À primeira vista, o templo erguido na Serra da Mantiqueira parece um oásis perdido no pacato município de Itapeva, em Minas Gerais. Maior centro do tantra no Brasil, a Comunna impressiona por sua arquitetura estonteante e pela área livre usada pelos frequentadores. São 165 mil m² de terreno, segundo o site. Ali são oferecidos cursos, treinamentos para casais, formação em terapia tântrica e, mais raramente, massagens individuais. Nos encontros e cursos de finais de semana, é comum que alunos passem a noite no local, que tem acomodações para até 100 pessoas.
Fotos: Divulgação/Comunna Metamorfose
O cenário estonteante, porém, destoa da rotina de abusos – sexuais e morais – a que voluntários, terapeutas e funcionários relatam terem sido submetidos. A acusação mais grave contra Nishok é a de abuso sexual. A ex-voluntária Lara S.* afirma que, durante uma sessão de massagem, o guru fez sexo oral nela – técnica que só deve ser usada entre casais, chamada por ele de ‘extrusão’ –, ficou nu e pediu que ela tocasse seu pênis, um “condutor de energia”. Lara resistiu, mas me disse que Nishok só parou quando ela começou a chorar muito.
O caso foi revelado pela Folha de S.Paulo em março. E não é isolado. Desde fevereiro, quando soube do caso de Lara por meio do Movimento de Combate ao Abuso no Meio Espiritual, li e-mails, mensagens, contratos, apostilas, processos e conversei com 16 pessoas que passaram pelo centro. Descobri pelo menos 18 possíveis casos de violência sexual, abusos morais e trabalhistas.
Como está sob sigilo, o Ministério Público não comentou o andamento das investigações do caso revelado pela Folha, mas ao menos quatro testemunhas já foram ouvidas, além do acusado. Ao jornal, Tadeu Horta, verdadeiro nome de Nishok, disse “não ter conhecimento dos fatos”.
Ao Intercept, o advogado da Comunna e de Nishok, Valmir Moraes, afirmou por e-mail que o guru está com “a consciência tranquila” a respeito da acusação. “A mulher é o maior motivo pelo qual existem as práticas do tantra, defendidas e ensinadas no ambiente harmônico da Comunna, onde o sagrado feminino tem sua representação máxima”, declarou. Embora a Comunna e Nishok tenham sido procurados separadamente, os comentários enviados pelo advogado, em dias diferentes, foram os mesmos. Nenhuma das perguntas direcionadas diretamente a Nishok foi respondida.
A versão de Nishok contrasta com a de Paulo Kroeff, ex-gerente da Comunna. Ele me contou que o guru teve um “surto” na época do abuso e foi socorrido após uma overdose de Rivotril. Sundhar Omkar, ex-voluntário que ouviu o relato de Lara e disse ter testemunhado outro caso de violência sexual no centro, me disse com firmeza: “Aquilo ali de sagrado não tem nada.”
Idolatria e medo são dois sentimentos provocados por Nishok, de acordo com os ex-funcionários e voluntários com os quais conversei. Por causa do primeiro, Lara contou ter ouvido das sócias do guru que o fato de ela ter negado os avanços de Nishok era um sinal de que “a cura já estava sendo feita”. Por conta do segundo, só uma pessoa aceitou ser identificada nesta reportagem.
O assédio pisca em neon
A psicóloga Raíssa A.* estava intrigada. Ela nunca teve vontade de ser terapeuta tântrica, é verdade, mas o número de vítimas de abuso que procuravam a Comunna em busca de tratamento chamou sua atenção. Decidiu frequentar o centro como voluntária. Lá, havia dois tipos de voluntariado: o ocasional, que ajuda quando pode, sem contrapartida, como Raíssa; e os participantes do programa Flowing, em que pessoas moravam e trabalhavam de graça para o centro por até três meses em troca de cursos. Logo em seus primeiros dias, Raíssa afirma que um cozinheiro a beijou à força. A Comunna diz que soube de um “caso isolado” na época e que o funcionário foi desligado.
Depois do episódio, Raíssa concluiu que o assédio ali era comum – e que quase todos fechavam os olhos. Em novembro de 2017, ela afirma ter sido vítima de assédio novamente. Desta vez, pelo próprio Nishok. Ela havia questionado o guru sobre o Flowing, mas, como atestaram 14 pessoas, Nishok não é o tipo de líder que aceita questionamentos. A resposta foi rápida e dolorosa como um tapa: “Desde a primeira vez que você apareceu, eu vi na sua testa uma placa em neon, piscando ‘Nishok, me coma’, porque você é uma neurótica compulsiva sexual”, teria dito o guru em um salão cheio, segundo Raíssa me contou. Ao relatar o ocorrido a uma funcionária do centro, afirma ter ouvido: “Ué, você não sabia que o Nishok é apaixonado por você?”
