Sucesso nas redes sociais, público leitor cativo, participação em grandes eventos literários, contrato assinado com uma das maiores editoras do país, um conto de sua autoria prestes a virar filme. O enredo é capaz de deslumbrar qualquer escritor em início de carreira. Porém, apesar de tudo isso, Diego Moraes resolveu sumir no começo do ano.
O autor cult de Manaus apagou suas redes sociais, onde interagia com os leitores frequentemente, cortou contato com editores e escritores. O que poderia ser mais um truque literário, porém, pode se revelar um caso de polícia. Segundo apurou a reportagem do UOL, Diego usava seus talentos de contador de histórias para enganar leitores dentro e fora do Brasil com o intuito de obter dinheiro.
O escritor costumava abordar seus seguidores em mensagens privadas em redes sociais, oferecendo seus livros, pedindo ajuda financeira ou os dois juntos. Também afirmava que estava doente, com câncer terminal, sem dinheiro para tratamento e alimentos, e usava essa história para pedir dinheiro ou convencer o leitor a comprar suas obras. Porém, os livros jamais eram entregues, até porque, conforme verificado nas editoras, estão esgotados.
A questão da saúde também é posta em xeque, já que, nas diversas mensagens a que a reportagem teve acesso, a versão sobre qual é o órgão atacado pelo câncer muda. Além disso, há também mensagens em que ele dizia estar preso e precisando pagar fiança, envolvido com drogas ou sendo ameaçado por traficantes. Tudo muito similar aos textos de sua obra literária.
Realidade ou ficção?
Apelidado por parte da crítica e também por leitores de Charles Bukowski da Amazônia, Diego Moraes surgiu para o cenário da literatura nacional publicando contos e poemas repletos de becos escuros, escatologia, prostitutas, traficantes, bêbados, mendigos e violência lírica. De personalidade excêntrica, logo conquistou uma legião de fãs nas redes sociais, que não sabiam qual era o limite entre ficção e realidade no que escrevia.
Os relatos de golpe superam a casa das centenas e calcula-se que, com isso, ele pode ter arrecadado um valor que pode chegar a R$ 20 mil. A reportagem obteve mensagens trocadas em privado entre o escritor e as vítimas, bem como um Boletim de Ocorrência registrado contra ele por um leitor, feito no 20º DP, em São Paulo. Nele, a vítima, que prefere não ter seu nome revelado, reclama de ter comprado livros do autor no valor de R$ 270,00. Depois disso, descobriu que na verdade os livros estavam fora de catálogo, por isso jamais foram entregues.
Há cerca de dois anos, Diego também montou um grupo de WhatsApp com vários escritores e leitores do Brasil com quem mantinha contato, a pretexto de falar sobre eventos e oportunidades no meio editorial. Não demorou para que ele começasse a pedir ajuda financeira, sempre em reservado, com as mesmas habituais alegações: doença, prisão ou fome. Ele frisava sempre a necessidade de urgência, passava uma conta na Caixa Econômica Federal e o pedido para que fosse realizado um TED bancário. Logo após o dinheiro entrar, ele bloqueava o contato da pessoa que o tinha ajudado. Para não ser rastreado, também trocava mensalmente o número de seu telefone celular.
Marcelo Adifa foi uma dessas pessoas. Comprou livros que jamais chegaram a suas mãos. “Eu, particularmente, fico triste pela situação toda. Por um escritor ter se perdido assim, por usar a doença como mote para os golpes. Faz anos que falo que o Diego é um personagem de si mesmo, um escritor que se perdeu na loucura de sua obra e se tornou um personagem mesquinho de um livro inacabado”, diz.
A história do “Bukowski da Amazônia”
Por conta dos temas abordados em seus escritos e de sua história pessoal, Diego teve seu estilo associado ao reverenciado poeta, contista e romancista Charles Bukowski (1920-1994). Diego sustenta que aos 21 anos, ainda em Manaus, era usuário de drogas e, após brigar com a família, resolveu ir para São Paulo com a namorada. Após uma série de contratempos, passou um ano morando nas ruas do centro da capital paulista após se viciar em crack. Embora não exista confirmação dessa história, ela funcionou como um manto para sacramentar a aura de escritor marginal de Diego e para enquadrá-lo em um gênero bastante popular de literatura: a autoficção, que paradoxalmente combina dois estilos antagônicos, a autobiografia e a ficção.
Com seis livros publicados por editoras independentes, seus textos romperam a barreira do país e ele chegou a ser editado também em Portugal. Em 2016, foi convidado a participar da Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP) e assinou contrato com a Record, uma das maiores casas editorias do país, para um romance e um livro de contos. Recebeu adiantamento, mas nunca entregou uma linha sequer.
“Reconheço nele um verdadeiro talento. Sabia que ele era excêntrico. Confesso que gostava da atitude dele, essa coisa de ser criador 24 horas por dia, essa aura marginal. Minha impressão era de que ele fazia ficção o tempo todo”, comenta Carlos Andreazza, editor-executivo do Grupo Editorial Record.
Ele conta que, durante um tempo, o escritor o procurava regularmente para dar satisfações sobre os livros, dizendo que em breve os entregaria. No entanto, determinado dia ele surgiu pedindo dinheiro para comprar um computador, pois precisaria dele para escrever, já que o seu havia quebrado. Diante da negativa recebida, ele nunca mais entrou em contato ou respondeu às solicitações da editora, que decidiu não processar o escritor.
O ator e cineasta amazonense Diego Bauer pretende filmar um conto de Moraes chamado “Enterrado no quintal”. Apesar disso, também confessa que nunca sabe o que é real e o que é fictício quando se trata do escritor. “Até mesmo por essa questão de ele ser um personagem de si próprio, não sei até que ponto ele é o que ele escreve, se ele se influencia pelo que ele escreve. Conversando comigo, ele já me falou que tem câncer e que não tem muita perspectiva de vida. Eu confesso que nunca sei se isso é sério, se é verdade, se não é verdade”, afirma.
Embora já tenha tudo acertado para as filmagens, Bauer revela que também perdeu o contato com o escritor. “De vez em quando ele some, mas desta vez ele está sumido faz um tempo mesmo”, completa.
Saída da literatura
A reportagem do UOL conseguiu entrar em contato com Diego Moraes por e-mail, mas ele não quis comentar o assunto tratado na matéria. Respondeu apenas que abandonou a literatura porque ela “só atrai desgraça” e repetiu uma célebre frase do escritor Raduan Nassar: “Dormir é melhor do que escrever”.
Fonte: UOL
Créditos: UOL