Apontados pela força-tarefa da Lava Jato como operadores de propinas do ex-presidente Michel Temer, João Baptista Lima Filho, coronel reformado da Polícia Militar paulista, e Carlos Alberto Costa, arquiteto, têm algo mais em comum com o ex-presidente. Sócios na Argeplan e na PDA, Lima e Costa também viram seu patrimônio imobiliário se multiplicar: só no estado de São Paulo, acumulam 28,2 milhões em imóveis, valor que cresceu 3.000% em quatro décadas.
Bettina, para quem não entendeu o título, é a garota-propaganda de um fundo de investimento. Promete elevar o patrimônio do cliente em 68.552% em três anos. O Procon de São Paulo multou o fundo por propaganda enganosa.
Os dois operadores de Temer ainda estão longe disso, mas têm se esforçado. Somam 49 imóveis, e são coproprietários em 27 deles. O conjunto inclui apartamentos na Zona Sul de São Paulo e uma fazenda de 2 097 hectares no interior paulista que, por coincidência ou não, cresceu de tamanho nos mesmos períodos em que Temer galgava cargos e influência política, de deputado suplente a presidente da República. Individualmente, Lima tem 4,6 milhões de reais em imóveis, e Costa, 11,5 milhões. O patrimônio imobiliário da Argeplan soma 11,5 milhões de reais, e o da PDA, 670 mil.
Nesta terça-feira, 2, Temer, Lima, a mulher dele, Maria Rita Fratezi, e Costa tornaram-se réus na Justiça Federal do Rio, acusados do desvio de 11 milhões de reais das obras da usina nuclear de Angra 3, no litoral sul fluminense. Eles chegaram a ser presos preventivamente em 21 de março, mas foram soltos quatro dias depois graças a um habeas corpus do Tribunal Regional Federal da 2ª Região.
O levantamento do patrimônio imobiliário de Lima e Costa, além das empresas PDA e Argeplan, foi feito pela piauí em cartórios do estado de São Paulo, e baseia-se nos valores registrados nas matrículas dos imóveis, reajustados pela inflação
– os valores de mercado, em geral, são mais altos. Em 2018, uma reportagem da revista mostrou que o patrimônio da família Temer soma 33 milhões de reais, mas poucos bens estão em nome do ex-presidente – a maior parte foi doada por ele aos filhos e à atual mulher ao longo dos últimos vinte anos.
A Argeplan foi criada em 1976 pelo arquiteto Costa com o nome Carlos Alberto Costa Arquitetura, Construção e Planejamento. Dois anos depois, a empresa começou a vencer licitações para obras da Polícia Militar em São Paulo, onde Lima, amigo de Costa, era major. Em 1984, Lima e Costa fizeram o primeiro negócio imobiliário em sociedade: compraram uma casa na Vila Pompeia por 191 mil reais, corrigidos. Naquele mesmo ano, Lima e mais três oficiais da PM foram nomeados para fazer a interlocução entre a corporação e o então secretário de Segurança Pública do estado, Michel
Temer, na gestão do governador Franco Montoro (1983-87). Por ser o único solteiro dos quatro PMs, Lima tinha mais disponibilidade de tempo para acompanhar o secretário. Das constantes viagens, nasceu uma amizade sólida. Foi Lima quem coordenou a primeira disputa eleitoral do novo amigo, em 1986, para uma vaga na Câmara dos Deputados. Temer não conseguiu se eleger, mas já no início de 1987 obteve uma cadeira na Câmara Federal como suplente no PMDB e tomou parte na Assembleia Constituinte.
Nos quatro anos do mandato de estreia de Temer, o patrimônio de Lima e de Costa cresceu de 2,8 milhões para 7,5 milhões de reais. Foi nessa época que Lima, lotado no Serviço de Engenharia da PM, e Costa começaram a formar a fazenda Esmeralda, em Duartina, na região de Bauru, terra natal de Lima: 70 hectares em 1986, 208 em 1988, 70 em 1989, 67 em 1990. Nas eleições desse último ano, Temer ficou novamente na suplência para uma vaga na Câmara. Em outubro de 1992, dias após o massacre do Carandiru, quando 111 detentos do presídio foram executados pela polícia, o então governador Luiz Antônio Fleury Filho nomeou Temer secretário estadual de Segurança Pública. Ficou por quase dois anos em sua segunda passagem pela pasta.
