Um misto de pantomima, bufonaria e truculência.
Eis a definição do governo Bolsonaro.
O episódio envolvendo a Caixa Econômica Federal o evidencia de modo inequívoco
Reportagem do Estadão/Broadcast revelou o Nordeste é destino de apenas 2,2% do total de empréstimos feitos pela CEF neste ano a governadores e prefeitos de todo o país. O banco autorizou novos empréstimos no valor de R$ 4 bilhões nessa modalidade. Na região, as operações somam míseros R$ 89 milhões.
Apuração da reportagem aponta que a orientação, segundo várias fontes que não quiseram se identificar, partiram do presidente do banco, Pedro Guimarães.
À saída do Palácio da Alvorada, o presidente foi indagado a respeito. Sabe-se lá se com combinação prévia ou não — é provável porque não confio na memória de Bolsonaro para nomes, entre outras coisas —, sua resposta foi ligar para Guimarães e colocar a conversa no viva-voz.
Se Guimarães passar a seus subordinados as instruções com a precisão que exibe na explicação, o banco está condenado ao desastre. Ele negou a discriminação nestes termos:
“Não existe nenhuma indicação para não favorecer uma região ou outra. Este ano, liberamos muito mais dinheiro para a Região Nordeste. O que acontece é que você tem uma série de esteiras de análise. Neste momento, estamos analisando inclusive para o Estado da Paraíba e para o município de São Luís (MA)”.
Nota-se que o segredo da desconversa está na tal “esteira de análise”, seja lá o que isso queira dizer. Mas Bolsonaro parece ter gostado da resposta. A ele pareceu uma contestação eficiente, sobretudo porque ele também não entendeu nada.
A fala do presidente do banco já mereceria uma longa análise: notem que ele não nega que exista a ordem para discriminar; ele prefere recursar a hipótese de que haja a orientação para “não favorecer”…
Guimarães contesta dados que estão no site da própria Caixa. Confrontado com a informação, ele manda ver:
“Esse dado não é algo que reconhecemos. Simplesmente pegaram um dado específico, mas vai ser normalizado. Mas se é 20%, 15%, essa é uma análise técnica. É matemática”.
Entenderam?
O dado não seria válido, embora na página oficial, porque seria “específico”. Ah, agora entendi. Dados específicos não servem. Vai ver é por isso que ele informou que até existe um empréstimo para a Paraíba — vocês se lembram, não? É aquela região composta de nove sub-regiões, e até para São Luís, capital do Maranhão, que é aquele pedaço da Grande Paraíba governado por Flávio Dino (PCdoB), que tem de ser alvo de discriminação — ou de “não-favorecimento” na novilíngua do tal da CEF —, segundo ordens expressas do próprio Bolsonaro a Ônyx Lorenzoni.
Encerrada a ligação, Bolsonaro deu a questão por resolvida e afirmou aos jornalistas: “Isso é igual o desmatamento”.
Opa!
Mas esperem!
Houve, sim, um aumento do desmatamento, conforme apontou o Inpe, e o próprio governo foi obrigado a admitir.
O governo apenas contesta que os números sejam os divulgados pelo instituto. Sem dizer, no entanto, quais são os dados que o governo considera corretos e com base em quê.
É uma pantomima em sentido quase literal. Há sempre gente do governo se mexendo, tentando passar a impressão de que está acontecendo alguma coisa. Quando a intervenção vem em palavras, chega a hora da bufonaria — da vanglória, da jactância sem lastro. E com que propósito: o de sempre rebaixar valores consagrados pela civilização.
Ah, sim: e, no entanto, o Nordeste segue com menos empréstimos. Nesse caso, a “esteira de análise” é só uma bobajada supostamente técnica para tentar disfarçar que a Grande Paraíba está sendo discriminada por uma política oficial.
Fonte: UOL
Créditos: Reinaldo Azevedo