Sem legenda há três anos, Reguffe (DF) é hoje um estranho no ninho no Senado Federal. Ao levantar bandeiras como o corte de privilégios de parlamentares e a institucionalização de candidaturas independentes, isto é, sem a necessidade de filiação partidária, o congressista acabou isolado politicamente e, de acordo com ele mesmo, passou a ser alvo de “desdém” dos colegas.
Alguns até riram quando ele decidiu se candidatar à Presidência da Casa, conforme o UOL apurou à época do pleito. O parlamentar teve seis votos. A disputa foi vencida por Davi Alcolumbre (DEM-AP), com 42.
“Já teve alguns parlamentares que não me trataram bem e até agiram de forma desrespeitosa. Outros me tratam com muita educação e respeito. Nem sempre o dia a dia é fácil, mas estou cumprindo a minha responsabilidade e fazendo a minha parte”, declarou ele. “Alguns me respeitam, mas alguns olham com certo desdém. (…) Eles me veem um pouco como um cara idealista e utópico.”
Em 2014, Reguffe se elegeu senador pelo PDT e abandonou a legenda em fevereiro de 2016. Desde então, recusou alguns convites de partidos e abraçou a pauta das candidaturas independentes, que vem ganhando musculatura nos últimos anos. No ano passado, por exemplo, ao menos 30 pessoas ligadas a movimentos apartidários tentaram disputar as eleições, de acordo com o TSE (Tribunal Superior Eleitoral). A legislação proíbe.
O ex-pedetista apresentou, já no primeiro mês de mandato, uma Proposta de Emenda Constitucional para possibilitar o lançamento das candidaturas avulsas, independentemente de filiação.
Encaminhada à CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) em fevereiro de 2015, a matéria até hoje não passou da etapa da análise nas comissões. No começo deste ano, ela voltou à CCJ e atualmente está sendo avaliada pelo relator, Major Olímpio (PSL-SP).
Na visão de Reguffe, a proposição sofre resistência na Casa porque, em caso de aprovação, ajudaria a enfrentar o chamado “toma lá, dá cá” –distribuição de cargos e funções em troca de outros interesses.
“Alguns parlamentares falam assim: como vai funcionar esse sistema? Aí cada deputado vai ser um partido. Vamos ter 513 partidos na Câmara. Como o presidente vai negociar para votar os projetos? Como o presidente vai fazer essa negociação com 513 partidos? Eu respondo: esse é o problema. Um voto de um parlamentar não deve ser uma questão de negociação. Um voto de um parlamentar deve ser uma questão de convicção.”
Ou seja, para ele, qualquer modificação referente a configurações partidárias seria como mexer em vespeiro, já que há conflito de interesses. Sobretudo após as mudanças impostas pela reforma política, que criou a cláusula de barreira e eliminou as doações privadas. Desde o último pleito, as campanhas são financiadas com o auxílio de fundo público –e os partidos passarão a receber recursos de acordo com o seu desempenho.
“Eu não sou contra a existência dos partidos políticos. Acho que se alguém quiser se filiar a um partido político, essa pessoa tem que ter o direito de se filiar. O que eu defendo é que a pessoa que não queira se filiar a um partido que ela também tenha o direito de ser independente. Cabe à população decidir quem ela quer e quem ela não quer.”
O senador disse ao UOL reconhecer a dificuldade de convencer os colegas da relevância do projeto, mesmo aqueles eleitos com discurso do combate a privilégios. “As pessoas me perguntam se é difícil aprovar. Mas porque é difícil aprovar eu vou deixar de lutar? Não, estou fazendo a minha parte. Protocolei e fico fazendo pronunciamentos defendendo o tema para que ele seja aprovado.”
Relação com o Executivo
Reguffe defende que o Parlamento tenha mais altivez na relação com a gestão do presidente Jair Bolsonaro (PSL) e determine a “sua própria agenda”, independentemente das pautas consideradas prioritárias pelo Executivo –como a reforma da previdência.
Em seu entendimento, apesar da narrativa contrária ao “toma lá, dá cá”, a articulação do governo ainda se pauta pelo intercâmbio de interesses. “Se o governo dá, eles [parlamentares] votam com o governo. Às vezes o governo não dá e eles votam contra o governo. O Legislativo não deve ser um puxadinho do Executivo, mas ele também não pode e não deve ser um instrumento de chantagem e barganha junto a esse poder.”
“O Poder Legislativo tem que se fazer respeitar. Ele existe para quê? Só para votar as propostas do Executivo? Não. O Legislativo deveria ter a sua própria pauta e a sua própria agenda. Colocar as propostas para votar.”
Questionado se, na maioria das votações no Senado, ele estaria mais alinhado ao governo ou à oposição, Reguffe contou que busca fazer uma “análise de mérito” em cada projeto. “Eu sou base da população e da sociedade. Eu analiso o mérito de cada projeto e voto pensando na população. Se for bom para a população, meu voto é sim. Se não for, meu voto é não.”
‘Patinho feio’ no Senado
Na visão do congressista, o “desdém” dos colegas é motivado não só pelas bandeiras defendidas na tribuna do plenário, mas também pelo corte de privilégios que ele argumenta ter feito em seu gabinete.
Reguffe mostrou ao UOL ofícios datados de fevereiro de 2015 por meio dos quais ele abre mão de verba indenizatória, aposentadoria parlamentar, plano de saúde vitalício, imóvel funcional e veículo oficial, entre outros privilégios.
“O fato de estar sem partido não prejudica a qualidade do meu mandato. Às vezes eu fico isolado um pouco… Aí não é nem por causa dos partidos, às vezes é por causa dos cortes que eu fiz no meu gabinete”, disse. “Alguns me veem como alguém que está querendo atrapalhar. Isso ocorre sistematicamente. Tem parlamentares, por exemplo, que me chamam de demagogo. Demagogo seria se não desse o exemplo no meu gabinete.”
De acordo com o portal de transparência do Senado, Reguffe não usou a cota para exercício da atividade parlamentar (também conhecida como verba indenizatória) desde que chegou ao Parlamento, em 2015. As únicas despesas registradas dizem respeito a compra de materiais de escritório, que somam pouco mais de 4.000 reais nos últimos quatro anos.
O cara não pode ter um carro rico, senão acham que ele está roubando. Se ele tiver um carro pobre, o cara é demagogo.
Além disso, ele diz usar o seu carro particular –um Fiat Mobi– para ir e voltar do trabalho. “Às vezes você vê todo mundo com carro oficial e eu chego com um carrinho ali… Todo mundo fica olhando. Às vezes, alguns nem te reconhecem. ‘Não pode parar aqui, não’. Eu já passei alguns constrangimentos. ‘Mas você é senador com esse carro?’, perguntam.”
Próxima eleição
Se quiser continuar no Senado ou apostar em outro cargo, Reguffe terá que disputar a eleição de 2022. Ele afirmou, no entanto, que ainda não está “pensando nisso”, mas que sabe que provavelmente terá se que filiar a algum partido.
“Pode ser que no futuro eu me filie a algum partido, mas pode ser que não. Eu vou pensar e analisar isso no futuro.”
No Parlamento, Reguffe costuma ocupar uma posição de centro, mas tem trânsito com políticos tanto à esquerda quanto à direita. O último convite que se tornou público foi feito pelo Podemos, legenda que é liderada na Casa por Alvaro Dias (PR).
“A minha preocupação não é a próxima eleição, e sim a que eu fui eleito. (…) Eu sinceramente ainda não sei o que vou fazer. Hoje estou preocupado em cumprir bem o meu mandato.”
Fonte: Uol
Créditos: Uol