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Lei de Acesso à Informação: Decreto torna aval para sigilo mais amplo que o da ditadura militar

A mudança determinada pelo presidente interino, Hamilton Mourão, e pelo ministro Onyx Lorenzoni (Casa Civil) em trecho do decreto de 2012 que regulamentava a LAI

A mudança determinada pelo presidente interino, Hamilton Mourão, e pelo ministro Onyx Lorenzoni (Casa Civil) em trecho do decreto de 2012 que regulamentava a LAI (Lei de Acesso à Informação) torna a permissão para definir a classificação ultrassecreta, o mais alto grau de sigilo, ainda mais ampla do que era na ditadura militar (1964-1985).

O histórico desmente, pelo menos no ponto dos ultrassecretos, afirmação de Mourão dada à imprensa nesta quinta-feira (24): “São servidores escolhidos [que classificam os papéis], já foi muito mais gente que podia classificar documento”.

Até os anos 90, o leque de autoridades aptas a classificar determinado documento como ultrassecreto era estabelecido em um decreto de março de 1967 assinado pelo general Castelo Branco (1900-1967), o primeiro presidente da ditadura, e seus ministros. O decreto criou o Regulamento para a Salvaguarda de Assuntos Sigilosos, que previa, em seu artigo 6º, que “só podem classificar assunto como ultrassecreto” o presidente da República, seu vice, ministros de Estado, o secretário-geral do Conselho de Segurança Nacional, os comandantes militares e o chefe do antigo SNI (Serviço Nacional de Informações).

O escopo restrito de autoridades foi mantido em um decreto de 1977, que revogou o de 1967. O regulamento da ditadura só seria alterado inacreditáveis 30 anos depois, em 1997, por meio de um decreto assinado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. Ele tornou mais restrita a capacidade de classificação dos ultrassecretos, que a partir de então só poderia ser exercida pelos “chefes dos Poderes Executivos, Legislativo e Judiciário federais”. Também detalhou como documentos aptos a serem ultrassecretos aqueles “referentes à soberania e integridade territorial nacionais, planos de guerra e relações internacionais do país, cuja divulgação ponha em risco a segurança da sociedade e do Estado”.

O decreto de FHC ficou em vigor por cinco anos. A quatro dias do final do seu segundo mandato, em dezembro de 2002, FHC estabeleceu novas regras sobre o tema. Houve repercussão na época porque ampliou o prazo máximo de sigilo dos ultrassecretos de 30 para 50 anos e o dos secretos de 20 para 30 anos. Na questão da competência para a assinatura dos ultrassecretos, contudo, foi mantido o rol bastante restrito de autoridades: presidente da República, vice, ministros e comandantes da Marinha, Exército e Aeronáutica.

Com o decreto do governo Bolsonaro, a capacidade é ampliada para cerca de duas centenas de ocupantes de cargos comissionados. A tendência óbvia é o aumento de documentos do gênero. Pela lei atual, eles só podem ser acessados 25 anos depois da classificação. Documentos produzidos em 2019, portanto, só serão conhecidos em 2044, quando Jair Bolsonaro completará 89 anos de idade.
Mourão tem razão quando diz que os documentos ultrassecretos são “raríssimos”. Não há um controle unificado desse tipo de classificação, mas uma olhada nas listas do GSI (Gabinete de Segurança Nacional) e da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), por exemplo, não indica nenhum documento do gênero nos últimos cinco anos. Embora a conclusão de Mourão seja correta, o que parece não ter lhe ocorrido é que a raridade existe justamente pela pouca abrangência da capacidade de classificação. Ou seja, os documentos podem se tornar muito mais comuns do que são hoje justamente pela mudança que ele determinou.

Fonte: Folha de S.Paulo
Créditos: Folha de S.Paulo