Já defendi algumas vezes neste espaço a extinção dos cargos de vice. Eles são uma relíquia do século 19 que não faz mais sentido no mundo de hoje, onde tudo pode ser controlado à distância e não há muita dificuldade em organizar rapidamente uma eleição em caso de impedimento definitivo.
O vice-presidente Hamilton Mourão ainda não me fez mudar de ideia —estamos falando não de um, mas de 5.598 cargos, aos quais se somam os de assessores, motoristas etc. Devo, porém, admitir que o general está fazendo um excelente contraponto às temeridades de Jair Bolsonaro. Tão bom que ele já se tornou o alvo principal da ala olavista do governo, a desbocada combinação de extremismo ideológico com paranoia.
Há uma diferença importante entre Mourão e Michel Temer, o mais recente vice a ascender ao poder. Enquanto o substituto de Dilma Rousseff atuou ativamente na costura política que levou ao impeachment da titular, o general se limita a emitir opiniões sensatas, deixando que o contraste com os desvarios do chefe o transforme numa alternativa potencialmente atraente. Objetivamente, não dá para apontar um único ato de deslealdade de Mourão para com Bolsonaro.
O irônico nessa história, como eu já havia apontado, é que o general foi escolhido pelo clã Bolsonaro justamente para servir de seguro contra o impeachment, já que, à época, ele era visto como mais extremado do que o próprio candidato.
Bolsonaro dificilmente irá arbitrar de modo decisivo entre a ala olavista e a dos militares. É da natureza dos regimes populistas estimular intrigas e rivalidades internas para fidelizar colaboradores e energizar a base de eleitores. O problema desse arranjo é que ele não ajuda na governabilidade, e Bolsonaro precisa, se não governar bem, pelo menos evitar um novo mergulho recessivo, hipótese em que um impeachment se torna verossímil. Aí é muito melhor ter um Mourão do que um Olavo de Carvalho na reserva.
Fonte: Folha de S. Paulo
Créditos: Hélio Schwartsman