Na manhã seguinte, Raíssa decidiu deixar o centro. Quando estava prestes a ir embora, segundo ex-voluntários e coordenadores, Nishok convocou uma reunião sem sua presença e contou aos frequentadores do centro que a psicóloga havia sido expulsa por usar drogas. Ela ficou chocada. Mas, segundo as testemunhas com quem conversei, alegar uso de drogas para justificar a saída de pessoas que o confrontavam era um hábito de Nishok.
De volta para casa, a psicóloga passou dez dias trancada e conta ter recebido diversas mensagens de Nishok a assediando. Foi só quando soube do abuso de Lara S. que Raíssa decidiu fazer uma denúncia ao 180, a Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência. Desde então, ela toma remédios controlados para a ansiedade, mas garante que o medo não irá fazê-la se calar. “Eu comecei e não vou parar. Em prol de outras pessoas, de outras meninas, isso tem que cessar” diz. “O Nishok não fundou o tantra, ele distorceu o tantra para benefício próprio.”
‘Cuidado com sua filha’
Segundo o controverso mestre Osho, inspirador de Nishok, o tantra é a transformação a partir do reaprendizado da linguagem do silêncio: quando deixamos de lado o pensamento para expandirmos nossa consciência. E o orgasmo pode ser uma peça-chave para isso: “O tantra repetidamente lembra a você de que tudo o que acontece naquele momento de pico [o orgasmo] é a linguagem de se relacionar com a existência, é a linguagem das entranhas, é a linguagem do próprio ser”, escreveu. É quando ficamos “fora da mente”.
Hoje, além de meditações e exercícios de respiração, as terapias tântricas podem consistir em massagens. Mas elas não estão nos escritos originais e milenares do tantra – foram popularizadas por Osho e recriadas por Nishok na Comunna. Embora trabalhe com a sexualidade, tantra não é sinônimo de sexo ou banalização sexual e muito menos carta branca para que terapeutas façam o que desejarem. “No tantra, não existe essa relação sexual que a gente conhece como sexo. Mal existe penetração, é uma questão de sentir a energia da pessoa”, me explicou a terapeuta Celina M*.
“SENTIR A ENERGIA” foi o pedido de Nishok à Milena C*., terapeuta que trabalhava como coordenadora de voluntários no centro. “Ele queria que eu fizesse uma sessão nele” contou. “Falei para reservar uma sala, e ele ficou dizendo que não podia ser na Comunna, porque as pessoas lá eram invejosas e ninguém podia saber.” Diante da recusa, ela afirmou que Nishok insistiu, dizendo que faria uma extrusão para “melhorar as articulações” de Milena.
Outra ex-coordenadora, Ágata M.*, me disse que ele oferecia massagens a garotas vítimas de abuso e aproveitava para fazer a extrusão. “Ele dizia que aquilo fazia parte de um processo de cura.” Um dia, sua filha de 17 anos foi visitá-la na Comunna. Quando viram a adolescente na sauna e o guru por perto, segundo Ágata, todos foram “alertá-la”. “Chegaram para mim e falaram: ‘Cuidado com a sua filha com o Nishok aqui’”, me contou.
O comportamento de Nishok também incomodava a terapeuta Bárbara M.*. Ela conta que o guru teria dito enquanto fazia massagem de demonstração em uma aluna nua: “Nossa, que gostosa. Olha esses lábios lindos [da vulva], inchados”. A terapeuta disse ainda que viu Nishok “enfiar” o dedo em outra moça, sem autorização. “Ela começou a chorar muito”, me disse.
Masturbação forçada para curar um trauma
Quando Ellen A*. conheceu seu segundo terapeuta tântrico, nada parecia ser como devia. Satyakam Eduardo, formado por Nishok e ex-coordenador da Comunna, a recebeu de bermuda e chinelo. A conversa também foi estranha. “Ele começou a falar: ‘Às vezes as mulheres chegam aqui com bundão, peitão, mas a gente tem que focar na parte terapêutica’”, ela me disse. Então, ele pediu que ela tomasse um banho. “Isso não existe”, Ellen criticou. “É igual você ir ao ginecologista. Você está com uma roupa, retira e vai receber um atendimento.”
