A denúncia do Ministério Público do Rio de Janeiro que deu respaldo à Operação Os Intocáveis revela que milicianos de Rio das Pedras e Muzema pagaram R$ 3 mil a um funcionário da Prefeitura do Rio para obterem o alvará de funcionamento de uma empresa que pertence à quadrilha.
Em nota, a prefeitura afirmou se tratar de “um caso de polícia” e comunicou que “está à disposição das autoridades para prestar esclarecimentos”. Na manhã de terça-feira (22), dia da operação, cinco milicianos foram presos e oito seguem foragidos.
A situação envolvendo o crime de corrupção ativa ocorreu em outubro de 2018, quando os suspeitos Fabio Campelo Lima e Manoel de Brito Batista, o “Cabelo”, se juntaram para corromper um funcionário da prefeitura carioca. Não é revelado no documento a qual órgão o funcionário pertenceria.
Numa das conversas interceptadas pelos investigadores, é citado o nome “subprefeitura”, que atualmente seria a superintendência regional da Barra da Tijuca. O nome dele também não é revelado nas conversas envolvendo os milicianos.
Uso de ‘laranjas’
Segundo o MP-RJ, Fabio prometeu o pagamento de R$ 3 mil a um funcionário para obter a regularização e liberação do alvará de funcionamento de uma das empresas ligada à quadrilha, que lida com material de construção. O objetivo era baratear o valor de custo da construção dos imóveis na região, utilizando o CNPJ de empresas criadas em nomes de “laranjas”.
A empresa citada pelos milicianos, de acordo com os diálogos transcritos na denúncia, é a São Felipe Construção Civil Eireli. O empreendimento possui um único sócio, Benedito Aurélio Ferreira Carvalho, conhecido como Aurélio, preso na operação de terça, e tem Fábio como contador.
Aurélio é apontado na denúncia como um dos principais “laranjas” do grupo, e seu nome é utilizado para criar várias empresas do grupo na região.
Outro negócio também está em nome de Benedito e mais um “laranja” do grupo: Gerardo Alves Mascarenhas, conhecido como “Pirata”, considerado foragido.
Ambos são sócios da empresa Depósito e Distribuidora de Bebidas dos amigos Ltda ME; e também da empresa São Jorge Construção Civil, esta última com CNPJ registrado e capital social de R$88 mil, criada em 2016.
Plantas de imóveis também estavam na casa de Ronald, segundo o Ministério Público — Foto: Divulgação
Na casa de Ronald Alves de Paula, o Major Ronald, preso na operação, foram encontradas plantas de imóveis e imagens de prédios em construção na região da Muzema, onde ele comandava a milícia, próximo a Rio das Pedras.
Diálogos
O prédio da São Felipe Construção Civil é localizado na Avenida Engenheiro Souza Filho, 655, lote 7, no Itanhangá, região controlada pelos milicianos.
O endereço é citado em uma das primeiras conversas interceptadas citando o assunto, no dia 10 de outubro, entre Julio Cesar Veloso Serra e Fabio Campelo Lima.
No dia seguinte, Fabio comenta que terá que ir à Junta Comercial para iniciar o processo de regularização da empresa. Ele diz que vai colocar o valor de R$ 50 mil como capital social da São Felipe, e pede ainda um e-mail de Julio para emitir a guia a ser paga na Junta Comercial.
No dia 16 de outubro, Fabio conversa com Manoel Batista, o “Cabelo”, e diz que uma das empresas no nome de Aurélio já estaria regularizada, mas não a São Felipe.
Em determinado trecho da conversa, ele diz que já conhece funcionário da subprefeitura (superintendência regional da Barra da Tijuca) e que foi até o local:
” Cabelo: Oferece um dinheiro pra ele aí, homem, que ele resolve.
Fabio: Não, ele nem precisa oferecer não, ele pede.
Cabelo: Porque pra mim cara, não me interessa tanto a do Aurélio, me interessa a Loja de Material porque é a Loja do…
Fabio: Não, eu vou legalizar as duas.
Cabelo: Agora me ajude homem, corra atrás dessa loja, fale tudo que você tiver fazendo e cobre que eu lhe pago, eu quero é resolver a loja. Eu confio em você, corra atrás aí.
