Há 25 anos, o Brasil dava início à batalha contra o dragão da hiperinflação. Uma das maiores conquistas do país, que mudou radicalmente o modo de vida dos brasileiros, o Plano Real instituiu a mais longeva das moedas e fez a inflação despencar de 916%, em 1994, para 22,14% no ano seguinte. Em 2019, a previsão é de que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) atinja 3,6%. Será o terceiro ano seguido em que o indicador ficará abaixo da meta perseguida pelo Banco Central. Nos 12 meses até 1º de julho de 1994, quando a moeda começou a circular, a inflação somou incríveis 6.433%.
Se, até a data da implementação do Plano, a hiperinflação era a grande inimiga da população, duas décadas e meia depois, três desafios se colocam no caminho do Brasil: as contas públicas, que estão no vermelho e implodiram a capacidade de investimento do governo; a estagnação da economia, que, pelos cálculos do BC, crescerá apenas 0,8% neste ano; e a falta de emprego — mais de 13 milhões de pessoas não têm de onde tirar o sustento.
Antes de domar a fera da hiperinflação, o Brasil passou por cinco tentativas frustradas de estabilização, com diferentes planos econômicos: Cruzado (1986), Bresser (1987), Verão (1989), Collor I (1990) e Collor II (1991). Desde o sucesso do Plano Real, porém, a inflação nunca mais voltou a sair do controle. Pelos cálculos do economista Marcel Balassiano, da Fundação Getulio Vargas (FGV), a média anual de inflação entre 1996 e 2018 foi de 6,4%.
Nos 25 anos do Real, a estabilização monetária permitiu a inclusão de milhões de pessoas no mercado de consumo, a adoção de importantes ferramentas de gestão macroeconômica, a começar pelo sistema de metas de inflação e a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), além do acúmulo de US$ 380 bilhões em reservas cambiais, que vacinaram o país contra choques externos. Também facilitou o desenvolvimento de programas sociais que, mesmo timidamente, permitiram a redução das desigualdades, conforme série de reportagens que o Correio começa a publicar a partir desta sexta-feira (28/6).
Concentração
Não há dúvidas de que, 25 anos depois do lançamento do Real, o Brasil está mais pobre e, de novo, à beira da recessão, sem qualquer capacidade de reação do governo, cujas finanças saíram do controle. Os gastos públicos não pararam de crescer e explodiram a partir de 2014. No ano passado, as contas registraram deficit primário (sem contar pagamento dos juros da dívida pública) de R$ 120,3 bilhões, ou 1,7% do Produto Interno Bruto (PIB). Foi o quinto ano seguido em que as contas fecharam no vermelho.
O setor público não tem recursos para fazer investimentos e acumula uma dívida em trajetória explosiva. A estimativa do governo é que chegue a R$ 4,3 trilhões até o fim do ano. O controle da inflação, porém, virou patrimônio nacional e a taxa básica de juros, apesar de ainda estar entre as maiores do mundo, nunca foi tão baixa: 6,5% ao ano. Caso o Congresso aprove a reforma da Previdência, é possível que o Banco Central reduza a Selic a 5,5% anuais até o fim de 2019.
A hiperinflação que vigorou até 1994 provocava uma transferência perversa de renda da população mais pobre para a mais rica. Esse fenômeno tornava o aumento descontrolado dos preços o maior tributo sobre os cidadãos, que não conseguiam proteger o valor do salário. As pessoas corriam para consumir o necessário o mais rapidamente possível na tentativa de driblar os reajustes, que eram diários. Nos supermercados, os preços eram remarcados várias vezes ao dia.
Por outro lado, a parte mais rica da sociedade — cerca de 25% da população tinha acesso ao sistema financeiro — conseguia proteger o valor do dinheiro comprando dólar, investindo no exterior ou no Brasil. Aplicação financeira mais popular, o overnight, fazia a festa dos rentistas. “O Plano Real foi um eficiente mecanismo distributivo, que estancou um mecanismo de concentração de renda”, diz Roberto Padovani, economista-chefe do Banco Votorantim, que assessorou a equipe econômica que implantou o Real. “O plano limpou o horizonte e permitiu que houvesse planejamento. Antes, vivíamos um dia de cada vez”, afirma.
Pragas
Padovani explica que, antes do Real, toda a economia era indexada à taxa de inflação, inclusive os salários, que eram corrigidos todos os meses. Isso fazia com que o custo de vida se transformasse em uma bola de neve. Para estancar esse processo inercial, a equipe econômica criou um mecanismo de desindexação para desativar a memória inflacionária: a Unidade de Valor Real (URV), uma moeda virtual atrelada ao valor do dólar, que vigorou entre fevereiro e junho de 1994.
Todos os preços, inclusive os salários, foram convertidos em URV, que era atualizada todos os dias, o que serviu como uma ponte até o início da circulação do real, em julho de 1994. “O Plano Real resolveu a inércia inflacionária com eficiência. Os planos anteriores tentaram combater a inflação congelando os preços, mas isso causava escassez de produtos, pois os fabricantes seguravam as mercadorias aguardando reajuste de preços”, lembra o economista Felipe Salto, da Instituição Fiscal Independente (IFI).
Para ele, embora o real tenha criado as condições para a criação de importantes ferramentas macroeconômicas, as principais heranças foram o fim da inflação e o ganho de renda da população. “Além disso, hoje em dia, as pessoas não aceitam promessas de mundos e fundos em campanhas eleitorais, porque sabem que isso não é possível e traria de volta a inflação”, opina Felipe Salto.
Em 1998, foi registrada inflação de 1,65%, a mais baixa desde o início do plano. Desde então, o IPCA alcançou dois dígitos em 2002 (12,53%) e em 2015 (10,67%). “As pessoas não toleram mais inflação alta, e a sociedade reage contra aumento de preços”, orgulha-se o economista Gustavo Loyola, que integrou a equipe econômica do Real e presidiu o Banco Central entre junho de 1995 e agosto de 1997. Ele ressalta que, das três “pragas macroeconômicas” existentes à época, duas foram erradicadas, a hiperinflação e as crises externas. “Faltou o deficit público. A questão, agora, é fiscal. Por isso, precisamos da reforma da Previdência, que não é a bala de prata, mas é o que vai reunir as condições necessárias para equacionar o problema fiscal”, frisa.
Seminário
Contar a história do Plano Real é cuidar da memória e dividir com as novas gerações a responsabilidade de preservar a estabilidade da moeda. Além da série de reportagens que publica a partir desta sexta-feira (28/6), o Correio realizará, em 1º de julho, das 14h às 19h, um seminário para debater as conquistas dos últimos 25 anos e o futuro do Brasil. O evento contará com a presença de alguns dos pais do real e de renomados economistas. Para participar, basta se inscrever, gratuitamente, pelo site www.correiobraziliense.com.br/correiodebate. As vagas são limitadas.
Fonte: Correio Braziliense
Créditos: Polêmica Paraíba