O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, afirmou que quer restabelecer as relações com o Brasil e abrir a fronteira entre os dois países, fechada por ele desde 22 de fevereiro. Em carta entregue nessa quarta-feira (17) ao presidente do Congresso Nacional, Davi Alcolumbre (DEM-AP), Maduro faz um apelo ao Congresso para que seja “porta-voz” do governo venezuelano e dê início a um processo de negociação entre os dois países. No texto ao qual o Congresso em Focoteve acesso (veja a íntegra mais abaixo), ele não faz menção a negociações diretas com o presidente Jair Bolsonaro, a quem acusa de interferir na política de seu país e de se submeter a interesses do governo Donald Trump.
“Retomando o espírito de irmandade e solidariedade que deve caracterizar nossas relações, apelo ao Senado Federal, em pleno, para que vocês, como legítimos representantes do povo em toda a extensão da gigantesca geografia brasileira, sejam porta-vozes do interesse do Governo que presido em restabelecer uma relação bilateral amistosa e respeitosa entre nossas nações”, defendeu o venezuelano, também chamado de ditador por Bolsonaro e outras lideranças nacionais e internacionais que consideram que houve fraude em sua reeleição no ano passado. Eles também alertam para outros problemas, como as restrições à liberdade de imprensa e a prisão política de opositores.
Maduro sugere a Alcolumbre a criação de um grupo de trabalho com a participação do Senado brasileiro e representantes da Venezuela para estabelecer regras de convivência e respeito para abrir, em curto prazo, a fronteira entre os dois países como um “gesto compartilhado de boa convivência”.
Mudança de política
Segundo ele, a mudança promovida por Bolsonaro na política externa brasileira ameaça a relação caracterizada pela “harmonia, fraternidade e respeito mútuo” entre Brasil e Venezuela.
“Lamentavelmente, Sr. Presidente, o Poder Executivo atual de seu país tem rompido esta tradição, ao adiantar uma política inamistosa com Venezuela e seu Governo Constitucional, violando sistematicamente o sagrado princípio de não interferência em assuntos internos dos Estados. Para nós, este giro inesperado e ofensivo na política exterior de Brasília tem sido doloroso e sabemos que não interpreta o sentir da imensa maioria do povo do Brasil.”
Procurado pelo Congresso em Foco, a assessoria de Bolsonaro disse que o presidente não vai comentar o assunto. A assessoria do presidente do Congresso ainda não retornou o contato.
A carta foi trazida ao Brasil e entregue a Alcolumbre pelo senador Telmário Mota (Pros-RR), que se reuniu na última segunda-feira (15) com Maduro em Caracas. A reunião incomodou o Palácio do Planalto e o Itamaraty, que defendem o distanciamento entre os dois países, chamam Maduro de ditador e reconhecem Juan Guaidó, chefe da Assembleia Nacional, como presidente. Posição oficialmente adotada por aproximadamente 60 países.
As fronteiras da Venezuela com o Brasil e a Colômbia foram fechadas em 23 de fevereiro para impedir a entrada de alimentos e outros produtos cedidos pelos dois governos e pelos Estados Unidos. Para Maduro, trata-se de uma intervenção externa indevida na política venezuelana com o objetivo destituí-lo do poder.
Crítica aos Estados Unidos
Na carta a Davi Alcolumbre, o presidente da Venezuela tenta justificar sua decisão de fechar a fronteira. “Nos vimos forçados a implementar o fechamento da fronteira terrestre entre nossos países, ante o desrespeito e a agressão da qual fomos vítimas, quando se pretendeu vulnerabilizar nossa sagrada soberania nacional ao permitir que os territórios do Brasil e de nossa irmã Colômbia se prestassem para o decadente espetáculo de intervenção promovida pelo Governo de Washington, sob o falso pretexto de uma operação com caráter humanitário.”
Maduro responsabiliza o governo dos Estados Unidos pela violência interna, pela hiperinflação, pelo desemprego e pela crise econômica em geral que os venezuelanos enfrentam – quase 90% da população vivem em situação de pobreza, segundo estudo de universidades do país – , em razão do embargo econômico. E acusa Trump de estimular o confronto entre a Venezuela, de um lado, e o Brasil e a Colômbia, cujo governo também reconhece Guaidó como presidente, de outro. Ainda na carta, o venezuelano pede que as diferenças ideológicas entre ele e o governo Bolsonaro não sejam colocadas acima da paz e da unidade entre os países.
