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Sebastião Nery: “Eu vi o Mensalão nascer!”

“Era uma tarde de sábado, em 2003, no restaurante Piantella, o melhor de Brasília. Lula havia ganhado a eleição presidencial de 2002 contra o tucano José Serra e estava em Porto Alegre, com José Dirceu e a cúpula do PT, discutindo com o PT gaúcho a formação do novo governo"

Porque hoje é domingo, reproduzo uma crônica do prestigiado jornalista Sebastião Nery, que consta do seu livro “Ninguém me contou, Eu Vi – De Getúlio a Dilma”. O tema em foco remete à questão do Mensalão, a chamada mesada que era paga pelo PT a deputados da base aliada para votarem favoravelmente a matérias oriundas da gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Durante boa parte do tempo, Lula desmentiu a existência do que ficou conhecido como mensalão, embora parlamentares de destaque, de outros partidos, tenham confirmado a prática do mecanismo fisiológico que foi um ponto fora da curva na trajetória do lulopetismo e talvez o começo da derrocada da falsa ética moralista de Lula e seus apaniguados. Mas vamos a Nery:

“Era uma tarde de sábado, em 2003, no restaurante Piantella, o melhor de Brasília. Lula havia ganhado a eleição presidencial de 2002 contra o tucano José Serra e estava em Porto Alegre, com José Dirceu e a cúpula do PT, discutindo com o PT gaúcho a formação do novo governo. Um grupo de jornalistas estava a um canto, almoçando e conversando sobre o país, eu junto. De repente, entram nervosos, aflitos, os deputados Moreira Franco, Geddel Vieira Lima, Henrique Alves, da direção nacional do PMDB, começam a discutir baixinho, quase cochichando. Em poucos instantes chega o deputado Michel Temer, presidente nacional do PMDB. Nem almoçaram. Beberam pouca coisa, deram telefonemas, saíram rápido. Nada falaram. Acontecera alguma coisa grave. Voltariam logo.

Um deles voltou e contou a bomba política do fim de semana. Antes de viajar para o Rio Grande do Sul, Lula encarregara José Dirceu, coordenador da equipe de transição e já convidado para ser chefe da Casa Civil, de negociar com o PMDB o apoio a seu governo, em troca dos ministérios de Minas e Energia, Justiça e Previdência, que seriam entregues a senadores e deputados indicados pelo partido. Lula já dito ao PT que eles não podiam esquecer a lição da derrubada de Collor pelo impeachment, que o senador Amir Lando, do PMDB de Rondônia, relator da CPI de PC Farias, havia definido como uma “quartelada parlamentar”. No Brasil, para governar era preciso ter maioria sempre no Congresso. O PT tinha que fazer as concessões necessárias.

O primeiro a ser chamado era o PMDB, o maior partido da Câmara e do Senado. Lula mandou José Dirceu acertar com o PMDB, combinaram os três ministérios e ficaram todos felizes. Em Porto Alegre, na primeira noite, Lula encontrou a gula voraz do PT gaúcho, que exigia os ministérios de Minas e Energia, da Justiça e da Previdência. Lula cedeu. Chamou Dirceu e deu ordem para desmanchar o acordo com o PMDB. Dirceu perguntou como conseguiriam maioria no Congresso.

– Compra os pequenos partidos – disse Lula. – Fica mais barato.

Dilma Rousseff virou ministra das Minas e Energia, Tarso Genro da Justiça e a Previdência ficou para resolver lá na frente. E assim nasceu o mensalão.

O advogado Luiz Francisco Correa Barboza disse ao Globo: “Não só Lula sabia do mensalão como ordenou toda essa lambança. Não é possível acusar os empregados e deixar o patrão de fora”. No dia 12 de agosto de 2005, em pronunciamento pela TV, a todo o povo brasileiro, Lula pediu “desculpas pelo escândalo”. Não há como chamar Lula de imoral. O que ele é, é um amoral. Os principais companheiros do partido no banco dos réus e ele, só ele, de fora. Logo ele, que é o grande réu, “o réu”. Dirceu, Roberto Jefferson, Genoíno, Delúbio, Marcos Valério, Gushiken, João Paulo Cunha, Valdemar Costa Neto, Professor Luizinho, a malta toda, como disse o procurador-geral da República, era uma “organização criminosa”, uma “quadrilha” chefiada pelo Dirceu. Mas sob o comando do chefão, Lula.

Quem tinha de estar no banco da frente era ele, “o réu”.

Se consultar os anais do Congresso Nacional, o brasileiro lerá ali um discurso do general deputado Euclydes de Figueiredo, da UDN do Rio de Janeiro, herói da Revolução Constitucionalista Paulista de 1932, que na Constituinte de 1946 pedia a convocação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para “apurar os crimes da ditadura”.

E ele dizia, da tribuna da Câmara dos Deputados, que foram crimes que estarreceram a nação, escandalizaram o Brasil diante do mundo e, por isso, era preciso que a Câmara os investigasse, unisse os responsáveis, para que servisse de lição para as próximas gerações. E o principal réu era o ditador Getúlio Vargas.

Por que agora esconder Lula atrás das cortinas?”

Nonato Guedes

Fonte: Os Guedes
Créditos: Os Guedes