De banho tomado, ela conta que se deitou na sala escura não mais à espera da terapia, mas, sim, determinada a provar que Eduardo era um picareta. A massagem, que, segundo ela, começou com um vibrador, a machucava. Ainda determinada a desmascará-lo, Ellen fingiu entrar em transe. “Ele se ajoelhou do lado do meu umbigo falando: ‘Libera, vai, libera essa imagem masculina’. Foi quando ele pegou minha mão, colocou em sua coxa e foi arrastando até o órgão dele.” Ela rapidamente tirou a mão, mas, segundo a moça, ele insistiu, pedindo que ela fizesse “manobras de cura” e repetindo “não tenha medo, pegue”. Ela caiu no choro. “Por mais que eu estivesse lá para fazer justiça, eu travei”, admitiu.
Em um e-mail assinado por si próprio e pelo mesmo advogado que falou em nome da Comunna e de Nishok, Eduardo questionou qual seria o problema de fazer um atendimento de bermuda e chinelo e afirmou que a recomendação do banho é algo “básico”, oferecido como “forma de relaxamento” não obrigatória. Segundo ele, o relato de Ellen é uma “ficção, de quem não conhece o tantra ou o método.”
Ellen já havia se tratado com outro terapeuta tântrico e, por isso, estranhou de cara o comportamento de Eduardo. Como o assunto a interessava e, na época, o homem que teria abusado dela não tinha ligação com o centro, ela decidiu entrar no programa de voluntariado da Comunna. Mas, lá, o burburinho sobre supostos abusos cometidos pelo ex-coordenador era constante, ela diz. Uma terapeuta me disse que Satyakam “agarrava as meninas” e “fez extrusão sem permissão”, enquanto uma ex-voluntária escreveu: “Apelidaram ele de Satyacão, porque diziam que ele era terrível.”
Hoje, o terapeuta mantém laços com a Comunna e, em resposta, escreveu que é um “profissional sério” e que não tinha conhecimento desses comentários “injustos” que “refletem o preconceito que reina sobre a pureza das práticas do tantra”. Afirmou nunca ter se envolvido em casos de assédio nem saber de qualquer caso do tipo na Comunna. “No Tantra, a mulher, ou a [deusa indiana] Shakti, é o princípio feminino do universo e inalienável do movimento divino da cura. Neste contexto o respeito a mulher é fator primordial”, acrescentou. O centro afirma “desconhecer essa rotina de assédio” e diz que não se responsabiliza pelo abuso praticado por terceiros.
Os terapeutas, porém, relatam que queixas do tipo são comuns. Segundo Alexia R.*, que manteve por alguns meses uma unidade ligada ao centro, existe uma “rede informal” entre as terapeutas para que elas saibam em quem confiar, já que “existe uma abertura para um assédio” no meio. Para se tornar um terapeuta, afinal, basta fazer o curso de quatro fins de semana ministrado por Nishok.
Profissional da área e uma de três terapeutas a ter ouvido o relato de Ellen, Mara G.* afirma que a formação oferecida por Nishok é “bastante fraca”. Celina M., outra terapeuta que passou pela Comunna, compartilha da opinião. “Uma pessoa formar terapeutas em quatro finais de semana não tem nem sentido”, me disse. “A gente acaba pegando o embalo e se nomeando terapeutas. Mas, na prática, não estamos preparados para isso.”
Ellen ainda estava no centro na época do abuso de que Nishok é acusado. Para ela, ver isso acontecer em uma “comunidade de cura, principalmente que prioriza o sagrado feminino”, é “muito absurdo”. Ela deixou o centro por causa do caso.
O câncer da Comunna
Há uma regra implícita no centro: abaixe a cabeça diante do líder ou prepare-se para ser expulso, me explicaram nove pessoas. “Ele abusava mentalmente das pessoas”; “a exposição era constante”; e “ele humilhava, gritava, xingava” foram só três das frases que ouvi a respeito do comportamento de Nishok em seu templo. A Comunna diz que os relatos são inverídicos, classificando Nishok como “uma pessoa simples e de bons costumes”.
Ágata M. acredita que ele “fazia questão” de humilhar os voluntários – o programa de voluntariado, segundo uma ex-participante, era chamado de “o câncer da Comunna”. Ágata afirma que ele gritava: “eu já trabalhei muito, mas hoje em dia, enquanto vocês estão aí trabalhando, eu estou comendo minha mulher” ou “estou fazendo um sexo gostoso.”
Outras cinco pessoas foram firmes ao criticar os abusos e rompantes de Nishok. Elas afirmam que problemas pequenos, como o lixo ou um cocô de cachorro, viravam combustível para sua fúria. Mas dois homens acham as acusações de assédio moral exageradas. Os alvos das humilhações, para o terapeuta Nicolas P.*, não estavam “afinados” com os valores do centro e “geravam um ambiente negativo”. Murilo F.*, ex-produtor remunerado da Comunna, afirmou que ali não acontecia nada “fora do comum”. Crítico da acusação de abuso sexual de Lara, Murilo disse que só testemunhou “explosões” do ex-chefe quando algo não saía como ele queria.