“Reitero-lhe e mediante ao senhor, e a todas as instituições do Estado brasileiro, nosso desejo de retornar o caminho das relações bilaterais de cooperação, complementação e respeito mútuo, em benefício de nossos povos. A diversidade e as diferenças são inerentes à natureza humana e, em consequência, a dinâmica das relações internacionais. Sem embargo, nenhuma diferença ideológica ou política, pode colocar-se por cima da paz e a unidade dos povos de Nossa América Latina e Caribenha”.
Estado em colapso
Portador da carta, Telmário Mota defende uma reaproximação entre os dois países. “Roraima está em colapso econômico e social”, diz o senador. Mais de 80% da energia elétrica consumida pelo estado vem da Venezuela, cujo sistema está em funcionamento precário desde 7 de março. De lá para cá, já foram trêsgrandes apagões no território venezuelano com reflexos no estado brasileiro. “Eles querem a pacificação e abrir o diálogo”, acredita o parlamentar.
Segundo ele, desde o fechamento da fronteira, Roraima tem um prejuízo diário de 1,5 tonelada em suas exportações. O estado, ainda de acordo com o senador, fica completamente isolado à noite. Como não há acesso pelo lado venezuelano, a única saída possível seria pelo Amazonas, mas a rodovia que liga os dois estados fica fechada à noite. Ele também defende uma solução para os imigrantes que chegaram da Venezuela. “Em 12 meses, gastamos R$ 265,2 milhões com acolhida de venezuelanos em recursos federais. Isso é o dobro do que o Brasil gastou no Haiti de 2004 a 2007”, explica.
Telmário diz que uma possível saída emergencial será discutida, na próxima semana, entre os governadores de Roraima, Antonio Denarium (PSL), e de Bolívar, estado venezuelano que faz fronteira com o Brasil, Justo Nogueira. Para ele, o presidente Bolsonaro precisa olhar com mais carinho para o estado onde recebeu, proporcionalmente, a segunda maior votação em sua eleição. “Ele diz que o Brasil está acima de tudo, está nada. Está abaixo do interesse de mercado dos norte-americanos”, critica.
Veja a íntegra da carta de Maduro a Davi Alcolumbre (a tradução é a original, assinada pelo presidente venezuelano):
“Nicolás Maduro Moraes, Presidente da República Bolivariana da Venezuela
Sr. Davi Alcolumbre, Presidente do Senado Federal da República Federativa do Brasil
Estimado Presidente, desde o mais profundo do meu sentimento latino-americanista de boa vizinhança, quero enviar-lhe e ao corpo legislativo do Senado da República Federativa do Brasil uma afetuosa saudação de irmandade, respeito e solidariedade.
Sr. Presidente, cabe recordar que em janeiro de 2014, na cidade de Havana, Cuba, toda a América Latina e caribenha foi declarada, por consenso, como zona de paz no mercado da 2ª Cúpula da Comunidade de Estados da América Latina e Caribenha (Celac). Nossa América, por conseguinte, deve permanecer livre de pretensões de guerra e promover sua unidade, respeitando, claro, essa sua rica diversidade.
Lamentavelmente, há quem quer e pretende, não só dividir-nos, como também dirigir-nos para uma confrontação. Nossos povos jamais aceitariam nem perdoariam que poderes alheios à nossa região nos conduzam a enfrentamentos por vias armadas.
Nossas relações devem estar sempre assinadas pela paz, o diálogo e o entendimento.
Como o senhor sabe, meu país é ameaçado permanentemente pelo Governo dos Estados Unidos com uma intervenção militar, ao mesmo tempo em que impõe à nossa economia um severo, arbitrário e injusto bloqueio, com o objetivo de forçar uma mudança de governo pela força, ignorando as disposições de nossa Constituição, a vontade soberana do povo da Venezuela e os mais elementares princípios do Direito Internacional. As sequelas que dito […] rechaço de toda a comunidade internacional. É por isso que estimo oportuno escrever estas linhas ao Senado Federal, como representante de um povo admirado, que sabemos ser amante da paz e respeitoso da soberania e independência dos povos de nossa região e do mundo inteiro.