Fabio: Eu vou entrar em contato com ele lá na Prefeitura”
No dia 19 de outubro, Fabio e Manoel voltam a conversar e dizem que “os caras” estão querendo muito dinheiro para a liberação do alvará de funcionamento da empresa: R$ 3 mil.
“Fabio: Esses caras são f$da (sic), os caras estão falando aqui Três Mil.
Cabelo: Pra liberar?
Fabio: Pra liberar, pô, é muita coisa.”
Já no dia 22 de outubro, Fabio diz a Manoel que conseguiu falar com o responsável pela liberação do alvará de funcionamento, e que ele disse que primeiro aprovaria o documento para o pagamento ser acertado depois.
Em outro trecho da mesma conversa, Cabelo menciona que em outro prédio, eles queriam R$ 5 mil pela liberação de documento semelhante.
“Caraca, pô, isso aí tá virando uma máfia. Esse país aqui é f*da, esse país é uma porcaria. ”
Em uma ligação de Fábio interceptada no dia 24 de outubro pelo Grupo de Atuação Especializada e Combate ao Crime Organizado (Gaeco), ele diz que confirma a liberação da empresa “mediante o pagamento no dia seguinte” do valor de R$ 3 mil a Manoel, um dos responsáveis pela parte financeira do grupo.
“Fabio: Então, ele liberou aqui, ele vai mandar pra mim aqui agora o número da busca e eu já vou dar entrada na viabilidade, aquele valor mesmo, 3.0, tem como o Júlio me trazer aqui amanhã?”
Já no dia 5 de novembro, a conversa era em tom de vitória a respeito da liberação do alvará de uma empresa, e comentavam sobre o pagamento da guia da loja de material de construção.
Fabio: Tá pronta, já tem o CNPJ.
Cabelo: Já tá com CNPJ a do Benedito?
Fabio: CNPJ do Benedito já.
Cabelo: C*$#lho, muito rápido.
Fabio: É, tô te falando pô.
Cabelo: Da loja é que não sai né?
Fabio: Não, vai sair pô, já tô com a guia aqui já.
Cabelo: Sai essa semana?
Fabio: Se der certo igual a do Benedito, se tudo der certo, se a junta não colocar exigência”
A Operação
A quadrilha que atuava em Rio das Pedras e Muzema, na Zona Oeste, é suspeita de comprar e vender imóveis construídos ilegalmente na região. Além disso, também cometia, segundo a denúncia, crimes relacionados à ação da milícia nas comunidades.
Equipes da força-tarefa foram a endereços as favelas, e nos bairros da Barra da Tijcua, Recreio, Vargem Grande e Vargem Pequena.
Além dos mandados de prisão, foram cumpridos mandados de busca e apreensão nos endereços dos denunciados e de algumas empresas relacionadas ao grupo criminoso.
Em um condomínio no Recreio, uma equipe apreendeu dois celulares e numa empresa do grupo criminoso, a construtora MZ, que tem Fábio Campelo como contador, foi encontrado com um cofre com mais de R$ 50 mil em espécie.
Denunciados e presos
Maurício Silva da Costa, o tenente reformado Maurição, Careca, Coroa ou Velho – preso
Ronald Paulo Alves Pereira, o major da PM conhecido como Major Ronald ou Tartaruga; segundo as investigações, é chefe da milícia da Muzema e grileiro nas regiões de Vargem Grande e Vargem Pequena – preso
Laerte Silva de Lima – preso
Manoel de Brito Batista, o Cabelo – preso
Benedito Aurélio Ferreira Carvalho, o Aurélio – preso
Adriano Magalhães da Nóbrega, Adriano ou Gordinho, ex-capitão do Bope;
Daniel Alves de Souza;
Fabiano Cordeiro Ferreira, o Mágico;
Fábio Campelo Lima;
Gerardo Alves Mascarenhas, o Pirata;
Jorge Alberto Moreth, o Beto Bomba;
Júlio Cesar Veloso Serra;
Marcus Vinicius Reis dos Santos, o Fininho.
Fonte: G1
Créditos: G1