Quando o alvo era uma mulher, os ataques eram “gritantemente mais fortes”, me disse Paulo Kroeff. “Ele virou para uma produtora, na frente de seis pessoas, e começou a simular no ar estar fazendo sexo oral em um homem”, contou. “Então falou: ‘É isso que você tem que fazer para conseguir novos clientes se for necessário.’” De acordo com os relatos, Nishok perguntava onde as mulheres pensavam que iam “bater as tetinhas, as bundinhas” se não estivessem na Comunna.
A ex-voluntária Gisela F.* admite que Nishok passou dos limites muitas vezes, mas acredita que lidar com seu ego a ajudou como terapeuta. “A gente tem uma necessidade de aprender a lidar com o pior das pessoas”, explicou. Isso não a impede de tecer críticas ao centro: “É uma escola muito autoritária e machista.”
Orgasmos lucrativos e terapeutas falidos
Depois de participarem do curso, os terapeutas formados no centro eram intimidados a se “credenciarem” à Comunna, trabalhando exclusivamente em unidades que funcionavam como franquias não-regularizadas. De acordo com ex-terapeutas, funcionários e autos de um processo a que o Intercept teve acesso, os terapeutas tinham que lançar seus rendimentos em um sistema visível a todos os colegas e eram obrigados a repassar 50% do que ganhavam – 30% à unidade em que prestaram o serviço e 20% à Comunna. Em 2017, a rede de profissionais chegou a 350 terapeutas, segundo Paulo Kroeff.
“O que eu via era um sistema de franquia e de vínculo empregatício… quem atendesse fora da rede era cortado”, me escreveu Paulo Kroeff, acrescentando que os dez melhores terapeutas chegavam a faturar entre R$ 30 e R$ 50 mil por mês. A estratégia, segundo ele, era formar o maior número de pessoas para que se tornassem fonte de lucros para a Comunna. “Era tudo sem nenhum documento, sem Imposto de Renda… sem registro a não ser num sistema de Google Drive”.
Havia ainda incentivo para que os terapeutas abrissem suas próprias unidades. Entre outras determinações, a Comunna ditava a vestimenta do profissional, o tempo e o valor da sessão. Na prática, essas unidades funcionavam como franqueadas, segundo documentos judiciais obtidos pelo Intercept. Mas, para não se submeterem à legislação de franqueamento, mais rígida, o centro usava o termo “credenciamento”. Esse é o argumento apresentado no processo de indenização por perdas e danos materiais movido pela terapeuta Celina M. contra a Comunna.
Celina abriu sua unidade cinco meses antes de a Comunna decidir, sem aviso prévio, em dezembro de 2017, que deixaria de trabalhar com unidades “credenciadas”. Isso significava que os terapeutas podiam trabalhar onde quisessem. “Quando mandei e-mail pra falar com eles que tínhamos um contrato verbal, eles simplesmente falaram que as coisas mudam, e eu tinha que me acostumar”, me disse. Ao todo, ela alega ter tido um prejuízo de mais de R$ 120 mil. O centro nega as acusações e diz não ter sido intimado ainda.
A mudança repentina não prejudicou apenas os donos de unidades. O comunicado foi feito verbalmente em um encontro de final de ano, em que Nishok, segundo Alexia R., “mandou a gente tomar no cu, dizendo que não precisava da gente”. Os terapeutas com quem falei afirmam que não foi explicado que, até a implantação do novo sistema (em que os profissionais pagam uma quantia mensal fixa à Comunna), os repasses deveriam continuar.
Confusos, alguns deixaram de fazer os pagamentos. Não demorou para que Nishok desse voz à sua ira em um grupo de WhatsApp. “Por mim meu comunicado teria 4 palavrinhas, só 4 e eu já dizia tudo o que eu queria… mas eu pensei melhor”, escreveu. “Paciência, só um pouquinho de paciência, nada comparado ao que eu preciso ter com vocês”.
O terapeuta Nicolas P. expressou sua insatisfação com a cobrança, já que o site da Comunna havia ficado fora do ar por boa parte do mês. “Peço gentilmente aos coordenadores que reavaliem a política de cobrança de repasses do mês de dezembro.” A resposta veio rápido:
16 horas de trabalho ilegal, nenhuma remuneração
O centro é um negócio próspero. Cerca de 900 pessoas passaram por lá somente entre fevereiro de 2017 e abril de 2018, segundo estimativa do ex-gerente Paulo Kroeff. Eram alunos pagantes e voluntários interessados em aprender mais sobre o tantra. Para dar conta da demanda, o centro contava com os voluntários – principalmente os do programa Flowing.
