Iana Chan, de 30 anos, é íntima dos códigos de programação. Quando enveredou pelo caminho da tecnologia, porém, encontrou um mundo de homens e um gato-pingado de mulheres. “Era a única nas reuniões, ouvia piadinhas.” Ela não deixou barato: para apoiar jovens interessadas em descobrir a programação, criou um clube só para elas. “É difícil se imaginar em alguma coisa se não vê alguém como você fazendo”, conta Iana, fundadora da PrograMaria, que oferece cursos e palestras para mulheres.
A frase resume o motivo de existir da PrograMaria e de outras redes de mulheres pelo Brasil. Em comum, esses grupos querem ser espelho para meninas no início da corrida em carreiras consideradas masculinas ou em busca de cargos de liderança que até então só eles ocupavam.
“Ser mulher em tecnologia é muito solitário. É comum que elas venham com o depoimento de que são as únicas”, afirma Iana, que vê dilemas como jornadas longas durante a maternidade e assédio no trabalho. “Trocamos estratégias para conseguir pleitear um ambiente mais respeitoso.”
Há dez anos como um apoio para advogadas, o grupo Jurídico de Saias viu o cenário mudar em algumas áreas – em outras, nem tanto. “Nas empresas, o caminho é menos dolorido. Não vemos tanto progresso nos escritórios de advocacia”, diz Josie Jardim, de 52 anos, fundadora do grupo e diretora jurídica da Amazon. O Jurídico de Saias tem 1,4 mil participantes, que trocam figurinhas sobre assuntos que podem ir do Código Penal à amamentação.
Ianda Lopes, de 43 anos, é uma das associadas desde que o grupo nasceu. Diretora jurídica para a América Latina da GE Renováveis, alcançou o posto quando estava grávida de 8 meses. “Com três filhos, na posição que tenho, fui inspiração para meninas mais novas.” Para ela, que agora trabalha pela inserção de jovens negras, algo ainda mais raro na área do Direito, ter mulheres em posições de destaque é bom para as próprias corporações.
“Empresas já se deram conta de que diversidade é algo mandatório, mas continuamos fazendo trabalho de formiguinha.” Ianda se lembra de uma reunião em que um homem interpretou que uma colega não voltaria à ativa após o segundo filho. “Perguntei de onde tinha tirado a informação. Talvez ela precisasse ainda mais de trabalhar.”
Se a caminhada, principalmente para mulheres advogadas que buscam posições de liderança, continua árdua, a boa notícia, diz Josie, é que hoje há mais redes de apoio. “Por muito tempo, várias de nós tínhamos a impressão de que mulher não ajuda mulher e que os problemas que uma enfrentava eram muito específicos.”
Fruto do Jurídico de Saias, um grupo de advogadas no Rio Grande do Sul é um exemplo dessas novas redes. O Women in Law Mentoring (WLM) faz até “amadrinhamento” de jovens no início da carreira por mulheres que já alcançaram posições de destaque.
“Hoje sou executiva jurídica. Quanto mais eu subia, mais solitária ficava. Se tivesse tido referências femininas, teria sido mais fácil”, diz a advogada Ana Carolina Tavares Torres, de 40 anos, uma das fundadoras do WLM. O programa faz o “match” entre as mentoras e as jovens recém-formadas, que são apoiadas durante 12 meses.
Incentivo
Os obstáculos para o sucesso na carreira podem começar até antes da formação. Desencorajadas nas áreas de Exatas, é comum que garotas nem cogitem seguir em profissões como Engenharia. “Achamos importante ir às escolas e mostrar a elas que somos da área, gostamos e temos sucesso”, diz a engenheira Clarissa Loureiro, de 37 anos, ex-presidente da organização Women in Engineering da América Latina. A falta de representação, diz, ajuda a perpetuar problemas, como assédios sexuais. “Não temos a quem recorrer. Acham que somos loucas.”
Contra violências até mais sutis na universidade, como a desqualificação por colegas homens, pesquisadoras também se mobilizaram. “Elas têm até enfrentado orientadores para ter bancas com mais mulheres”, diz Rafaela Falaschi, de 36 anos, bióloga e fundadora do Mulheres na Ciência. Para ela, há uma falso entendimento de que o ambiente acadêmico é menos desigual. “Temos uma ideia romantizada de que não há assédio, preconceito, de que seria um ambiente neutro e não é bem assim.”
Na internet, o Mulheres na Ciência dá visibilidade a pesquisas feitas por elas e usam o método científico para mostrar que os problemas não são individuais, mas enraizados na sociedade. “Está incutido que o homem tem mais características de um bom cientista”, diz Rafaela. “Queremos falar que podemos fazer o que quisermos.”
Ações no Dia da Mulher
Em comemoração aos 10 anos do grupo, o Jurídico de Saias organiza um evento no dia 13 de março com palestras sobre Mercado Jurídico e Imagem Corporativa. O evento será às 19 horas na Escola de Direito do Brasil (Rua Itapeva, 538, Bela Vista). Interessados podem entrar em contato com a organizadora, a advogada Norma Mosic, no e-mail [email protected].
Para aumentar a visibilidade de mulheres na tecnologia, a Programaria faz, no dia 9 de março, uma maratona para a edição de novos artigos sobre mulheres na Wikipédia. A ação, em comemoração ao Dia da Mulher, também pretende melhorar os textos que já existem e traduzir aqueles em inglês. A maratona é feita em parceria com a Intel. Saiba mais aqui.
Fonte: Estadão
Créditos: Estadão