Em um novo capítulo da crise política, o presidente Jair Bolsonaro e o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), protagonizaram nesta quarta (27) um novo embate público, agravando o mal-estar entre o Executivo e o Legislativo.
A crise entre os dois Poderes levará o Planalto agora a ter que reiniciar uma operação contra a crise política, com mais interlocutores e congressistas, na tentativa de viabilizar projetos estratégicos ao governo, como a reforma da Previdência.
Num contraponto à equipe ministerial e às lideranças do governo, que vinham tentando arrefecer o clima de incômodo e restaurar os canais de diálogo, Bolsonaro voltou a fazer uma provocação a Maia nesta quarta, o que irritou novamente o deputado federal.
Em entrevista à TV Bandeirantes, o presidente disse que o deputado federal foi “infeliz” ao ter atacado o ministro da Justiça, Sergio Moro, e afirmou que Maia está “um pouco abalado com questões pessoais que vêm acontecendo” em sua vida.
O presidente fazia referência ao incômodo de Maia com os pedidos de Moro para pautar o pacote anticrime e à prisão na semana passada do ex-ministro da Secretaria-Geral Moreira Franco, sogro do deputado.
“Não tenho problema algum com o Rodrigo Maia. Nada, zero problema com ele. Ele está um pouco abalado por questões pessoais que vêm acontecendo na vida dele”, disse. “Ele foi infeliz. Pelo que vi, já se acertou, quando fez uma crítica a Sergio Moro, dizendo que é meu funcionário. Aquilo ele levou pancada da mídia”, acrescentou.
Os comentários de Bolsonaro tiveram reação imediata de Maia, que, durante a manhã, havia tentado colocar panos quentes na relação com o Palácio do Planalto após a aprovação de emenda constitucional que diminui o poder do Executivo sobre as emendas de bancada.
Maia disse que Bolsonaro está “brincando de presidir o país” e que está na hora dele “parar de brincadeira”. Segundo ele, “abalados” estão os brasileiros que aguardam que o governo federal “comece a funcionar”.
“São 12 milhões de desempregados, 15 milhões de brasileiros vivendo abaixo da linha da pobreza e o presidente brincando de presidir o Brasil”, afirmou. “Agora, está na hora de a gente parar de brincadeira e está na hora de ele sentar na cadeira dele, de o Parlamento sentar aqui e a gente resolver em conjunto os problemas do Brasil”, disse.
No final da tarde, em encontro com empresários em São Paulo, Bolsonaro rebateu Maia em entrevista a redes autorizadas a participar do evento —Bandeirantes, SBT, NBR, Record, Rede TV e TV Cultura; a Folha não foi incluída.
“Se foi isso mesmo [que Maia falou] eu lamento, porque não é uma palavra de alguém que conduz uma Casa. É uma irresponsabilidade. A nossa forma de governar é respeitando todo mundo e o povo brasileiro. Não existe brincadeira da minha parte, muito pelo contrário. Até quero acreditar que ele não tenha falado isso”, disse o presidente.
Ele disse ainda que há uma “tentativa de envenenar” sua relação com o Congresso.
O governador de São Paulo, João Doria, também participou do encontro e tentou apaziguar o conflito. “Esse é um momento de paz, de tolerância, não é um momento de beligerância. Não é o momento de estabelecermos cisões entre o Legislativo, o Executivo e nem o Judiciário.”
O presidente e a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, foram recebidos na casa do empresário Elie Horn, fundador do grupo imobiliário Cyrela.
A troca de farpas desanimou integrantes da equipe do presidente. Segundo eles, Bolsonaro havia sido recomendado na terça-feira (26) que não fizesse mais provocações a Maia e que tentasse diminuir os ânimos para viabilizar um encontro entre ambos no início de abril.
Nas palavras de um auxiliar palaciano, agora, a operação para arrefecer a crise política “terá de ser reiniciada” e exigirá uma participação maior de interlocutores do Palácio do Planalto e de senadores aliados, que foram escalados no início desta semana para abrir um canal de diálogo com Maia.
A avaliação foi de que as declarações acabaram ofuscando o discurso pacificador adotado nesta quarta-feira (27) pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos), e anularam os acenos políticos feitos por Bolsonaro a Maia.
Na mesma entrevista à TV Bandeirantes, o presidente disse que, na volta de viagem a Israel, programada para a próxima quinta-feira (4), ele encontraria Maia e acrescentou que está com a mão “sempre estendida a ele” ao deputado federal.
“O que eu tenho feito de errado? Onde tem um ataque meu ao Congresso Nacional e ao Rodrigo Maia? Não tem um ataque”, afirmou. “Eu apelo aos parlamentares de todo o país que temos de aprovar a reforma, senão o país quebra. Não estamos aprovando a reforma do presidente ou do meu governo, mas a do Brasil”, acrescentou.
Na noite desta quarta, Maia afirmou que deixará o presidente “começar a trabalhar”.
“Da minha parte terminou, mas eu prometo que eu vou deixar o presidente começar a trabalhar. Então daqui para frente eu não respondo mais nenhuma gracinha, nenhuma insinuação, porque a gente precisa que ele trabalhe.”
Criticado por ter aberto raramente a sua agenda de audiência para deputados e senadores, Bolsonaro disse que não tem como “atender todo mundo” e que a sua equipe de articulação política tem dado atenção aos integrantes do Legislativo.
“O que o pessoal reclama é mais a aproximação. Eu não posso atender a quantidade de parlamentares”, disse. “Esse contato que o pessoal cobra não tem como atender. Nenhum presidente conseguiu atender dessa forma”, afirmou.
ONYX E MOURÃO MINIMIZAM
O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, minimizou a troca de farpas entre Bolsonaro e Maia.
Segundo Onyx, as declarações do presidente fazem parte de sua “simplicidade” que o acompanha ao longo de sua história política. Ele disse que é comum que o presidente dê “caneladas” e depois peça desculpas.
“O presidente Bolsonaro, ao longo de sua historia política, sempre disse em algum momento sobre suas caneladas e ele, naquela sua simplicidade que lhe é característica, diz: desculpa aí, ok? Ele é assim. Eu acho que a gente precisa de um tempo de apaziguamento”, afirmou ao deixar o Congresso, onde passou a tarde em reuniões com senadores para tentar acalmar os ânimos na relação entre o Congresso e o Executivo. Em entrevista, o presidente criticou Maia por ter reclamado publicamente do ministro Sergio Moro (Justiça), a quem se referiu como “funcionário de Bolsonaro” em tom pejorativo.
Onyx disse ainda que o processo de apaziguamento na relação entre Câmara e Planalto ainda está em curso e comparou o episódio ao tratamento de febre alta. “Eu ainda acredito que eventuais colocações ainda fazem parte desse processo. Ainda estamos na fase do apaziguamento. Como quem tem febre alta durante um tempo. Não vai resolver na hora a febre, tem um tempinho para que ela ceda e a pessoa saia”, disse.
O vice-presidente, Hamilton Mourão, também tentou arrefecer a polêmica e fez elogios públicos ao presidente da Câmara. Segundo ele, Maia é “imprescindível” para aprovar a reforma previdenciária.
“Houve algum ruído na comunicação entre os dois. Eu julgo que Maia é imprescindível no processo que estamos vivendo atualmente no Brasil, pelo papel que ele tem na Câmara dos Deputados. Acho que ruídos ocorrem”, ressaltou.
Fonte: Folha de S.Paulo
Créditos: Folha de S.Paulo