Estou em Genebra, a convite do Centro de Estudos Legais e Sociais, uma prestigiada organização de direitos humanos da Argentina que, junto a entidades do Brasil e de outros países, organizou uma agenda de conferências paralelas à reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Eu fui convidado para falar num painel sobre as novas formas de autoritarismo.
O que aconteceu depois da minha fala foi inacreditável. A embaixadora do Brasil nas Nações Unidas, Nazareth Azevedo, apresentou-se no local e, sem ter ouvido minha fala, pediu direito de réplica. Uma “réplica” estranha, já que ela trouxe um discurso escrito, que seria lido independentemente do que eu tivesse falado. Um discurso mais estranho ainda, porque não parecia a intervenção de uma embaixadora, mas a gritaria de uma ativista de ultradireita na rede social.
Pareceu a todos que ela foi ao evento como representante da família Bolsonaro, não do Estado brasileiro. Ela leu um discurso defendendo o presidente, afirmando que Bolsonaro não é fascista, nem racista, nem homofóbico, e que não tem relação com as milícias (apesar de haver fartas evidências do contrário). Ela fez até referências a mim, mencionando o “cuspe”, e disse que eu saí do Brasil para “viajar pelo mundo”, debochando assim das razões que me obrigaram a deixar o país: as ameaças de morte contra mim e a brutal campanha difamatória orquestrada pelos atuais inquilinos do Palácio do Planalto e seus aliados.
Foi vergonhoso, constrangedor, inédito na história da diplomacia brasileira, que sempre foi mundialmente reconhecida por seu profissionalismo.
Depois de ler seu discurso partidário cheio de mentiras, a embaixadora quis ir embora, recusando-se a ouvir minha resposta. Outros palestrantes pediram a ela que, mesmo que fosse apenas por educação, ficasse e escutasse o que eu tinha a dizer. Porém, quando comecei a responder, ela não conseguia manter a compostura, interrompia, gritava, tentando provocar um bate-boca comigo.
Vou repetir: estávamos em Genebra, num evento com diplomatas e representantes de organizações sociais de todo o mundo, e essa adolescente nervosinha que fez um barraco na frente de todos era a embaixadora do nosso país nas Nações Unidas. Foi tão constrangedor que me faltam palavras para descrever a vergonha que eu senti como brasileiro.
Essa gente ainda não entendeu o que é o Estado. Acham que o país é sua conta de Twitter, que o governo é um grupo de WhatsApp. É surreal.
Barraco na ONU promovido pela embaixadora do Brasil que se recusou a ouvir a resposta de Jean Wyllys. pic.twitter.com/kB8XP8TByv
— Jamil Chade (@JamilChade) 15 de março de 2019
Mas, por outro lado, a reação destemperada, infantil e tosca da nada diplomática representante do governo miliciano mostra o quanto a minha voz e as minhas denúncias incomodam o presidente da República. A embaixadora nunca havia participado desse tipo de evento paralelo e só foi lá, com seu ridículo discurso pronto, porque soube da minha presença. Eu não sou mais deputado, abri mão do cargo porque precisava proteger minha vida, mas não abro mão do meu ativismo em qualquer lugar do mundo onde eu estiver.
Sou apenas um cidadão, já sem o cargo para o qual fui eleito (e que o estado de exceção em que vivemos me fez perder), mas mesmo que não seja mais deputado, minha voz é ouvida por muitos e muitas no mundo inteiro, e isso preocupa o fascista mentiroso e medíocre que ocupa a Presidência da República. Por isso a embaixadora teve que correr até a sala onde eu estava para fazer aquele papelão. Quanta baixaria!
Presidente, o senhor está avisado: eu vou continuar falando. E vou continuar denunciando seus vínculos com o crime organizado e as milícias, sua relação com os assassinos de Marielle, seu governo de incompetentes, seu projeto fascista, sua boçalidade. Vou continuar defendendo os direitos humanos e as liberdades individuais do nosso povo em qualquer lugar do mundo onde eu tiver a possibilidade de ser ouvido. E não vai ser uma embaixadora que agiu mais como um “bolsominion” de Facebook que vai me fazer calar.
Fonte: UOL
Créditos: Jean Wyllys