A pauta de julgamentos presenciais do plenário do Supremo Tribunal Federal para o segundo semestre mostra descompasso entre justiça e realidade.
Existe a previsão de serem decididas, na primeira sessão de agosto, quinta-feira, duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) do ano 2000, relativas a medida provisória de Fernando Henrique Cardoso para complemento do Plano Real. A corte se debruça, ainda, em torno de ADI de 1995 contra uma lei mineira sobre servidor público à disposição do Tribunal de Contas.
A inclusão em pauta pelo presidente do STF não é garantia de nada. Poderoso, é capaz de incluir e retirar processo da grade, sem explicações. E, por falta de tempo, como sempre acontece, a deliberação fica para depois.
O site do STF apregoa dezenas de julgamentos nos próximos meses envolvendo ações de inconstitucionalidade ajuizadas antes de 2005. É um túnel do tempo. Ressurgem nomes de outrora, como Aldir Passarinho, Octavio Gallotti, Néri da Silveira, Ilmar Galvão e Ellen Gracie. Reaparecem assuntos que a dinâmica política sepultou.
O atraso no desfecho das causas, injustificável do ponto de vista institucional, é capaz de resultar em nada ou pode gerar impactos mais ou menos importantes para a vida de alguns ou para o erário. Pobre réu, há na pauta um habeas corpus impetrado em 2009.
Uma relíquia processual, a ação de indenização decorrente da criação em 1979 da Reserva Indígena de Parabubure, em Mato Grosso, pelo presidente João Figueiredo, está agendada para outubro. A demanda se arrasta no STF desde 1981, quando foi distribuída ao longínquo ministro Cunha Peixoto.
Nem só de passado remoto vive o Supremo. Sua incapacidade decisória se revela em situações recentes.
A ADI 5592 trata da Lei 13.301/16 que admite, como medida de contenção de doenças causadas pelo mosquito Aedes aegypti, a dispersão de substâncias químicas por aeronaves. Para a Procuradoria-Geral da República, a medida provocaria “importantes malefícios à saúde humana” e ao meio ambiente, além de ser cientificamente inadequada e ineficaz. A pulverização é mesmo perigosa? Pois o processo corre há três anos. Entra e sai da pauta. Nove ministros votaram em quatro direções diferentes. O julgamento continua em setembro.
A retomada do exame da constitucionalidade da punição criminal do porte de drogas para consumo, por violação ao princípio da privacidade, será em novembro. O processo tramita desde 2011. O relator votou em 2015. O julgamento seria em junho, mas, em maio, foi excluído da pauta. O caso aparentemente incomoda a visão obscurantista da Presidência da República e Toffolli, como mostra o recente despacho de socorro a filho investigado de Bolsonaro, é parceiro ideal.
Na primeira sessão de agosto, o plenário referenda liminar de Luís Roberto Barroso que suspendeu medida provisória retirando da Funai a demarcação de terras indígenas: o abuso de poder de Bolsonaro é, aí, cristalino, incontroverso.
Julgamento sensível para o governo será o das ADIs da política de preços para frete de caminhoneiros, decretada em 2018 por Michel Temer.
Mas a independência do Supremo será de fato testada se o filho desqualificado do presidente for nomeado embaixador em Washington. Se fechar os olhos para manobra tão grotesca e inusitada, ou autorizá-la, dentro ou fora da pauta, o Supremo estará debilitando valores constitucionais de moralidade e impessoalidade.
Fonte: Folha de S. Paulo
Créditos: Luís Francisco Carvalho Filho