Segue ainda a carta do Presidente Maduro ao Presidente do Senado:
Venezuela e Brasil têm mantido desde sempre relações de harmonia, fraternidade e respeito mútuo. Lamentavelmente, Sr. Presidente, o Poder Executivo atual de seu país tem rompido esta tradição, ao adiantar uma política inamistosa com Venezuela e seu Governo Constitucional, violando sistematicamente o sagrado princípio de não interferência em assuntos internos dos Estados. Para nós, este giro inesperado e ofensivo na política exterior de Brasília tem sido doloroso e sabemos que não interpreta ao sentir da imensa maioria do povo do Brasil.
Retomando o espírito de irmandade e solidariedade que deve caracterizar nossas relações, apelo ao Senado Federal, em pleno, para que vocês, como legítimos representantes do povo em toda a extensão da gigantesca geografia brasileira, sejam porta-vozes do interesse do Governo que presido restabelecer uma relação bilateral amistosa e respeitosa entre nossas nações. Como o senhor bem conhece, no passado 23 de fevereiro, nos vimos forçados a implementar o fechamento da fronteira terrestre entre nossos países, ante o desrespeito e a agressão da qual fomos vítimas, quando se pretendeu vulnerar nossa sagrada soberania nacional ao permitir que os territórios do Brasil e de nossa irmã Colômbia se prestassem para o decadente espetáculo de intervenção promovida pelo Governo de Washington, sob o falso pretexto de uma operação com caráter humanitário.
Neste sentido, Sr. Presidente, valoramos como muito positivo o passo do corpo legislativo que o senhor dignamente preside ao enviar a Caracas o Presidente da Subcomissão que acompanha a situação da Venezuela e suas relações com o Brasil, Senador Temário Mota, para reunir-se comigo e com minha equipe de governo, com a intenção de avançar na normalização de nossas relações bilaterais. É por isso que, após a agradável e franca conversação com o Senador Mota, tomei a decisão de arrancar um processo que nos permita, em um curto prazo, a reabertura dos postos fronteiriços, sob regras claras a ser acordadas entre ambas partes, com um espírito construtivo, de cooperação, de boa vizinhança e de complementação econômica.
Por tal motivo, peço apoio de vossa excelência para estabelecer uma mesa de trabalho binacional, com participação do Senado do Brasil, para concretar as regras de convivência e respeito que nos permitam proceder a reabrir a fronteira, como gesto compartilhado de boa vontade. Tem-me expressado o Senador Temário Mota que é de especial interesse para o Estado de Roraima o sano restabelecimento de nosso intercâmbio comercial, econômico, humano e cultural. De igual maneira, ordenei fazer todos os esforços para superar as adversidades que ocasionou o ataque criminal a nosso sistema elétrico nacional, para restituir, no menor prazo possível, nossa cooperação em matéria de energia elétrica com o estado de Roraima, como sempre tem sido meu desejo. Conte o senhor e o Brasil todo com meu dedicado compromisso nestas decisões.
Finalmente, sua Excelência, reitero-lhe e mediante ao senhor, e a todas as instituições do Estado brasileiro, nosso desejo de retornar o caminho das relações bilaterais de cooperação, complementação e respeito mútuo, em benefício de nossos povos. A diversidade e as diferenças são inerentes à natureza humana e, em consequência, a dinâmica das relações internacionais. Sem embargo, nenhuma diferença ideológica ou política, pode colocar-se por em cima da paz e a unidade dos povos de Nossa América Latina e Caribenha. Tenho a certeza de que lograremos neutralizar as ambições de guerra e as ânsias de confrontação, para juntos retomar o caminho da harmonia e o desenvolvimento compartilhado de nossos povos irmãos.
Agradecendo uma vez mais seu gesto de paz e boa vizinhança, e expressando-lhe meus sentimentos de mais alta consideração, me despeço.
Atenciosamente,
Nicolás Maduro Moros.”
Fonte: Congresso em Foco
Créditos: Congresso em Foco