Na gestão Temer, a PM contratou a consultoria da Argeplan para a construção de torres de telefonia. Na época, apenas Costa e um outro sócio eram donos formais da Argeplan, mas alguns anos antes, em 1988, o próprio Lima havia assinado uma alteração no contrato social da Argeplan, como procurador da empresa. O caso foi investigado pela Assembleia Legislativa paulista, sem resultados. Para a Lava Jato, já naquela época o coronel da PM era sócio oculto da Argeplan. Entre 1993 e 1994, na gestão de Temer à frente da pasta da Segurança Pública, o patrimônio imobiliário dos amigos Lima e Costa pulou de 13 milhões para 19,3 milhões de reais, com a compra de mais 968 hectares em Duartina e dois municípios vizinhos: Gália e Lucianópolis.
Foi na fazenda Esmeralda que, durante a campanha eleitoral de 1994, Temer deu mostras do seu estilo político prolixo: diante dos peões, prometeu que, se eleito, iria “propugnar pela figura do ombudsmando parlamento alemão e pelo recall legislativo”. Ninguém entendeu nada, mas, auxiliado por Lima, o candidato melhorou os discursos eacabou eleito. Na Câmara, tornou-se líder do PMDB. Cada vez mais poderoso no partido, foi escolhido presidente da Câmara em 1997 e garantiu ao então presidente FHC os votos necessários para aprovação da emenda da reeleição. Em troca, ganhou o controle sobre a Companhia Docas do Estado de São Paulo, a Codesp, que administra o porto de Santos, e emplacou o nome de Marcelo de Azeredo à frente do órgão. Na época, os terminais portuários estavam sendo concedidos à iniciativa privada, em licitações pouco transparentes e com fortes suspeitas de corrupção, que viriam à tona em uma briga de marido e mulher.
Em um processo judicial de dissolução de união estável contra Azeredo, a então estudante de psicologia Érika Santos anexou planilhas retiradas do computador do ex-companheiro que sugeriam o repasse de propinas por parte de empresas arrendatárias de terminais do porto a pessoas identificadas como “MA”, “MT” e “L” – que seriam, supostamente, Marcelo de Azeredo, Michel Temer e o coronel Lima. “Lima quer participação p/ MT + MA + L (em torno de 20%)”, diz um trecho da planilha. Em outro, há referência a duas das áreas arrendadas em 1998: “Arrend. Armaz. 34/35 + pátio p/mov. contêiner invest. 40 milhões”, seguido da anotação: “Lima está terminando contrato. Percentual ainda não acertado… MT + MA + L.”
Apesar das suspeitas, Lima não foi investigado no inquérito que a Polícia Federal instaurou em Santos para apurar os crimes de corrupção, fraude em licitação e evasão de divisas por parte de Temer e de Azeredo. Érika Santos acabou mudando sua versão sobre o caso – ao ser intimada a depor, retirou todas as acusações contra o ex-marido. A investigação acabaria arquivada.
Em 2000, o patrimônio imobiliário de Lima e Costa chegou a 23,1 milhões – o coronel da PM ampliou a fazenda Esmeralda em mais 184 hectares e comprou um apartamento duplex no Jardim Europa, em São Paulo, de uma offshore uruguaia. Três anos depois, foi a vez de Costa adquirir o seu duplex, de 400 metros quadrados, na Riviera de São Lourenço, bairro de Bertioga, litoral paulista – ele venderia o imóvel dois anos depois. Lima faria sua última aquisição imobiliária em 2005: comprou mais 542 hectares em Lucianópolis por 1,2 milhão de reais. Em 2011, tornou-se sócio formal da Argeplan.
Atualmente, os 2 097 hectares da fazenda Esmeralda estão ocupados com cabeças de gado e plantio de eucalipto. Em maio de 2016, pouco antes de Temer assumir a presidência após a abertura do processo de impeachment de Dilma Rousseff, cerca de mil integrantes do MST invadiram a fazenda e ficaram uma semana no imóvel para “denunciar as conspirações golpistas de Temer, muitas vezes articuladas dentro da propriedade”. Houve outras quatro invasões de sem-terra, a última em novembro do ano passado. Em Duartina, a propriedade é conhecida como “fazenda do Temer”. No ano de 2017, a PF apreendeu na Esmeralda documentos que indicam a participação do coronel Lima no repasse de recursos e de material de campanha nas eleições de 2014, em que o amigo Temer foi reeleito vice-presidente.
Procurado, o advogado de Lima e de Costa, Cristiano Benzota, disse em nota que “inexiste qualquer relação entre a aquisição de patrimônio imobiliário” por parte da dupla “com qualquer fato relativo ao ex-presidente.” O advogado de Temer, Eduardo Pizarro Carnelós, nega que o ex-presidente tenha recebido vantagens indevidas tanto na usina de Angra quanto no porto de Santos. A defesa de Azeredo afirma que as planilhas apresentadas por sua ex-namorada não foram consideradas pela Justiça como provas ou mesmo indícios contra o ex-diretor do porto.
Fonte: Piauí
Créditos: Piauí