A estrutura de Estado montada por décadas para preservar o meio ambiente está sob ameaça, na avaliação de ambientalistas ouvidos pelo Congresso em Foco. Embora o presidente Jair Bolsonaro tenha recuado da intenção de extinguir o Ministério do Meio Ambiente – ideia que ganhou força em novembro durante o governo de transição –, especialistas entendem que os 100 primeiros dias da atual gestão, completados nesta quarta-feira (10), apontam para retrocessos na área e uma política de desmonte interno da pasta.
Um exemplo do desmonte é a extinção do departamento de Educação Ambiental do Ministério do Meio Ambiente, que foi incorporado pela Secretaria de Ecoturismo no início de janeiro. A educação ambiental é considerada pré-requisito para que áreas de preservação sejam exploradas pelo setor de turismo de forma equilibrada. Assim, interesses econômicos de curto prazo estariam regulados por interesses ambientais de longo prazo.“Estão desbalanceando o sistema”, avalia Elisabeth Uema, secretária-executiva da Associação Nacional dos Servidores Ambientais (Ascema Nacional), que representa os servidores de carreiras ambientais federais.
O Serviço Florestal Brasileiro foi outro órgão afetado pela reestruturação. Em 2 de janeiro, o primeiro dia útil da nova gestão, foi transferido do Ministério do Meio Ambiente para a Agricultura. Na prática, a discussão interna sobre a autonomia do órgão (prevista em lei) durou até meados de março e o contrato de gestão que permite o funcionamento adequado do Serviço Florestal só foi assinado na última semana do mesmo mês. O órgão tem a missão de promover a ampliação e preservação das florestas públicas e é gestor do Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal. No pasta de Agricultura, a atuação também corre o risco ficar orientada pelas prioridades da produção agrícola, reduzindo as pesquisas sobre espécies nativas, por exemplo.
Enquanto isso, de acordo com dados do Instituto Socioambiental (Isa), nos dois primeiros meses de 2019 a destruição da vegetação nativa na bacia do Xingu atingiu 8.500 hectares de floresta, o equivalente a 10 milhões de árvores e superou em 54% o desmatamento no mesmo período em 2018. Os dados foram obtidos por meio do Sirad X, o sistema de monitoramento de desmatamento da Rede Xingu +. “Manter a floresta pública em pé provê a sociedade de serviços ambientais de longo prazo, como sequestro de carbono e equilíbrio do regime de chuvas”, destaca Elisabeth Uema.
Qualidade de vida urbana
No último dia 27 de março, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, participou de audiência pública na Comissão de Meio Ambiente no Senado e, quando questionado se a pasta já tinha metas para controle do desmatamento e também sobre o aquecimento global, respondeu que a prioridade de sua gestão é agenda de qualidade de vida urbana.
“O que eu penso é que a discussão de que há aquecimento, todos temos alguma concordância, as variações climáticas são perceptíveis, no regime de chuva, níveis de oceanos, enfim uma série de critérios que poderíamos listar, a discussão seguinte é qual o percentual de contribuição das atividades humanas para este aquecimento? Quanto disso é decorrente da atividade humana e quanto é natural da dinâmica do planeta? O que nós nos posicionamos: o Brasil tem inúmeros desafios da agenda de qualidade ambiental urbana, como saneamento e lixo, muito incipientes no que diz respeito à resposta pública e, portanto, a discussão acadêmica acerca do modelo de mensuração [da responsabilidade pelas mudanças climáticas], ainda que nós reconheçamos que ela seja importante, não parece ser o caso prioritário para um órgão governamental dedicar seus recursos escassos”, afirmou o ministro.
Para o advogado socioambientalista André Lima, ex-secretário do Meio Ambiente do Distrito Federal, a posição do ministro representa uma ruptura. “O fato de não priorizar já é um sinal de uma grande fragilidade, sendo que desde o governo FHC, o governo vem fazendo esforços e sinalizando que a questão dos desmatamentos, primeiro na Amazônia e também agora no Cerrado, sempre foi prioridade, tanto é que nos acordos internacionais de clima e biodiversidade o Brasil foi protagonista porque conseguiu minimamente conter e reverter o desmatamento ao ponto de em 2013, 2014, chegar ao patamar mais baixo da história”, lembra o advogado e ambientalista.
Lixo no mar
Entre as ações listadas no final de janeiro como prioritárias pelo governo Jair Bolsonaro para seus primeiros 100 dias de atuação, duas são metas ligadas diretamente ao Ministério do Meio Ambiente, o programa para combater o lixo no mar e o “aperfeiçoamento” do procedimento de conversão de multas do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama). Uma terceira meta relacionada ao tema ambiental está sob responsabilidade do Ministério de Desenvolvimento Regional, o plano nacional de segurança hídrica.
Lançado no final de março, o Plano Nacional de Combate ao Lixo no Mar foi apresentado pelo Ministério do Meio Ambiente como “uma nova estratégia para enfrentar o problema”. A maior parte das 30 ações citadas trata de campanhas de conscientização e coleta de lixo, como mutirões voluntários para recolher resíduos nas praias e apoiar a fiscalização contra descarte irregular de lixo no mar, assim como publicação de livros e campanhas.
Apenas uma ação é voltada para aumentar a capacidade de reciclagem de resíduos: o lançamento de um edital para apoiar projetos inovadores na área de reciclagem e aproveitamento do plástico recolhido do mar. Também há previsão para apoiar planos de negócios de cooperativas de catadores. Apenas duas ações citam da produção e redução do uso pela indústria de plástico e partículas nocivas aos oceanos. “Engajar os setores industriais para explorar a possibilidade de acordos voluntários para o desuso de microplásticos como componentes de produtos cosméticos e de higiene pessoal” é a ação número 20, classificada como de médio prazo.
No fim de 2018, o Ministério do Meio Ambiente publicou um questionário online para receber sugestões da sociedade civil sobre o combate do lixo no mar. A elaboração do plano fazia parte do compromisso voluntário assumido pelo Brasil em junho de 2017, na Conferência dos Oceanos, realizada em Nova Iorque. Sugestões da população como incentivar as práticas de logística reversa no setor privado e cobrar medidas de redução de geração de resíduos para empresas altamente poluidoras não aparecem no plano final, assim como os temas de cobranças a mais para poluidores ou isenção de impostos para recicladores.
Tecnologia limpa
Na avaliação da professora Izabel Zaneti, do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (UnB), ações de educação ambiental e coleta de lixo não atingem todos os agentes sociais da cadeia ambiental, como o setor produtivo. “Não adianta eu fazer as políticas e não investir em tecnologias limpas, qual a tecnologia para não seja usado esse plástico advindo do petróleo? Estou lançado no mercado produtos biodegradáveis a um preço que a população possa comprar? Existe uma série de materiais que podem ser feitos. Acho que precisamos ter muito em mente o cumprimento da Política Nacional de Resíduos Sólidos”, argumenta a pesquisadora.
O documento menciona que a redução do lixo no mar está vinculada à implantação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, implantada por meio de lei em 2010. A legislação previa por exemplo a transformação de todos os lixões em aterros sanitários até 2014, prazo que vem sendo prorrogado pelo Congresso desde então, que usa o argumento das dificuldades financeiras dos municípios. Izabel Zaneti destaca que a lei também trata da logística reversa, quando as empresas são responsáveis por recolher os resíduos sólidos, como embalagens, que colocam em circulação. “Foi o grande gargalo da nossa política, no final ela ficou reduzida a alguns itens, eu penso que seria importante trazer a discussão novamente”, afirma.
Fonte: Congresso em Foco
Créditos: Congresso em Foco