inexistente. E, mesmo assim, muitos conseguem comprar ou fazer sua casa, como vi no Nordelta”, diz Costantini. O peso, a moeda nacional, afirma, é usada apenas para transações cotidianas no país.

Essa realidade acompanha o histórico de inflação da Argentina, único país do Cone Sul que ainda não resolveu o problema que se alastrou pela região nos anos 80. Guardando o que podem, os argentinos estão tentando proteger seu dinheiro, como muitos dizem em Buenos Aires. A inflação argentina, neste ano, deverá ficar em 40%. No ano passado, ela foi de 47%.

Segundo dados do Banco Central da República Argentina (BCRA), em junho, em virtude do pagamento da metade do 13º salário (na Argentina, “aguinaldo”, pago em duas vezes no ano), a compra da moeda americana subiu 20% em relação a maio. De acordo com dados oficiais, os argentinos têm mais de US$ 270 bilhões fora do sistema financeiro nacional, incluindo contas bancárias no exterior, bônus, ações e outros. Quase a metade do Produto Interno Bruto argentino (PIB).

Mas Costantini tem suas ressalvas. “A Argentina não tem a taxa de poupança que tem a cultura asiática. A Argentina, como toda a América Latina, poupa menos do que os asiáticos. A economia asiática tem muita poupança e muito investimento”, diz. “Nós temos uma poupança moderada e investimento baixo. Há um segmento da população, que, digamos, é privilegiado, que tem maior capacidade de poupança. Esses grupos de família são os que podem comprar a casa própria.”

Para Costantini, planejar o Nordelta foi prever que os argentinos de classe alta e média alta buscavam qualidade de vida longe do barulho da cidade. “Temos sempre que acompanhar a inovação”, diz.

Gerónimo Molina / Sub.Coop“Não importa a ideologia ou religião da pessoa”, diz Costantini, que apoia a reeleição de Macri à Presidência da Argentina

Depois de sete anos de negociações com autoridades uruguaias, Costantini conseguiu seu objetivo: construir uma ponte que deu melhor acesso ao empreendimento Las Garzas. Foram anos de discussões sobre o impacto da obra no meio ambiente. Por ideia do colecionador, a ponte foi, então, assinada pelo arquiteto uruguaio Rafael Viñoly. A obra, sobre a lagoa Garzón, foi doada à comunidade local, e Las Garzas voltou a ser notícia. Não mais pela preocupação com o meio ambiente. Mas pelas festas que Costantini costuma promover nos verões no balneário. Com a ponte de US$ 8 milhões – um desenho de circunferência que permite a vista do mar e da lagoa -, Las Garzas ficou mais perto de lugares badalados como a praia de José Ignacio.

Nem sempre a paciência e persistência de Costantini permitem, porém, a realização de todos os seus sonhos. Em abril, o colecionador quase comprou uma das obras mais disputadas da tradicional feira ArteBA, de Buenos Aires. Do argentino Jorge de la Vega (1930-1971), o quadro “Sem Título” (1967), com 7m de largura, acabou vendido por US$ 1,3 milhão para um comprador cuja identidade não foi revelada. “Uma misteriosa venda milionária e Costantini irritado”, escreveu o jornal “El Cronista”, da capital argentina. “É. Foi vendido para outra pessoa”, limita-se a dizer o empresário, pegando outra “masita”.

Costantini descobriu sua paixão pelas artes quando tinha 23 anos. Não imaginava que quase 50 anos depois seria o presidente de um império das artes da América Latina. Saiu de casa, em San Isidro, a pé e na vitrine de uma galeria estava uma obra do argentino Berni (1905-1981). Foi amor à primeira vista. “Fiquei emocionado.”

No Malba, a obra de Berni “Pan y Trabajo” (Pão e Trabalho), da sua etapa de realismo social, chama atenção do público. “Abaporu”, de Tarsila; “A Festa de São João”, de Candido Portinari; a escultura “O Impossível”, da brasileira Maria Martins, também. Obras de Hélio Oiticica e Lygia Clark idem.

Em março do ano que vem, o Malba fará uma mostra retrospectiva da espanhola radicada no México Remedios Varo (1908-1963), figura-chave do surrealismo. O quadro “Simpatia, La Rabia del Gato” (A Raiva do Gato), de 1955, que Costantini comprou neste ano por US$ 3 milhões e não é exposta publicamente desde 1971, será um dos destaques da exposição.

A relação de Costantini com a arte o projetou para além do setor de empreendimento imobiliário. O Malba não dá lucros, mas prejuízos, diz o colecionador. “Eu jamais usaria o Malba para os meus negócios”, afirma. Mas, hoje, Costantini costuma ser ouvido por investidores, diplomatas e políticos. Um valor difícil de medir em cifrões.

O empresário está atento ao Brasil. “Não sou um grande especialista [no governo Bolsonaro]. Sei da concepção política e filosófica do presidente, e neste ponto não concordo”, diz Costantini. “Já na área econômica existe o desejo de se fazer reformas estruturais para que o Brasil consiga um sistema econômico que gere crescimento e empregos. A Argentina também precisa de reformas. Nossos países têm baixa produtividade, especialmente se comparados com os asiáticos, e muita burocracia.” Para Costantini, Bolsonaro tem conceitos “muito fechados”, “machistas” e “pouco aberto à diversidade e também em relação à arte”.

Já ao fim desta entrevista, com todos em pé para a despedida, Costantini elogia o país. “Tenho enorme afeto pelos brasileiros. São alegres, simpáticos. E admiro a história dos artistas. Através da arte a gente conhece um país, tem empatia por ele, por sua cultura.”

Ele pega o prato branco com as “masitas” e oferece à repórter novamente. Come mais uma e volta ao escritório. Com a porta ainda meio aberta é possível vê-lo colocando o livro de Tarsila, que usara como apoio para a coluna durante a entrevista, sobre um móvel. Parece acariciá-lo. Sua sala volta a ficar silenciosa.

Fonte: Valor
Créditos: Marcia Carmo