“Quando falo sobre isso, parece que sou culpada pelo que aconteceu”, afirma L. O., 32 anos, que pediu para manter apenas as iniciais do nome no relato à Universa. Comentários do tipo “você provocou“ são recorrentes em sua vida. Também tem medo de represálias, principalmente do ex-marido, que tentou matá-la após a separação.
Em uma madrugada de setembro de 2018, depois que ele saiu de casa e já com o processo de divórcio andamento, o ex a procurou pedindo que reatassem. Ela negou. A resposta dele foi a violência. O homem a agrediu a tal ponto que ela pensou: “Se não fizer alguma coisa, vou morrer”. No momento em que procurava um pedaço de madeira para golpeá-la, ela conseguiu correr e pedir ajuda. Se salvou de uma tentativa de feminicídio.
Depois disso, e agora com uma medida protetiva que o mantém afastado, L. mudou de cidade, refez o salão de beleza do qual era dona, começou um novo relacionamento e se vê hoje na obrigação de alertar outras mulheres que passam pela mesma situação que ela passou. “Uma me disse que se sentia culpada por se separar. Aconteceu comigo também. Na hora, pensamos que pode ser uma doença, que ele vai se curar. Mas é violência mesmo.”
Leia o depoimento de L.:
“Cresci com aquela ideia de constituir uma família. Quando conheci meu ex-marido, aos 16 anos, estava muito fragilizada. Meus pais estavam se separando, era um momento difícil. Ele era um príncipe encantado. Prometeu mundos e fundos, dizia que ia cuidar de mim e me proteger. Era tudo que eu nunca tive. Nos casamos menos de um ano depois.
Uma semana antes do casamento, pensei em não seguir com a relação. Ele já demonstrava um comportamento instável. Lembro que, no namoro, da vez que pedi para terminar, ele pegou um ferro quente e marcou a pele com a letra do meu nome.
Ameaças no começo do casamento
No início do casamento, ele começou a dizer que, se eu o traísse, iria me matar. Que se nos separássemos e ele me visse com outro, mataria os dois. Ele sempre foi ciumento, mas começou a ser agressivo. Quando andávamos na rua, ele sempre cismava que eu olhada para outros homens. E assim começavam as brigas.
Quando chegávamos em casa, discutíamos. E ele passou a me agredir: já me sufocou várias vezes, jogou um banquinho de criança em mim. Uma vez colocou uma espingarda no próprio queixo e disse que ia se matar. Comecei a pensar que de fato eu o atiçava. Ele também pedia desculpas e eu dizia para mim mesma que foi um momento de exaltação.
Mas em alguns momentos pensei em me separar. O problema é que não tinha para onde correr. Meu pai não era próximo, minha mãe não tinha condições de me ajudar. Acreditava que Deus poderia restaurá-lo, que se o abandonasse estaria deixando de ajudá-lo. Frequentávamos uma igreja evangélica e, da porta da casa para fora, éramos o casal perfeito.
Tentativa de assassinato depois da separação
No ano passado, nas audiências do divórcio em que nos encontramos, eu falava como as coisas tinham acontecido e ele dizia que não, que tinha sido de outro jeito. Era um poder de persuasão tão forte que eu me questionava: ‘Será que vivi o que vivi mesmo? Não estou ficando maluca?’ E até hoje ele diz que apanhei porque o traí.
Ele saiu de casa em julho de 2018. Eu disse que queria me separar e estávamos iniciando o processo do divórcio. Mas ele me procurava para dizer que queria voltar. Em setembro, me mandou uma mensagem de madrugada. Respondi que queria seguir minha vida e ele falou que estava indo me encontrar.
Era 1h10 quando ele apareceu. Falou para reconstruirmos nossa família. Disse a verdade, que um homem com quem estava me envolvendo tinha ido lá, que tinha dado um beijo nele. Falei: ‘Não quero ficar com você, não vou voltar’. Ele baixou a cabeça e, quando levantou, estava desfigurado, com raiva.
Pegou o celular para ligar para a minha mãe para que me buscasse, queria que eu saísse da casa. Fui tirar o telefone da mão dele. Foi quando começou a me socar na cabeça. Ele me jogou no chão, me chutou. Eu gritava pedindo socorro, dizendo que ele me mataria, que eu ia morrer.
Ele se abaixou para pegar um toco de maçaranduba, uma madeira bem pesada, para bater na minha cabeça. Nessa hora, levantei e saí correndo, gritando pela rua, pedindo ajuda. Minha mãe diz que ele ligou para ela nessa hora dizendo que só não me matou porque eu consegui fugir.
Um vizinho me emprestou um telefone e eu liguei para a polícia. Passei a noite no hospital, depois fui para a delegacia, registrei um boletim de ocorrência e consegui uma medida protetiva para ele não se aproximar de mim.
Eu tinha meu trabalho, fiz curso de cabeleireira e tocava um salão de beleza. Ele me ajudou a montar. Digo que ele era bom para mim, mas, quando era mau, era muito mau. Vivia nesses altos e baixos.
“Vou levar essa história pela vida inteira”
Depois do dia que ele tentou me matar, me mudei para a cidade da minha mãe, a 20 km de onde eu vivia. Comecei a refazer minha vida: trouxe as coisas do salão para reabrir um aqui e me envolvi com outra pessoa. Diante do que aconteceu, eu não pretendia nem namorar. Tenho consciência de que só consegui me abrir para outro relacionamento porque já o conhecia há algum tempo, tinha confiança.
Chegamos a um acordo no processo de divórcio, mas o processo contra ele por violência doméstica ainda está correndo. Por mais que minha situação esteja resolvida agora, vou levar essa história pela vida inteira. Principalmente porque vejo as mesmas coisas se repetirem com outras mulheres, e não acontece nada. Temos leis, mas não há amparo. As pessoas ainda acham que temos culpa pelas agressões que sofremos.
Também nos sentimos culpadas de alguma maneira, parece que não podemos nos separar, que precisamos ajudá-los já que eles nos amam. A gente chega a achar que é doença, que o homem precisa se tratar. Mas a verdade é que é violência mesmo, e o que precisamos é de justiça.
Se você estiver passando por uma situação de violência doméstica ou conhece alguém que vive isso, ligue para o Disque 180 — canal de denúncia do governo federal para ajudar e orientar mulheres.
Fonte: UOL
Créditos: UOL