A soma das trapalhadas do governo de Jair Bolsonaro e o desgaste de instituições do Judiciário beirando a desmoralização perante a sociedade combinaram, entre si, para deixar de “melé” solto o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, recolhido, na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, a uma cela com regalias que não são concedidas aos demais mortais presos, lá e no resto do país. Esse corolário é que explica o desfecho do julgamento, ontem, do líder petista, por ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça. Eles acolheram parcialmente o recurso de Lula no caso do tríplex do Guarujá e reduziram a pena para 8 anos e 10 meses, rejeitando o argumento de que ele teria sido condenado sem provas.
Lula tem razão quando afirma que não esperava nada do julgamento de ontem. Repetiu, sem o saber, antológico humorista brasileiro que costumava dizer: “De onde menos se espera, aí é que não vem nada”. Só que o chiste, no seu caso, pede outra tradução, mais apropriada às circunstâncias. O STJ deixou firmada a jurisprudência segundo a qual os processos contra o ex-presidente e a sua prisão estão eivados de abusos ou de excessos legais. Entendam, didaticamente, por favor: não ficou evidenciado que Lula é inocente. Ficou testificado que as sanções é que são frágeis do ponto de vista do respaldo da lei. Isto reforça a catilinária soprada nos ouvidos do ex-presidente e que ele passou a ecoar – de que ele é mais vítima do “Power Point” de Sérgio Moro e Deltan Dalagnoll do que de provas certeiras, inexoráveis.
Na prática, o que significa esse enredo? Significa que há brechas – sempre houve, aliás, – para que o ex-presidente cumpra o menor tempo possível de detenção e seja logo devolvido à claridade das ruas, talvez com o direito de politicar e de pedir votos, que tem sido sua especialidade em um quarto de século da história institucional brasileira. Diga-se, em reforço, que Lula sempre foi um político oportunista, intuitivo, que sabe tirar proveito das oportunidades, principalmente das mais fáceis, daquelas dotadas de uma evidência solar que só não salta aos olhos de vaidosos ministros de Cortes judiciárias do País, focados nos holofotes e desfocados do aprimoramento das leis que são votadas e que têm neles, o papel de exegetas – ou de interpretadores para aplicação dos efeitos conexos. O ex-presidente tem dançado no salão, com “graça” e “donaire”, como se dizia antigamente, na cara de um governo trapalhão como o de Bolsonaro, que não consegue domesticar, sequer, os filhos, deixando que eles interfiram no que deveria ser feito pelo Poder Executivo, e em cima de um Judiciário superado, que prefere cortejar a popularidade a investir no seu aprimoramento.
Já de algum tempo a sociedade brasileira tem assistido, estupefata ou boquiaberta, ao pandemônio que virou praxe nos vetustos corredores do Supremo Tribunal Federal, onde a fogueira de vaidades de ministros togados produz, de forma monocórdica, embates imbecilizados de que resultam decisões contraditórias, não porque lá se pratique a democracia na sua plenitude, mas porque vigora a anarquia, com cada ministro arrotando suposta sapiência e com a Corte quase toda engalfinhada em porfias por nacos de poder e de publicização. Há uma leitura adicional que deve constar no conjunto da análise dos fatos envolvendo o ex-presidente Lula: a maioria do Judiciário decidiu tomar a peito uma “vendeta” contra o presidente Jair Bolsonaro, em represália, ainda, a declarações provocadoras suas como a de que bastam um cabo e um sargento para fechar a Suprema Corte do País, como se Bolsonaro estivesse cometendo alguma heresia ou inverdade. Isto que ele disse é o que ele pensa, de verdade, e o que gostaria de fazer se não houvessem os freios democráticos como anteparo a sanhas autoritárias.
Quem se der à pachorra de ler arquivos de publicações impressas ou virtuais referentes ao itinerário que passou a ser seguido por Lula desde que deixou a presidência da República vai perceber que, no fundo, no fundo, ele sempre manipulou instituições como o Supremo. O caso mais emblemático, mais gritante, foi aquele espetáculo no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista, onde Lula acampou para desdenhar da ordem de prisão exarada pelo juiz Sérgio Moro, então glorificado como herói nacional por chefiar com destemor a Operação Lava-Jata, recolhendo graúdos da política e do dinheiro ao xilindró. Naquele momento, a visão que Lula tinha de Moro era a de um “juizeco” que não merecia ser levado a sério. Acabou se entregando à polícia e à Justiça, mas deu as cartas em todo o espetáculo – só o fez quando quis, na hora que quis, da forma como queria. Ora, bolas, não foi ele quem nomeou alguns dos ministros da “Colenda” Corte que depois se voltou contra o arauto do mensalão? Vale repetir, gente: o Brasil não é para principiantes.
Nonato Guedes
Fonte: Os Guedes
Créditos: Os Guedes