Está marcada para amanhã no Supremo Tribunal Federal (STF) a segunda batalha decorrente da divulgação de mensagens atribuídas ao ministro da Justiça, Sérgio Moro, e procuradores da Operação Lava Jato, reveladas desde o último dia 9 pelo site The Intercept Brasil.
Da primeira batalha, a audiência de nove horas quarta-feira passada na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, Moro escapou ileso. Entre os senadores, a maioria foi benevolente; os demais, incompetentes para desafiá-lo. Moro – ao contrário de seu colega de ministério Paulo Guedes na Câmara – reagiu com a mesma serenidade, a mesma paciência e a mesma inflexão interiorana que garantiam sucesso a seus interrogatórios na Lava Jato.
Repetiu ad nauseam sua versão para os fatos. Disse que ele e os procuradores foram vítimas de uma invasão ilegal em seus celulares e, sempre que questionado sobre o conteúdo específico das mensagens, afirmou não ter como reconhecer a autenticidade do que lhe era atribuído.
Em nenhum momento, apontou prova de que alguma mensagem tivesse sido forjada ou adulterada. Insistiu na “negativa que não nega”. É uma defesa que pode até ser eficaz diante da plateia acolhedora e despreparada dos senadores, mas que não tem nenhuma chance de prosperar no Supremo, em especial perante aqueles ministros que têm sido abertamente hostis à Lava Jato.
A batalha que Moro enfrenta amanhã na Segunda Turma do STF é mais importante e poderá ter consequências bem mais sérias para o futuro da Lava Jato e do combate à corrupção no Brasil. Estará em julgamento um pedido de libertação do condenado mais célebre da operação, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Dos nove processos contra Lula na Lava Jato, ele já foi condenado em dois, absolvido em um, denunciado noutro, é réu noutros quatro e responde a um último ainda em fase de inquérito. É ainda réu, na Justiça do Distrito Federal, em dois outros processos derivados da Operação Zelotes e num terceiro no âmbito da Operação Janus.
Mas Lula está preso hoje em virtude de apenas uma condenação. Se conseguir derrubá-la, poderá usar o fato como argumento nos demais processos e, num cenário extremo, livrar-se de seus problemas jurídicos e voltar à política como um ator legítimo.
Trata-se do processo em que Moro o condenou em 2017, sob a acusação de ter recebido um triplex no Guarujá como propina da empreiteira OAS, em troca de contratos na Petrobras. A condenação foi referendada pela segunda instância em janeiro de 2018 e, no final do último mês de abril, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O STJ reduziu, porém, a pena de Lula e facilitou sua transferência da prisão ao regime semi-aberto a partir de setembro, quando terá cumprido o período de detenção que, em princípio, lhe garante tal direito. Se até lá for condenado na segunda instância pelo segundo processo, relativo ao sítio de Atibaia, é provável que não tenha direito a sair da cadeia até pelo menos 2022.
A campanha para libertar Lula e restaurar seus direitos políticos corre solta por acampamentos de movimentos sociais, comícios, artigos na imprensa, discursos no Congresso e até documentário na Netflix. Desde o início do mês, conta com a ajuda das mensagens reveladas a conta-gotas pelo Intercept, com a colaboração de outros veículos jornalísticos.
Mesmo antes de as mensagens virem à tona, a defesa de Lula já argumentava, no pedido encaminhado ao STF no final do ano passado alegando a suspeição de Moro, que ele não fora um juiz imparcial e agira movido pelos próprios interesses políticos – tanto que se tornara ministro do governo Jair Bolsonaro.
A defesa de Lula acusa Moro de ter favorecido a campanha de Bolsonaro em vários momentos: no episódio em que tentou evitar que Lula fosse solto pela decisão de um juiz de plantão, ao liberar um trecho da delação premiada do ex-ministro Antonio Palocci, ao ordenar a interceptação telefônica de seus familiares e advogados, ao suspender o sigilo de conversas. No último dia 13, os defensores de Lula anexaram as conversas publicadas pelo Intercept.
A Procuradoria-Geral da República reagiu contra a anulação do processo. “Há fundadas dúvidas jurídicas sobre os fatos nos quais se ampara a alegação de suspeição”, escreveu a procuradora-geral Raquel Dodge. “É que o material publicado (…) ainda não foi apresentado às autoridades públicas para que sua integridade seja aferida. (…) Sua autenticidade não foi analisada e muito menos confirmada.”
Dois integrantes da Segunda Turma – o relator Edson Fachin e a ministra Carmen Lúcia – já votaram contra a suspeição de Moro. O ministro Gilmar Mendes suspendeu a votação pedindo vista. Sua posição favorável ao réu ficou clara em em entrevistas. Gilmar defende até o uso de provas obtidas ilegalmente quando se trata de provar a inocência de um réu condenado injustamente. O ministro Ricardo Lewandowski também deverá votar como Gilmar.
A dúvida repousa no voto do ministro Celso de Mello. Nos processos da Lava Jato, tem referendado as condenações das instâncias inferiores. Mas pertence à ala garantista do Supremo. Já votou contra a prisão depois da condenação em segunda instância e, como regra, procura se ater mais à interpretação literal da lei que às circunstâncias políticas dos casos em pauta. Se Celso decidir pela suspeição de Moro no processo contra Lula, a PGR sempre poderá recorrer ao plenário do tribunal.
Uma vez tomada a decisão final, o impacto se estenderá aos demais casos contra o presidente que passaram pelas mãos de Moro. No limite, atingirá outros processos, caso sejam anuladas provas colhidas com base nas decisões em que Moro seja julgado suspeito. A maior parte das condenações da Lava Jato ainda resistiria, mas haveria um golpe no combate à corrupção e um choque sem paralelo na política brasileira.
Fonte: G1
Créditos: Hélio Gurovitz