Rubens Nóbrega

Baseada em fatos reais, como dizem no cinema.
A casa é cinematográfica”, pensei, tão logo me vi diante dela, dentro de um dos mais caros condomínios horizontais da cidade. Fui a convite do dono, Epitácio, velho amigo que não via há mais de vinte anos. Fui para a festa dos seus 50 anos, que ele resolveu celebrar na mansão comprada há pouco, disseram-me lá.

Nem sei como Epitácio descobriu o meu endereço, mas o fato é que o convite me alegrou bastante. Bela oportunidade de me divertir, rever velhos amigos, alguns deles contemporâneos de Liceu, outros de ginásio, e botar em dia os assuntos com Epitácio, grande companheiro das antigas que, pelo visto, prosperara uma enormidade.

A festa seria um churrasco, em trajes informais, do jeito que gosto. Quem quisesse, poderia levar peças adequadas a banho de piscina, informava o rodapé do convite. “Pelo visto, a casa do velho Epitácio deve ser um troço”, disse na véspera a um amigo comum, também convidado, querendo significar que a moradia do cara deveria ser espaçosa, bacana.

Fui econômico nas minhas expectativas, confesso a vocês. Quando cheguei ao condomínio no dia da festa, foi que vi. Aquilo lá é um palácio, bem maior e bem mais bonito do que a maioria das casas do condomínio. E olha que é cada uma mais imponente que a outra. Um luxo só. Máximo, diria o colunista Gerardo Rabello.

E só vocês vendo por dentro. Epitácio fez questão de mostrar. Fiz, maravilhado, um tour pelos cômodos principais. Quanta riqueza, quanto bom gosto! Beleza de decoração. Móveis, lustres, luminárias em geral, tapetes, escadas e rampas. Uma lareira na sala de estar. A cozinha toda de armários projetados e eletrodomésticos de última geração.

Passamos rapidamente pela garagem, aberta, no fundo do quintal. Notei uma Land Rover, daquelas que carregam a rainha Elizabeth II, e uma Mercedes conversível. Ao lado, duas bicicletas e um jet-ski. Sobre a garagem, dois apartamentos. “Um é para as moças que trabalham aqui; o outro, para o motorista e o vigia”, explicou Epitácio, percebendo a minha indisfarçada curiosidade.

Na lateral esquerda da casa, a céu aberto, a piscina com dimensões olímpicas, uma churrasqueira imensa em alvenaria e um pequeno parque de diversões para crianças. Adiante, uma quadra de tênis que seguramente poderia servir a uma partidinha de vôlei ou a uma peladinha de futebol soçaite.

Mais uma vez, vendo o quanto este seu amigo estava impressionado, Epitácio cuidou de esclarecer. “São três lotes, Rubinho, que comprei assim que abriram as vendas dos terrenos. Só assim pude construir tudo isso”. Em agradecimento, fiz os elogios de praxe ao sucesso e verbalizei a constatação de que ele estava bem disposto, saudável, feliz, sobretudo.

“Realmente, não tenho do que me queixar. Devo ter dado sorte na vida. Tenho tudo isso e mais um pouco, mas tenho o que é meu verdadeiro tesouro: uma mulher que adoro, que me ama, dois filhos maravilhosos e disposição pra muito mais”, abriu-se ele, deixando antever que aquela seria uma celebração para dizer a todos nós o quanto ele ascendera socialmente, financeiramente.

No mais, foi mesmo uma festa de arromba. No churrasco, carne de primeiríssima qualidade. Picanha, por exemplo, só argentina. Maminha, do Uruguai; costelinhas de porco e de carneiro, gaúchos; as aves, da granja de Epitácio.

Tudo regado a vinhos encorpados (Syrah ou Merlot) para as carnes vermelhas e Chardonnay, Sauvignon Blanc e Beaujolais para quem optasse pelo fraguinho na brasa. Fiquei no uísque, rótulo azul (é mole?), para acompanhar o anfitrião.

Lá pras tantas, formou-se uma cativante roda de papo comandada por Epitácio, que já meio alto começou a ‘cagar goma’, como dizia minha vó Mãe Damiana sobre quem se pabula de ter muita coisa e, no final das contas, acrescentava ela, “não passa de um novo rico ostentador”.

Desconhecia tal faceta da personalidade do meu amigo, mas já me deparei com comportamento idêntico em outras pessoas que cruzaram comigo nas esquinas da vida. Epitácio, que já deveria ter ingerido um litro ou mais, deu o pau a falar de posses e feitos, gabando-se ainda viagens rotineiras à Europa, aos Estados Unidos e Dubai.

“Vez em quando, dou uma passada no Caribe, Bahamas principalmente”, revelou. Alguém, não lembro quem, perguntou se “tinha o que ver nas Bahamas”, ao que Epitácio respondeu, meio que rindo: “Tem muita coisa pra ver lá não. Na verdade, eu só vou lá pra atualizar os autógrafos”.

Não entendi o que ele quis dizer, mas, também animado pelo uísque caríssimo e farto como nunca mais teria a oportunidade de tomar, aproveitei a ocasião em que ele foi tirar água do joelho e perguntei ao nosso amigo comum, que estava ao meu lado:

– Epitácio acertou alguma Mega Sena acumulada, virou industrial, é dono de alguma rede de supermercados ou de postos de gasolina?

– Nada disso não, compadre. Epitácio sempre foi funcionário público, só que sempre trabalhou com política. Daí virou assessor do ‘home’, que ele conhecia desde a repartição. Hoje, é quem cuida dos fornecedores, licitações, contratos, negócios assim. Tá explicado?

Claro, mais do que explicado. E feito Epitácio sei de mais uns dois ou três que de repente receberam aquele dom extraordinário de obrar o milagre da multiplicação. Recebem salário, gratificação e jetons, no máximo. Mas ostentam um patrimônio de fazer inveja, se brincar, a um Roberto Santiago.

Coisas da Paraíba. Ou melhor, da ‘Nova Paraíba’.