Despreparo, paralisia, trapalhadas e desarticulação: termos repetidos quase que unanimemente por deputados de oposição ao avaliarem os três primeiros meses do governo Jair Bolsonaro (PSL) e que explicam a inexecução de políticas públicas básicas, com o Ministério da Educação (MEC) apontado como maior exemplo dessa conjuntura. Olhando para o futuro, porém, lideranças ouvidas pela Fórum receiam eventual capacidade de aglutinação de forças conservadoras, com o propósito de viabilizar a chamada “Agenda Paulo Guedes” – justamente em razão das forças que atuam por trás dos interesses no desmonte do Estado, em privatizações na retirada de direitos sociais e na subserviência aos Estados Unidos.
Líder do PSB na Câmara, o deputado Tadeu Alencar (PE) explica: “O presidente acabará sendo chamado à responsabilidade. Afinal de contas, foi apoiado por setores que não querem ver sua aposta política derreter com tamanha precocidade”.
Sobre a inexistência de um projeto para o Brasil, o parlamentar acredita que a pauta do ministro da Economia, Paulo Guedes, – especialmente simbolizada pela proposta de reforma da Previdência – é a única que “sabe onde quer chegar”.
Raciocínio semelhante é do deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ). “Estão demonstrando grau de desarticulação e disputa interna pelo poder, que, no primeiro momento, fazem com que essa agenda não consiga ser plenamente implementada, mas serão pressionados para um acerto que consiga viabilizar, dentro do governo e com outros atores políticos, como o próprio centrão.”
Acordos x Resistência
Tadeu Alencar lembra do documento assinado, na semana que passou, por partidos de centro-direita que integram o bloco citado por Glauber, acenando para o apoio à reforma da Previdência, desde que sejam retiradas do texto mudanças que afetam as regras para a aposentadoria de trabalhadores rurais e o pagamento de benefício para idosos extremamente pobres. “Começam a dar uma organizada.”
A articulação dos partidos de esquerda e a mobilização popular contra o “pacote de maldades” da PEC de Bolsonaro são elencadas pelos deputados do PSB e do PSOL como outros impasses para o sucesso da única bandeira “estruturante” do governo levada a público em seus primeiros três meses.
Bolsonaro ainda não começou a governar
Vice-líder do PT na Câmara dos Deputados, Marília Arraes (PE) observa que, para além da oposição oficial, os partidos da base do presidente também têm desempenhado o papel de opositores a partir de suas “atuações pífias”. Quanto ao Executivo, ela acredita que, três meses após a posse de Bolsonaro, o presidente ainda não começou a governar.
“Ele precisa dar uma reposta para os que esperavam movimentação positiva na economia, diminuição nas taxas de desemprego. Nunca é positivo para um País ter um governo parado como esse”, pontua.
Marília e Glauber Braga exemplificam que as universidades e o institutos federais estão à deriva, passando por sérias dificuldades em decorrência do despreparo do ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, e dos auxiliares que conseguiram se manter nos cargos em meio à dança das cadeiras promovida na pasta pela disputa entre alas rivais do Planalto.
“Estão nas mãos de uma pessoa que pode atirar tudo pelo ralo, por despreparo, por má vontade. Isso precisa ser estancado imediatamente”, cobra Marília.
O parlamentar do PSOL completa: “O papel da oposição é cumprir uma agenda de resistência contra a pauta econômica e de cobrança para as ações necessárias em setores que não podem ficar paralisados”.
Pior do que o esperado
Para Jandira Feghali (PCdoB-RJ), líder da Minoria na Casa, o desempenho de Bolsonaro é pior do que os mais graves prognósticos da oposição.
“É uma equipe que não consegue demonstrar qualquer tipo de qualidade. As audiências públicas no Congresso até agora, em diversas comissões, são um absoluto desastre. Ninguém consegue articular coisa com coisa (…) São pessoas desqualificadas. Além de provocar atritos institucionais permanentes, apostando no caos”, lista a parlamentar.
Nesse aspecto, Tadeu Alencar afirma que Bolsonaro segue se utilizando da estratégia de atacar a política e as instituições, bem como desviar a atenção de questões para as quais não tem resposta – seja posando para fotos de chinelo ou postando vídeos escatológicos no Twitter, referindo-se ao episódio do Golden Shower no Carnaval.
Jandira aponta que as contradições do governo são mais profundas e explícitas do que se imaginava, potencializadas pela falta de comando do presidente, demonstrada pela pouco republicana interferência de seus filhos Eduardo, Flávio e Carlos Bolsonaro: “É dramático o que acontece no Brasil”.
E a corrupção?
Para a parlamentar do PCdoB, a narrativa do combate à corrupção explorada pela campanha também começa a dar sinais de desgaste.
“O chamado laranjal podre apareceu, vinculado ao PSL, à família, a uma estrutura de campanha contaminada por processos de corrupção, envolvendo, inclusive, o presidente da República. O homem de confiança [ex-ministro Gustavo Bebianno] caiu do governo. A opinião pública vai se dando conta do que fez, mas ninguém gosta de admitir que errou. É um processo, mas ainda não é algo consolidado porque se mantém esquema de comunicação permanente e pesado”, aposta Jandira.
“Cem dias desperdiçados”
Para Ricardo Caldas, professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília, o balanço dos primeiros cem dias é positivo. Apesar das falhas na comunicação, para ele a população teve atendida a mudança sobre a perspectiva de governo e sem o toma lá da cá de cargos de antigos governos.
“A bolsa semana passada deu um puxão de orelha em cada um, o fim de semana serviu para baixar a temperatura política, vamos ver até quando dura”, avaliou Caldas.
Já para Aninho Mucundramo Irachande, especialista em Ciência Política da UnB, por hora os aspectos que predominam do governo Bolsonaro são negativos, como uma sensação de ausência de governo além de despreparo técnico em pastas como Educação e Relações Exteriores.
“Então foram cem primeiros dias desperdiçados em promessas sem projetos como se nós continuássemos em clima de campanha”, ponderou.
Fonte: Revista Fórum
Créditos: Revista Fórum