O problema é que o recrutamento de voluntários por empresas privadas com fins lucrativos é ilegal. Embora seu site apresente a Comunna como uma ONG, o centro é uma empresa com fins lucrativos registrada na Receita Federal. Ironicamente, o antigo site do centro citava a legislação apenas para justificar o não-pagamento de voluntários. A Comunna confirmou à reportagem que não existe uma ONG e questionou onde no site estava esta afirmação. “Jamais houve trabalho de voluntários que ensejaram qualquer retorno lucrativo”, afirmou o centro, que “considera o trabalho como meditação”.
Em e-mail enviado em nome de Nishok e da Comunna ao Intercept, o advogado Valmir Moraes qualificou os voluntários como hóspedes do guru: “[Eles] iam lá a fim de aprender o método Deva Nishok sobre o Tantra e que ajudavam voluntariamente a manter as áreas comuns e seus dormitórios e banheiros.” Como mostra a ficha de inscrição, no entanto, os voluntários eram selecionados para “auxiliar na organização, manutenção e desenvolvimento da Comunna”.
Passar-se por uma ONG não era a única forma de a Comunna reduzir custos. A mão de obra, segundo 14 pessoas, era explorada com jornadas exaustivas. Oito pessoas me relataram trabalhar mais de 12 horas por dia com frequência – três delas mencionaram jornadas de até 16 horas. “Às vezes, eu trabalhava até as 2h e depois tinha que acordar às 5h30″, contou uma ex-voluntária. Alexia R. desabafou: “Se estivesse dormindo, te acordavam. Te chamavam até no banheiro”.
Segundo três pessoas, o trabalho de segunda a segunda era comum. O ex-voluntário Sundhar Omkar foi uma das duas pessoas que narraram rotinas mais humanas. Ele costumava trabalhar por quatro horas na limpeza. Porém, admite que, para alguns colegas, a situação era outra. “Lembro de uma vez que, no mesmo dia, todo mundo da cozinha foi embora”, me contou.
Em resposta a essas acusações, a Comunna repetiu que todas são inverídicas e que o “teor de ingratidão” dos voluntários é “uma lástima” com o objetivo de “auferir ganhos sem causa e destruir a filosofia comportamental do tantra”.
As ex-coordenadoras de voluntários Milena C. e Ágata M. confirmam os relatos. A primeira me disse que, nos momentos mais movimentados, eles “tomavam pó de guaraná para ficar acordados”. A segunda afirmou que os voluntários eram “tratados como bichos”. Em sua defesa, a Comunna afirmou que nunca comprou pó de guaraná e que fazia uso de diaristas. Sobre o comentário de Ágata, disse que “a pergunta que não quer calar” é como ela tratava os bichos, já que estava fazendo uma afirmação “preconceituosa demais”.
O estado dos dormitórios, duas cavernas, validam as acusações. Dois ex-voluntários descreveram a acomodação como um “lugarzinho humilde” e um “ambiente interessante”. Os demais foram menos generosos.
Foto: Ex-voluntária da Comunna
“Quando chovia, tinha uma cama que encharcava e molhava o chão”, me disse Alexia. “Os animais entravam, e a gente não podia tirar. Tinha até escorpião.” Infestações de pulgas não eram raras, e muitos voluntários sofriam com a umidade e a falta de ventilação. Para chegar a algumas camas, segundo Milena, era preciso engatinhar. “Isso para quem tivesse cama”, acrescentou. O segundo dormitório ainda ficava abaixo do salão principal do centro, onde eram realizados os cursos e a maior parte das atividades. Nas noites de evento, disse uma ex-voluntária, era impossível descansar por causa do barulho. Para a Comunna, esses relatos são “injustos e descabidos”. O centro considera “a alusão desabonadora com nossos bichanos um ato de puro preconceito e ignorância” e negou que houvesse infestações de pulgas ou escorpiões.
A situação na Comunna foi denunciada ao Ministério Público do Trabalho de Minas Gerais, que ainda está coletando informações iniciais.
Afastados da Comunna, terapeutas e voluntários ressaltam que o interesse da maior referência brasileira do tantra é apenas um: dinheiro. Gisela F. acredita que ele simplesmente achou uma forma de lucrar com orgasmos. “O que o Metamorfose faz é uma punheta tântrica”, resumiu.
Fonte: The Intercept Brasil
Créditos: Bruna de Lara